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O que aprender com as concessões de parques públicos
As pessoas que se sentem inseguras com a concessão dos parques públicos têm motivos legítimos, que podem ser minimizados no próprio contrato de gestão.
Recentemente, a prefeitura de Porto Alegre divulgou sua intenção de conceder alguns parques públicos à gestão privada. A iniciativa inclui o Parque Farroupilha, conhecido como Redenção, que é um dos espaços mais queridos dos porto-alegrenses.
A notícia inflamou o debate nas redes sociais, e não faltou quem acusasse a prefeitura de colocar a Redenção à venda — algo que nunca foi sequer cogitado. A confusão acontece porque a população não está acostumada com o conceito de concessão de uso, em que o Poder Público continua dono do parque e a permanência do acesso público e gratuito pode ser garantida no contrato.
No caso da Redenção, a versão preliminar do contrato de concessão veda a cobrança de ingresso para acesso às áreas abertas, playgrounds, cachorródromos e sanitários.
Pelo modelo de concessão pública, a manutenção e administração dos parques é realizada por uma entidade privada. Essa concessão tem prazo determinado previsto em contrato, em geral, 30 anos, e pode ser encerrada prematuramente caso haja descumprimento dos compromissos assumidos perante a prefeitura.
Em troca, a concessionária ganha o direito de exercer algumas atividades remuneradas, como a produção de eventos, a exploração de espaços publicitários, a cobrança de estacionamento e o aluguel de espaços para alimentação.
Os planos da prefeitura não são uma novidade, já que desde 2021 vêm sendo realizados estudos de viabilidade financeira e jurídica para a concessão dessas áreas. Mas é necessário cautela ao avaliar se a concessão é boa ou ruim, pois a prefeitura disponibilizou os editais, anexos e documentos complementares para consulta pública apenas recentemente, em 11 de outubro.
A prefeitura pretende conceder o Parque Farroupilha junto com a Orla do Lami, localizada no extremo sul de Porto Alegre. A previsão é que sejam investidos R$ 102 milhões nessas duas áreas. Como contrapartida, o concessionário da Redenção se comprometeria a construir um estacionamento subterrâneo ao lado do Auditório Araújo Vianna, e teria o direito de explorá-lo comercialmente.
Considerando que a perda de área pública seja mínima, o estacionamento pode ser uma boa alternativa para viabilizar o acordo de gestão. Essa estratégia é usada em parques e praças na Europa e na garagem do Trianon em São Paulo.
Em 2019, a imprensa informou que a prefeitura de Porto Alegre pretende economizar até R$ 5,6 milhões destinados anualmente à manutenção dos parques. Há quem defenda que é responsabilidade do Estado assumir esse custo.
Mas o orçamento público não é infinito, e cada real gasto na Redenção é um real a menos que estará disponível para outras áreas verdes. A injeção de investimento privado liberaria recursos que podem inclusive ser utilizados em outras áreas, como saúde e educação.
Muitos frequentadores temem que o gestor privado exija o cercamento do parque. A prefeitura já declarou que a Redenção não será. Ao mesmo tempo, sinalizou que voltará a discutir o cercamento de outros parques da capital gaúcha, como o Moinhos de Vento.
Cercar parques é uma medida de segurança pública equivocada. A obrigação de manter os parques sem muros e grades deveria ser incluída nos contratos de concessão, o que daria respaldo jurídico a quem defende o acesso livre.
Outra preocupação é que, mesmo sem o cercamento, a Redenção possa se tornar um local elitizado. Atualmente o parque abriga vários vendedores que oferecem alimentação por um preço acessível, além da Feira do Brique, que também costuma ser bem em conta. O risco é que a concessionária retire o comércio que já existe, substituindo esses serviços por opções mais caras.
Além disso, há certa ansiedade quanto à vigilância do espaço. A concessão do Parque Farroupilha prevê a contratação de vigilantes, que farão a ronda em bicicletas elétricas. É bom que haja agentes de segurança, mas um ambiente controlado em excesso pode fazer com que os frequentadores se sintam vigiados.
Além de causar desconforto, a vigilância ostensiva pode constranger pessoas de renda mais baixa, contribuindo para a elitização do parque. Embora as regras da concessão prevejam um tratamento antidiscriminatório, não está claro como os vigilantes serão treinados nem os limites de sua atuação.
Para entender melhor, é interessante conhecer outros casos de espaços públicos administrados por entidades privadas. Um dos exemplos mais famosos é o do Central Park de Nova York, que é gerido por uma fundação sem fins lucrativos, mantida por doações.
A The Royal Parks, outra entidade filantrópica, administra vários parques em Londres, incluindo o Hyde Park. Em São Paulo, temos o caso do Parque Burle Marx, que é mantido pela Fundação Aron Birmann desde 1995.
Também é interessante destacar o trabalho do Instituto Semeia, que há dez anos atua na melhoria da gestão de parques públicos naturais e urbanos no Brasil. Essa entidade ajuda agentes públicos, privados e do terceiro setor a desenvolver modelos de gestão alinhados com as melhores práticas do setor. Como as outras organizações citadas até aqui, o Instituto Semeia não possui fins lucrativos.
Contudo, há modelos de concessão em que a gestão privada visa obter lucro. Desses, talvez o caso mais relevante seja o do Parque Ibirapuera, um dos cartões postais da capital paulista. O contrato entre a prefeitura de São Paulo e a concessionária Urbia foi assinado em dezembro de 2019 e a empresa passou a gerir de fato o espaço em outubro de 2020.
O Ibirapuera foi concedido em bloco com mais cinco parques públicos espalhados pela cidade. Alguns desses parques estão em regiões afastadas e não teriam potencial para atrair investimentos privados se fossem oferecidos sozinhos. Para gerir o Ibirapuera, a Urbia se obriga a manter todos esses espaços com a mesma qualidade.
Os frequentadores do Ibirapuera relatam que, após a concessão, houve melhora na limpeza e manutenção das áreas públicas. Havia um temor de que seria cobrado ingresso para entrar no parque, algo que nunca se concretizou. O acesso permanece gratuito a toda população, e não há planos para que isso mude.
Entre as reclamações, grande parte é sobre o aumento do preço dos estacionamentos. Mas essa cobrança tem sentido. Além de gerar receita para a conservação dos parques públicos, o preço alto incentiva o cidadão a procurar alternativas aos automóveis.
O que a prefeitura poderia fazer é melhorar a conexão do parque com a cidade, colocando mais linhas de ônibus e construindo calçadas e ciclovias melhores no seu entorno, incluindo a melhora do acesso à Estação AACD-Servidor da rede metroviária, localizada a cerca de 1 km de um de seus portões.
Outro ponto polêmico são os profissionais da saúde, como treinadores, fisioterapeutas e professores de yoga. No final do ano passado, a Urbia anunciou que pretendia cobrar uma taxa de quem atua dentro do parque. Até o momento, porém, essa cobrança não está sendo realizada.
Além desses profissionais, há outros que dependem do Ibirapuera para garantir sua renda. É o caso dos vendedores ambulantes. O contrato de concessão determina o “cadastro, regularização e integração” dessas pessoas. A Urbia tem feito esforços nesse sentido, mas há dificuldade em chegar a um acordo que contemple a variedade de modos de trabalho que acontecem no parque.
Há também o fato de que as principais fontes de receita obtidas no Ibirapuera são os eventos e a publicidade. Ambas foram previstas na modelagem econômico-financeira e precisaram de aprovação dos órgãos competentes (tanto da publicidade pela Lei Cidade Limpa como do patrimônio histórico).
Mas é compreensível que em alguns momentos o cidadão perceba isso como algo invasivo, que foge da ideia de um refúgio no meio da metrópole.
Hoje temos marcas criando espaços dentro do parque, já que o Ibirapuera é um dos lugares mais visitados da cidade. Os shows e festivais ocupam parte do gramado, e são fechados ao público não-pagante. Como a natureza de um parque é ser um espaço aberto e de circulação, os frequentadores ficam vulneráveis a ter maior contato com essas atividades.
Esse conflito é algo próprio do modo como a geração de receita é prevista em um espaço público. A princípio, não é um problema que as concessionárias negociem publicidade e eventos, desde que haja equilíbrio e bom senso. Como o modelo de concessões de parques públicos é recente, provavelmente precisaremos de acertos e erros até encontrar o modelo ideal.
O Parque Farroupilha é um dos melhores parques urbanos do Brasil. Porto Alegre tem a oportunidade de transformá-lo em um modelo de gestão, mas o simples ato de concedê-lo à iniciativa privada não garante o sucesso.
A concessão também não isenta a prefeitura da responsabilidade sobre os parques públicos, cabendo ao poder público fiscalizar o cumprimento do contrato. Se a população se sentir prejudicada, pode haver uma reação hostil, o que tornaria difícil para a prefeitura realizar outras parcerias público-privadas no futuro.
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