Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
O que você pode fazer hoje para melhorar a sua cidade? O que você pode fazer hoje para ajudar na sociedade do amanhã? Saiba como mudar a cidade com uma microrrevolução atrás da outra.
5 de dezembro de 2015Não sei se vocês conhecem a história de Mohamed Bouazizi, mas ele ficou mundialmente famoso por ser um dos responsáveis pela queda do ditador tunisiano Ben Ali. O que Bouazizi fez? Tacou fogo em si mesmo. Isso mesmo. Irritado com a propina dos policiais de sua cidade, ele se encharcou em gasolina e riscou um fósforo. Esse pequeno ato desencadeou uma série de protestos que resultariam não só na queda do ditador, mas também no fenômeno conhecido como Primavera Árabe.
O gesto de desespero de Bouazizi é um exemplo de como uma microrrevolução pode desencadear outras microrrevoluções e como esses eventos podem vir a se tornar uma verdadeira revolução. Posso parecer ingênuo às vezes ou até sonhador demais, mas eu sou muito otimista com o poder das microrrevoluções. Acredito que ideias simples e pequenas atitudes podem sim impactar o mundo no futuro. Só que numa sociedade que precisa urgente de mudanças nas mais diversas áreas, estaria eu (e outras pessoas que pensam comigo) pensando pequeno?
Eu acredito que não. É óbvio que eu gostaria de resolver o problema da segurança do dia para a noite, ou acabar com a forma insustentável com que descartamos nosso lixo em minutos, mas vamos combinar que isso é muito difícil. A maioria dos problemas que enfrentamos dentro de nossas cidades são problemas de comportamento. Possuímos diversas culturas impregnadas no comportamento da sociedade que não só causam os problemas, como também os ajudam a se perpetuar.
A cidade é insegura? Vamos parar de usar a rua. O transporte público é ruim? Vamos usar carros. O lixo é nojento? Vamos descartar de qualquer forma. Tem água sempre que a torneira é aberta? Vamos usar sem pensar no amanhã. Preciso de algo novo? Vamos comprar algo zero bala. A cidade é cinza e feia? Vamos deixar ela assim. Caminhar cansa? Vamos de carro. Pequenas ações conscientes (e subconscientes) que realizamos diariamente resultam em desafios que a maioria das cidades brasileiras enfrentam: insegurança, precariedade do transporte público, lixo, trânsito, poluição, falta de senso de comunidade. Apenas para citar alguns.
Não vejo soluções simples para esses problemas. Todos eles são complexos e precisam que diversos fatores atuem de maneira conjunta para solucioná-los. O que eu vejo sim é o que EU posso fazer dentro da minha realidade para ajudar nessa solução. E é aí que entram as microrrevoluções.
Mês passado, realizamos um evento em Porto Alegre chamado Cadeiraço. A proposta era incentivar pessoas a ocupar uma rua específica com cadeiras com o objetivo de mostrar para a cidade que lugares para sentar no espaço público atraem pessoas, e pessoas afastam a insegurança e trazem mais vida para o local. O evento durou algumas horas e aconteceu em uma rua. Micro. Cerca de 300 pessoas participaram. Teve gente da imprensa lá fazendo reportagem. Outros coletivos apareceram. Um pessoal de São Paulo replicou o evento lá. Na avenida Paulista. Teve bastante gente também. Quando vê aquilo que era micro começa a tomar corpo.
Obviamente não virou algo do tamanho da Primavera Árabe, mas só de começar esse debate e ver que outras pessoas compraram a ideia e participaram também, já valeu a pena. Talvez no próximo as coisas escalem mais. Vai saber. Essa é a beleza das microrrevoluções. Faça o que puder, onde estiver e com o que você tem. O resto só o tempo poderá dizer.
Esse vídeo meio que explica visualmente o que estou querendo dizer.
Um exemplo de projeto que escalou bastante é o Before I Die, da artista americana Candy Chang. Cansada de ver uma casa abandonada em sua rua, ela decidiu propor uma intervenção nas paredes da mesma, convidando as pessoas a responder aquilo que elas querem fazer antes de morrer.
O projeto não só foi um sucesso, mas bizarramente se espalhou pelo mundo afora, sendo replicado mais de centenas de vezes, impactando e inspirando um número incontável de pessoas. Felizmente existem diversos outros artistas por aí que entendem o potencial de boas ideias e não se acanham por não ter recursos ou influência para impactar o mundo todo de uma vez só. Eles começam com o seu entorno e o resto fica para depois.
Passei por alguns exemplos que admiro bastante, mas existem muito mais por aí, talvez até na sua cidade. Se eu pudesse citar alguns para você ir atrás, aqui vai uma listinha: Curativos Urbanos, Fui Feliz Aqui, BO coletivo, Que Ônibus Passa Aqui?, Oak Oak, Brandalism, Poste Parade, The Good News, Acupuntura Urbana. Guerrilha urbana, urbanismo tático, acupuntura urbana, intervenção urbana. Chame do que quiser. Para mim tudo isso é, de uma forma ou de outra, uma revolução, mesmo que micro. São pessoas que pensam no agora, mas sem deixar de olhar para o futuro, para aquela cidade que eles querem viver, para a nossa Primavera Árabe.
Mas para deixar bem claro, esse post não tem por objetivo incentivá-los a colocar fogo em vocês mesmos. Ele tem como objetivo mostrar que é possível sim, através de pequenas atitudes, criar novos comportamentos que condizem com uma cidade melhor no futuro.
E você? O que você pode fazer hoje para melhorar a sua cidade? O que você pode fazer hoje para ajudar na sociedade do amanhã? Independentemente do que for, saiba que você pode contar com o otimismo desse cara aqui.
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