O Modelo Medellín nasceu no Brasil – mas é quase impossível replicá-lo
Foto: Anthony Ling

O Modelo Medellín nasceu no Brasil – mas é quase impossível replicá-lo

A transformação da cidade de Medellín teve como inspiração um projeto brasileiro, mas é difícil reproduzir o modelo colombiano para obter resultados semelhantes aqui.

22 de agosto de 2024

Medellín, Colômbia – Nos anos 90, esta era uma das cidades mais perigosas do mundo. Graças ao tráfico, a taxa de homicídio batia quase 400 por cada 100 mil habitantes. 

Mas em pouco mais de 20 anos, a cidade reduziu este indicador em dez vezes, chegando a ganhar em 2016 o Lee Kwan Yew City Prize, um dos maiores reconhecimentos em transformação urbana. 

A Comuna 13, uma de suas favelas mais perigosas, virou um lugar seguro e até um ponto turístico. Hoje a taxa de homicídios de Medellín é de apenas 15 por cada 100 mil habitantes, em linha com as melhores capitais brasileiras.

Leia mais: A transformação urbana de Medellín: um estudo de caso

O “milagre de Medellín”, para alguns, é atribuído ao enfrentamento militar ao tráfico no período de Álvaro Uribe, presidente entre 2002 e 2010. Porém, um fator específico a Medellín foi o chamado “urbanismo social” ou “modelo Medellín”, que levou obras de infraestrutura, transporte e equipamentos sociais e educacionais de alta qualidade às áreas mais pobres da cidade.

Praça em bairro de baixa renda em Medellín. Foto: Anthony Ling

O frustrante dessa história é saber que após inspirar essa transformação, o Brasil dificilmente terá condições de replicá-la.

Voltemos ao Brasil dos anos 1990.

Cesar Maia é eleito prefeito do Rio de Janeiro e introduz o programa Favela Bairro – uma das experiências mais emblemáticas e exitosas de urbanização de favelas da história do país. 

Além da regularização fundiária, construiu-se não só infraestrutura – como saneamento básico, iluminação pública e pavimentação de ruas – mas também creches, escolas e postos de saúde em áreas historicamente negligenciadas. 

Foi um dos poucos programas habitacionais sérios que rompeu a lógica de remoção de favelas e transferência para áreas com pouca acessibilidade a empregos e serviços.

Ao atuar sobre os espaços já construídos – onde não havia apenas casas, mas também relações sociais e padrões de mobilidade das famílias – a relação entre o custo investido e ganho social se torna ordens de grandeza mais eficaz do que políticas de remoção e reconstrução. 

Enquanto o Favela Bairro investiu cerca de 2500 dólares por família, programas como o Minha Casa, Minha Vida têm um custo expressivamente maior apenas para a construção da residência, sem contar a nova infraestrutura e o custo social da realocação.

Com a redução de recursos e a falta de uma institucionalização da política, o Favela Bairro foi gradualmente reduzido e extinto em 2008. Junto com o programa, perdeu-se o conhecimento técnico acumulado de mais de uma década na complexa operacionalização da urbanização de favelas.

Leia mais: O legado esquecido do programa Favela-Bairro

Voltemos a Medellín.

Em 2002, a Comuna 13, uma favela com mais de 100 mil pessoas e uma das mais perigosas da cidade, sofre uma série de intervenções militares e paramilitares. Com perda de vidas e graves danos colaterais sociais, o estado toma controle do território.

Sérgio Fajardo, um matemático outsider, é eleito prefeito de Medellín com um projeto claro para ocupar o vácuo institucional nas comunas mais pobres através da educação e desenvolvimento urbano. Cunhado de “urbanismo social”, uma de suas principais inspirações seria o Favela Bairro carioca.

A Comuna 13 ganhou vias de acesso e escadas rolantes para subir o morro. É inaugurado o Parque Biblioteca San Javier, o primeiro de dez estruturas sociais e educacionais. 

Comuna 13, em Medellín. Foto: Anthony Ling

Em 2007, Moravia, uma comunidade de Medellin que se desenvolveu sobre um aterro sanitário, recebe um Centro de Desenvolvimento Cultural que se torna referência de gestão comunitária. 

No mesmo ano é inaugurado o Parque Arví, um parque natural de 16 mil hectares acessível por teleférico. Chamado de Metrocable, o sistema de “bondinhos” se tornou solução emblemática de Medellín para vencer o terreno acidentado e acessar as comunidades autoconstruídas.

Governos seguintes deram continuidade à estratégia de sucesso. Em 2014 surgem as primeiras UVAs (Unidade de Vida Articulada), hoje um conjunto de 14 praças e centros comunitários construídos sobre reservatórios de água que de outra forma seriam apenas tanques cercados.

Inúmeros outros exemplos poderiam ilustrar o modelo Medellin, incluindo uma penitenciária convertida em centro de tecnologia, e centros culturais e sistemas de transporte nas áreas mais pobres da cidade. 

Muitos desses projetos foram resultado de concursos arquitetônicos envolvendo a participação da comunidade, e acabaram trazendo o melhor da arquitetura colombiana e mundial.

No Brasil, temos um estado com burocracia travada, incapaz, na maioria das vezes, de executar as tarefas mais simples, como cuidar da pracinha do bairro. 

Medellín seguiu um caminho diferente. 

A Empresas Públicas de Medellín (EPM) é 100% controlada pela cidade e é e a segunda maior empresa da Colômbia, ficando atrás apenas para a gigante petrolífera Ecopetrol. 

A estatal municipal de infraestrutura é uma grande public utility – uma Sabesp, Comgás e Eletropaulo combinadas.

Além de atender as demandas de luz, água, gás, resíduos e telecom da cidade, é a EPM que constrói e gere as UVAs. Trata-se de uma empresa estatal, mas lucrativa.

Nos moldes de uma empresa privada, ela é gerida com independência das marés e interesses políticos. Há mecanismos de governança que protegem sua autonomia e, principalmente, uma forte cultura organizacional que repele interferências indesejadas. O entendimento pela população que o sucesso da EPM é revertido para a cidade é também um fator decisivo para que tenha suporte da Prefeitura.

Outro ator determinante para o sucesso de Medellín é o Metro, responsável pelas principais operações de transporte de massa na cidade. De propriedade dividida entre o município e o estado da Antióquia, ele gerencia o metrô, os teleféricos, o BRT (Bus Rapid Transit), o VLP (Veículo Leve sobre Pneus) e a integração tarifária entre todos os sistemas. 

Embora receba uma série de subsídios e repasses financeiros, é uma empresa que apresenta altas margens de EBITDA e é financeiramente responsável, emitindo bonds para financiar investimentos e publicando seus resultados aos investidores.

Outro pilar do setor público é a EDU, a Empresa de Desenvolvimento Urbano. Ela desenvolve, executa e gere projetos de urbanização de favelas, construção de obras públicas municipais, e desenvolve planos de desenvolvimento imobiliário junto à iniciativa privada, sua principal fonte de financiamento. 

Para tal, a EDU conta com uma equipe qualificada e uma produção de dados e análise geoespacial invejáveis para apoiar seu trabalho.

Depois de inspirar este modelo de sucesso, o Brasil olha para Medellín para reaprender como fazer – e é comum que se olhe apenas para as obras construídas como objeto a ser replicado. 

No entanto, a distância que separa a realidade brasileira da de Medellín não são meros tijolos ou estruturas de concreto, mas sim o contexto institucional que permitiu realizá-los. 

Leia mais: Podcast #94 | Planos parciais e projetos urbanos na Colômbia: o caso de Medellín

Segundo o Censo de 2022, o Brasil tem 16 milhões de pessoas morando em favelas, quase sempre exigindo intervenções complexas, de longo prazo e uma capacidade de execução estatal que raramente está presente. 

O exemplo do Favela Bairro é emblemático para ilustrar como mesmo bons projetos acabam morrendo sem uma estrutura que consiga torná-los perenes e independentes. 

O modelo de Medellín nos traz, na melhor das hipóteses, modelos organizacionais de estatais que poderíamos adotar no Brasil. Mas, como diz o sentido da própria palavra, milagres são difíceis de replicar.

Artigo originalmente publicado em Brazil Journal, em agosto de 2024.

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