O Minha Casa, Minha Vida não é suficiente para o desafio da habitação
Imagem: Prefeitura de Maceió.

O Minha Casa, Minha Vida não é suficiente para o desafio da habitação

O Minha Casa, Minha Vida mostrou que é possível criar moradia em larga escala, embora sacrificando a qualidade. Resolver essa última parte da equação é a tarefa da nova etapa do programa.

13 de abril de 2023

O artigo de Celso Carvalho, publicado recentemente na revista Carta Capital, traz reflexões importantes sobre o programa Minha Casa, Minha Vida, bem como sobre a necessidade de promover mudanças em sua estratégia. Carvalho cita o custo alto da terra urbana como um entrave para a provisão de Habitação de Interesse Social (HIS) nos bairros mais valorizados das cidades brasileiras, o chamado “nó da terra”. De forma resumida, Carvalho defende que o novo MCMV:

1) construa em terrenos bem localizados, mesmo que sejam mais caros, e

2) aposte em programas de locação social.

Apesar de concordar com as ideias de Carvalho, será necessário ir além das medidas que ele propõe para lidarmos com a enormidade do problema da habitação no Brasil.

A principal crítica ao Minha Casa, Minha Vida, repetida à exaustão há anos, é que o programa prioriza terrenos baratos. Essa política resultou em conjuntos habitacionais distantes dos centros urbanos, com acesso precário ao transporte público, e sem equipamentos essenciais como escolas, postos de saúde e áreas de lazer. Muitos desses conjuntos também não preveem áreas para comércio, o que dificulta a vida dos moradores.

Minha Casa minha Vida Itapevi
Um dos pontos positivos do Banco Nacional da Habitação (1964-1986) foi criar um estoque de terrenos públicos. (Imagem: Felipe Barros)

Carvalho afirma que essa política reforça o processo de expulsão dos pobres para as periferias e defende que o novo programa construa moradias “em bairros com infraestrutura urbana plena, equipamentos sociais básicos e transporte público de qualidade”. Isso significa construir em áreas centrais, onde os terrenos custam mais caro.

Para driblar o custo alto da terra, Carvalho propõe o uso de terrenos e edifícios ociosos ou subutilizados que pertencem ao Estado, além de imóveis privados abandonados passíveis de desapropriação. Na prática, o Poder Público tem muita dificuldade de identificar e desembaraçar seus próprios terrenos, e mais ainda os que são propriedade de terceiros. O fato de haverem tantos terrenos públicos ociosos é evidência disso. Transformar essas parcelas em HIS é um processo lento e burocrático.  

Outro ponto é que terrenos localizados em áreas privilegiadas devem receber o melhor aproveitamento possível, o que implica mudar a legislação para permitir edifícios mais altos, com menos afastamentos obrigatórios, menos vagas de garagem e uso comercial no térreo. Em São Paulo, a Prefeitura tem feito conjuntos de habitação social com essas características, que, em geral, resultam em edifícios de melhor qualidade. São iniciativas muito bem-vindas, mas que dificilmente serão replicadas em larga escala por todo o país.

Como o próprio autor aponta, o Poder Público precisa escolher entre atender mais pessoas em terrenos mais distantes, ou construir um número menor de unidades em terrenos bem localizados. Esse dilema é inescapável. Mesmo nos terrenos que já são propriedade do Poder Público, permanece o custo de oportunidade, pois um terreno bem localizado pode ser trocado por outro maior na periferia.

Jardins da Barra
Residencial Jardins da Barra, construído através de uma Parceria Público-Privada realizada pela Secretaria de Habitação do Governo do Estado. O empreendimento foi erguido em um terreno na Barra Funda cedido pela Prefeitura de São Paulo. (Imagem: Governo do Estado de São Paulo)

O quebra-cabeça do aluguel social

Outro problema de construir HIS em bairros valorizados é que as famílias beneficiadas podem acabar vendendo os imóveis para outras com maior poder aquisitivo. Para impedir que isso ocorra, Carvalho propõe que o Minha Casa, Minha Vida adote programas de locação social. Nessa modalidade, “o imóvel construído com recurso público em terreno valorizado permanece de domínio público e as regras de acesso devem ser muito claras: faixa de renda, vulnerabilidade da família e necessidade.” Assim, o Estado permitiria o uso, mas não a venda.

Construir e alugar diretamente às famílias traz uma série de complicações para o Poder Público. Se for cobrado aluguel pelas unidades, o Poder Público precisa ter consciência de que será quase impossível despejar as famílias por inadimplência, ou por qualquer outro motivo. Na prática, essa modalidade equivale a uma transferência vitalícia do direito de morar.

Isso não é tão ruim quando os imóveis são destinados à Faixa 1, já que o próprio Minha Casa, Minha Vida permite o subsídio de até 90% do custo da moradia para esse grupo. Mas é preciso tomar cuidado para que o benefício não seja desvirtuado em favor de famílias de classe média, como as contempladas por outras faixas do programa. 

Também é preciso ter consciência de que a locação social obriga o Estado a arcar com a manutenção dos imóveis. Estão incluídas aí instalações elétricas, hidrossanitárias, elevadores, revestimentos, faxina e paisagismo. Quanto mais forem ampliados os programas de locação social, mais aumentará a conta que o Poder Público receberá no final do mês. Como já foi dito, uma vez concedida a permissão de morar, é muito difícil retirar esse direito dos beneficiados.

Para evitar despesas com a manutenção das unidades, o Poder Público poderia entregar um Vale-Aluguel para ser usado no aluguel de imóveis particulares. A vantagem desse modelo é que as famílias podem escolher em qual bairro morar.

É possível optar por um imóvel pequeno em uma localização central, ou por um imóvel maior em um local mais distante. O aluguel de imóveis públicos, ao contrário, obriga os beneficiários a se enquadrar na unidade que estiver disponível. 

Mas o auxílio também não é uma bala de prata. Em São Paulo, há indícios de que o programa de Auxílio-Aluguel colaborou para o crescimento do mercado informal de moradia. Como o valor oferecido, quatrocentos reais, é muito baixo para a média de aluguéis da cidade, as famílias acabam procurando imóveis em ocupações, áreas de risco e expansões periféricas. Não houve acompanhamento da Prefeitura quanto ao destino final dos moradores. Esse fenômeno também é relatado por Vitor Nisida em sua dissertação de mestrado.

Outro problema é que políticas de Vale-Aluguel só fazem efeito quando estão aliadas a uma política de aumento de oferta habitacional. Em outras palavras, é preciso construir mais unidades. Caso contrário, teremos famílias com mais dinheiro na mão disputando o mesmo estoque de moradia. O resultado será uma inflação no custo dos aluguéis subsidiada com dinheiro público. Essa dinâmica é conhecida e foi descrita por Alain Bertaud no livro Ordem Sem Design. 

E qual é a alternativa?

Mas então, qual a solução para o Minha Casa, Minha Vida? Um bom começo seria criar uma política nacional de investimento em favelas e assentamentos informais, que inclua a construção de infraestrutura, equipamentos públicos e incentivos à regularização fundiária. Vale destacar a experiência do Favela-Bairro, que conseguiu resultados positivos com recursos muito menores do que os empregados na construção dos conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida.

Antes e depois das obras do programa Favela-Bairro. (Imagens: CAU-RJ)

O Vale-Aluguel é uma alternativa que pode ser testada em nível nacional, talvez como parte do Bolsa-Família. Vale lembrar os requisitos que essa política precisa para dar certo: incentivo à construção de unidades, tanto pelo Poder Público quanto pelo mercado imobiliário, e controle da habitação final locada pelos beneficiários.

Há ainda um terceiro caminho, que é demarcar novas áreas para expandir as ruas e as redes de infraestrutura. Ou seja, planejar o crescimento da cidade. Essa ideia vai contra os princípios de alguns urbanistas, principalmente os que defendem a tese da cidade compacta. Esses profissionais tendem a priorizar o adensamento e a ocupação de terrenos subaproveitados dentro da mancha urbana que já existe. 

Embora o crescimento “compacto” seja desejável, nem sempre ele é possível. Em seu livro Planet of Cities, o urbanista Shlomo Angel alerta que poucas cidades têm conseguido acomodar o crescimento urbano dentro de suas fronteiras. Ele sugere a implantação de grelhas viárias para preparar o terreno para a expansão urbana, aliando-a à oferta de novas áreas para moradia.

Nos casos em que o Poder Público não dispõe de recursos para abrir as ruas imediatamente, a alternativa é demarcar (e fiscalizar) por onde elas passarão. Isso evita que o mercado informal de moradia faça loteamentos por conta própria, o que dificulta bastante a provisão de infraestrutura e o posterior incorporamento dessas áreas à cidade formal.

Nenhuma dessas alternativas é perfeita, mas elas aumentam o leque de modalidades de política habitacional possíveis. Há sempre vantagens e desvantagens, e é preciso identificar os casos em que a aplicação de cada modalidade traz mais benefícios que contratempos. O que o Poder Público precisa é olhar para a política habitacional como uma caixa com diversas ferramentas.

Em governos passados, o Estado agiu como se só tivesse um martelo: a construção de conjuntos habitacionais. O Minha Casa, Minha Vida mostrou que é possível criar moradia em larga escala, embora sacrificando a qualidade. Resolver essa última parte da equação é a tarefa da nova etapa do programa.

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  • Diz o artigo em pauta: “A principal crítica ao Minha Casa, Minha Vida, repetida à exaustão há anos, é que o programa prioriza terrenos baratos.”
    Quem concorda com essa afirmação, já definiu o seu lugar de fala, que se encontra numa região vizinha à Arquitetura, mas fora dela. Se esta é a principal crítica “repetida há anos”, o problema é muito grave, ultrapassa o programa e cai no colo dos arquitetos.
    Será que as soluções usuais desse gigantesco empreendimento habitacional satisfazem as expectativas e preenchem os critérios de excelência arquitetônico-urbanísticos da maioria dos arquitetos? Se for assim, será melhor caçar o título de todos, a fim de proteger a sociedade.

  • O meu último comentário se referia ao Caos Planejado como um todo. Sobre o artigo, estou redigindo um comentário e posto mais tarde.

  • Quando foi lançado o MCMV o valor da fração ideal era em torno de 15% do valor de venda. Atualmente as incorporadoras querem pagar 10% a 12% do valor de venda, isto, analisando em 2009 a fração de venda atingia o valor de 49 mil reais.
    Isto possibilitou retirar famílias em situação de risco, para locais mais seguro. O planejamento de moradias em locais centrais de alto valor agregado é utopia, além de concentrar e congestionar. É preciso sim, investir num programa que contemplem o pacote completo: equipamentos públicos, moradia, transporte.
    Assistimos cidades como almirante Tamandaré, fazenda rio grande, campo largo, tornarem o maior atrativo para construtoras, enquanto Curitiba quer fazer de suas áreas parques, áreas verdes.
    Enquanto, a Cohabcuritiba com a fila de espera 50 mil pessoas se obrigam a ir para cidades vizinhas, transferir o problema para o vizinho