O maior boom imobiliário de Nova York e suas lições para hoje
Foto: Domínio Público

O maior boom imobiliário de Nova York e suas lições para hoje

Durante os anos 1920, Nova York viveu uma época de abundância de moradias, em contraste com o cenário do século 21. A produção habitacional daquele período pode nos oferecer importantes ensinamentos para a crise atual.

16 de janeiro de 2025

Vamos voltar no tempo, um século atrás, para Nova York durante os estrondosos anos 1920.

Nesta jornada, veremos uma cidade muito diferente — não apenas com melindrosas, bares clandestinos e o novo jazz — mas, mais importante, uma enorme produção habitacional. Pode-se argumentar que o período de 1921 a 1929 foi o maior boom habitacional da história de Nova York. Unidades de todos os tipos —  arranha-céus, apartamentos-jardim e casas unifamiliares e bifamiliares — foram construídas em diversos bairros. Foi uma época de abundância habitacional.

Por outro lado, hoje vivemos uma época de escassez habitacional, com uma taxa de vacância de apenas 1,4% e aluguéis em constante alta.

A lição vital dos anos 1920 é que a oferta importa. Quando o volume de novas construções é grande, muitos benefícios seguem. Primeiro, os aluguéis caem. Segundo, há mais opções, permitindo que os moradores encontrem o tamanho e a localização de moradia que melhor atendem às suas necessidades — e que obtenham mais espaço por dólar gasto no aluguel. Terceiro, novas construções melhoram a qualidade das habitações, permitindo que as famílias vivam em unidades mais seguras e funcionais.

Por outro lado, quando a habitação é escassa, os aluguéis aumentam, e os moradores são forçados a aceitar unidades que não atendem às suas necessidades. Além disso, torna-se difícil se mudar quando suas circunstâncias de vida mudam, devido à falta de opções.

Onde está a diferença? Mapa das habitações construídas nos anos 1920 e desde 2010. Quando comparada às construções dos anos 1920, as habitações atuais são difíceis de encontrar. Note que as construções da década de 1920 são as ainda existentes hoje, então representam menos do que a verdadeira quantidade construída naquele período. Imagem: NYC PLUTO, 2024.

A oferta habitacional antes e hoje

Vamos observar o número de unidades concluídas em dois períodos de 24 anos: 1920-1943 e 2000-2023 (veja o gráfico abaixo). Alguns pontos chamam a atenção. Primeiro, os anos 1920 foram realmente “estrondosos”. De 1920 a 1929, Nova York construiu mais de 740.000 unidades habitacionais (quando a população de Nova York era um terço menor do que hoje!). Por outro lado, de 2000 a 2009 — durante o grande boom habitacional do início dos anos 2000 — Nova York construiu menos de 200.000 unidades

Nos anos 1920, a cidade construía moradias mais rápido do que o crescimento de sua população. Hoje, a cidade mal constrói, e o crescimento populacional é mínimo. Na década de 1920, quando imigrantes chegavam, encontravam moradias acessíveis e criavam seus filhos na cidade. Atualmente, a habitação é como uma dança das cadeiras: as pessoas se mudam, disputam as poucas unidades disponíveis e elevam os preços, resultando na saída de outros. A única razão pela qual a população de Nova York cresceu no século 21 é a melhoria da saúde — pessoas estão vivendo mais tempo. Por outro lado, a migração líquida tem sido consistentemente negativa. Ano após ano, mais pessoas deixam a cidade do que chegam.

Leia mais: A evolução de Nova York

Outro dado que chama atenção no gráfico é que o período entre a Grande Depressão e a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial (1930 a 1941) — provavelmente os 12 piores anos da história econômica americana — superou a construção habitacional nos melhores 12 anos do século 21 (2012 a 2023), com 279.134 unidades no primeiro período contra 239.910 no segundo. Em resumo, os “booms” do século 21 em Nova York não podem competir com as depressões do século 20.

Unidades habitacionais construídas em dois períodos respectivos. A linha azul representa o período de 1920 a 1943. A linha laranja corresponde ao de 2000 a 2023. Assim, o ponto zero marca tanto 1920 quanto 2000, respectivamente. Fonte: Jason Barr, com base em diferentes fontes.

Taxa de vacância

No final de 1928, a vacância nos aluguéis de apartamentos era de 7,8%, e quase metade das unidades vagas eram em aluguéis para famílias de baixa renda. Devido à expansão do metrô e ao ritmo acelerado de construção, pessoas de renda mais baixa conseguiam melhorar suas condições habitacionais com relativa facilidade. De 1920 a 1929, foram construídas 250.000 unidades somente no Brooklyn — mais do que todos os cinco distritos da cidade entre 2000 e 2009.

A atual baixa taxa de vacância de Nova York é resultado de uma desaceleração na construção habitacional causada pela pandemia de COVID-19, pelas altas taxas de juros, pela revogação de incentivos fiscais em 2022 e pelo renovado crescimento da economia local. No entanto, a verdade é que a vacância habitacional está em um nível insustentável há muitas décadas. A Lei de Estabilização de Aluguéis define uma “emergência habitacional” quando a vacância está abaixo de 5%. Por esta definição, Nova York está continuamente em uma (autoimposta) emergência habitacional desde a Segunda Guerra Mundial e esqueceu como é um mercado saudável.

Mas o fato de que quase todas as unidades vagas estão concentradas no mercado de alto padrão é tão importante quanto. As taxas de vacância para os nova-iorquinos de baixa renda estão bem abaixo de 1%. Com essa taxa, essas pessoas têm poucas ou nenhuma oportunidade de mudar ou melhorar sua moradia.

Vacância antes e hoje. O gráfico da esquerda mostra a vacância habitacional em relação ao aluguel por quarto em 1928. O gráfico da direita mostra a mesma relação em 2023. Os eixos Y estão alinhados para destacar a escassez habitacional atual. O gráfico abaixo é uma versão ampliada do gráfico de 2023. Imagens: Relatório do Conselho Estadual de Habitação e NYCHVS
Taxas de vacância em 2023 X valor dos aluguéis anunciados. Note que a vacância supera 1% apenas na categoria de aluguel mais alto. Em outras palavras, para habitações de baixa e média renda, praticamente não há vacância. Imagem: NYCHVS

Aderindo ao novo e deixando o velho

Como um bônus, novas habitações melhoram a saúde e a segurança, além de criar uma melhor correspondência entre o que os moradores desejam e o que está disponível — os inquilinos passam a contar com novas características e layouts que refletem suas necessidades e preferências atuais. As novas construções são geralmente mais seguras, pois incorporam os códigos de construção e padrões de saúde mais recentes. Como a pandemia de COVID mostrou, muitos edifícios antigos, com janelas seladas e dependência de ar condicionado, não eram ideais para proporcionar boa circulação de ar e acesso a espaços ao ar livre.

Nos anos 1920, habitações precárias de baixa renda foram abandonadas em massa. As autoridades celebraram o desaparecimento das piores moradias da cidade. Em um relatório de 1928, o Conselho Estadual de Habitação de Nova York — não exatamente conhecido por apoiar proprietários de cortiços — escreveu:

“Talvez o aspecto mais gratificante da melhoria no espaço habitacional disponível seja o aumento no número de vagas nos cortiços da antiga legislação e nos apartamentos mais baratos em geral. O período prolongado de prosperidade, combinado com o aumento físico da oferta de moradias, tornou possível o abandono de algumas das habitações mais inadequadas…. Nesse contexto, o fato significativo não é que as classes mais pobres da população agora têm maior liberdade de movimento e uma escolha mais ampla — pois, na melhor das hipóteses, as opções de aluguel mais baixo oferecem muito pouco — mas sim que a posição econômica de pelo menos uma parte dos pobres foi elevada o suficiente para permitir que abandonassem um grande número de apartamentos totalmente inadequados.”

A política de escassez habitacional

Por outro lado, a atual “política de escassez habitacional” contribui para a deterioração das moradias de baixa renda. Esse problema foi agravado por ações diretas. Em 2019, a administração De Blasio promulgou uma lei que limitou a capacidade dos proprietários de repassarem aos inquilinos os custos de reformas e melhorias. Como resultado, os proprietários foram incentivados a piorar o estado do estoque habitacional. Agora, os inquilinos enfrentam problemas em duas frentes. Eles têm pouca escolha a não ser permanecer em seus apartamentos devido às baixas taxas de vacância, enquanto os proprietários têm pouca escolha a não ser deixar de fazer a manutenção ideal dos seus apartamentos.

A pesquisa mais recente sobre o estoque habitacional de Nova York mostra uma deterioração geral das habitações de baixa renda nos últimos anos, sem dúvida ligada tanto à baixa vacância da cidade quanto à lei de 2019. Conforme aponta o relatório:

“O Estudo de Vacância Habitacional de Nova York de 2023 (NYCHVS) mostrou uma maior prevalência de problemas habitacionais individuais em relação aos ciclos anteriores, seguindo o mesmo padrão geral de 2021. Isso foi observado em tipos de habitação, incluindo unidades estabilizadas por aluguel e locações de mercado. A proporção de unidades relatando rachaduras ou buracos, gesso quebrado ou tinta descascando, além de problemas nos sanitários, permaneceu estatisticamente semelhante a de 2021.”

Aluguéis e acessibilidade

Pode-se argumentar que a melhor medida de acessibilidade habitacional é a relação entre aluguel e renda. Obter dados perfeitamente comparáveis entre os dois períodos é desafiador, mas é possível gerar métricas relativamente semelhantes. Para os anos 1920, compilei um índice que rastreia os salários médios de trabalhadores industriais em Nova York em relação aos aluguéis médios de apartamentos. Para os aluguéis, utilizei dois índices. O primeiro foi criado pelo Bureau of Labor Statistics (BLS). O segundo baseia-se em dados recentemente elaborados por quatro economistas: Ronan Lyons, Allison Shertzer, Rowena Gray e David Agorastos.

Os dados do BLS acompanham pessoas que já alugavam suas unidades por algum tempo. Esses inquilinos tendem a experimentar menos oscilações nos valores de aluguel. Durante os anos difíceis após a Primeira Guerra Mundial, os aluguéis subiram mais lentamente (em parte devido às leis de controle de aluguel e ao fato de que os proprietários frequentemente hesitavam em aumentar drasticamente os aluguéis de inquilinos antigos). Mas durante os anos bons, eles reduziram os aluguéis de forma mais lenta devido à inércia.

Leia mais: As consequências da estabilização de aluguéis em Nova York

Por outro lado, o índice de Lyons et al. baseia-se nos aluguéis anunciados em classificados de jornais históricos, refletindo as condições de mercado mais atuais. Os picos tendem a ser maiores em períodos de escassez de inventário e os aluguéis caem mais rapidamente em tempos de abundância habitacional.

O aumento dos aluguéis não é uma regra

Quando comparamos os índices de aluguel com os salários, vemos que os anos 1920 foram um período de melhoria na acessibilidade habitacional. Em 1914, os valores dos índices estavam em 100; em 1928, ambos os índices estavam bem abaixo desse patamar. Observando o cenário habitacional atual, percebemos o padrão oposto. Acompanhando a mediana da renda familiar em relação aos aluguéis medianos, nota-se que os aluguéis subiram consistentemente no século 21. Pesquisadores e formuladores de políticas públicas consideram que habitação é “acessível” quando pode ser provida por 30% ou menos da renda familiar. Desde 2000, a proporção entre aluguel mediano e renda tem se mantido consistentemente acima de 30%. Para os nova-iorquinos de renda mais baixa, essa proporção subiu dramaticamente, ultrapassando 50%. A escassez habitacional da cidade está, na prática, empobrecendo uma grande parcela da população.

Um índice de acessibilidade. O gráfico mostra um índice de aluguéis em relação aos salários médios de trabalhadores industriais em Nova York de 1914 a 1928. Com o início do boom habitacional dos anos 1920, a partir de 1922, a acessibilidade melhorou. Os picos após a Primeira Guerra Mundial refletem as dificuldades econômicas devido à guerra. Fonte: Jason Barr, com base em diferentes fontes.
Aluguéis medianos em relação à renda familiar mediana (1965-2023). No gráfico, observa-se que acima de 30% a habitação é considerada relativamente inacessível. Fonte: NYCHVS.

Qual é a diferença?

Naturalmente, o mercado imobiliário dos anos 1920 era diferente do atual. Primeiro, os códigos de zoneamento eram relativamente flexíveis. Especialistas do meio do século 20 estimaram que, se a cidade tivesse sido desenvolvida de acordo com o zoneamento (e os códigos de habitação coletiva) promulgados em 1916, Nova York poderia acomodar algo entre 55 e 77 milhões de pessoas!

Em 1961, a cidade foi amplamente restringida pelo zoneamento. Pela minha estimativa, os códigos de zoneamento atualmente permitem uma população máxima de cerca de 12 milhões de pessoas. No entanto, esse número é provavelmente superestimado, já que 60% das propriedades residenciais estão acima do limite máximo de área permitida ou muito próximas disso. Essas propriedades são ilegais ou economicamente inviáveis para aumentar a densidade.

Em segundo lugar, não existia controle ou lei de estabilização de aluguéis como conhecemos hoje. Havia uma forma de limites de aluguel implementada em 1920, durante os anos de “fome” após a Primeira Guerra Mundial, mas isso não inibiu novas construções quando o momento era favorável. Atualmente, os proprietários de prédios com aluguéis estabilizados não podem despejar legalmente seus inquilinos, que, por sua vez, não têm incentivos (ou alternativas) para se mudar, já que não há opções de habitação disponíveis.

Por fim, a quantidade de terra disponível para desenvolvimento era muito maior nos anos 1920. Por volta de 1980, a maioria das grandes áreas residenciais não desenvolvidas já havia sido preenchida. Nos anos 1920, grandes parcelas de terra ainda estavam disponíveis para desenvolvimento urbano, e os incorporadores adquiriram esses lotes para erguer grandes edifícios residenciais ou bairros inteiros. Embora Nova York ainda tenha uma reserva de terrenos subutilizados, convertê-los em mais habitação é difícil e caro devido à impossibilidade de remover inquilinos, à fragmentação da propriedade dos lotes e às rígidas regulamentações de zoneamento.

Lições para hoje

A principal lição para o presente é que, quando uma cidade constrói habitações mais rapidamente do que a sua população cresce, especialmente se ela cresce nas áreas periféricas, os preços caem ou se estabilizam, a qualidade melhora e os moradores têm mais opções. Se uma cidade produz grandes quantidades de habitação para a classe média, as unidades mais antigas se tornam disponíveis para os residentes de baixa renda (através do processo de “filtragem”), permitindo que tenham acesso a habitações melhores do que teriam de outra forma.

No entanto, ao contrário dos anos 1920, Nova York enfrenta hoje a necessidade de reestruturar e aumentar a densidade em uma cidade já consolidada. Tenho escrito amplamente sobre como a cidade pode resolver esse problema, mas destaco abaixo algumas medidas-chave.

Desenvolvimento Orientado ao Transporte: A primeira medida é incentivar o desenvolvimento orientado ao transporte nas áreas ao longo das linhas de metrô fora de Manhattan. Promover a revisão dos zoneamentos para permitir edifícios de médio porte nessas áreas. Atualmente, 92% das habitações próximas a estações de metrô fora de Manhattan têm no máximo três andares. Se cada edifício fosse reestruturado dobrando a altura atual — ou seja, de dois para quatro andares, ou de três para seis —, a crise de habitação acessível poderia ser resolvida.

Taxas de vacância como meta: Em segundo lugar, o governo municipal deve estabelecer metas para as taxas de vacância nos bairros. Uma estratégia seria a prefeitura adquirir grandes lotes subutilizados e vender os direitos de uso do solo para incorporadores para a construção de novas habitações de classe média. Quando as taxas de vacância superarem 5%, os inquilinos terão mais flexibilidade e opções, e os incorporadores terão mais liberdade para reformar suas propriedades e incluir mais unidades habitacionais.

Redução dos custos de construção: Em terceiro lugar, o governo precisa reduzir regulamentações que dificultam a construção de habitação acessível e oferecer subsídios para os custos da construção. Esses subsídios devem ser proporcionais, com mais apoio para projetos voltados aos segmentos de menor renda.

Planejamento para o crescimento: Por fim, a cidade precisa se planejar para o seu crescimento. À medida que os bairros recebem mais moradores, o governo deve estar pronto para investir em melhorias no transporte público — como linhas de VLT, corredores exclusivos para ônibus e novas linhas de metrô — e também ampliar a oferta de escolas, serviços e parques para preservar a qualidade de vida.

“Cidade do sim”?

Para seu crédito, o prefeito Eric Adams está promovendo a reformulação das regras de zoneamento por meio do programa City of Yes for Housing Opportunity (“cidade do sim para oportunidades de moradia”), que busca permitir mais habitações em toda a cidade. Contudo, mesmo que seja plenamente aprovado pelo conselho municipal, o que parece difícil, o programa geraria apenas cerca de 7.000 unidades adicionais por ano — longe de ser suficiente para resolver o problema.

Leia mais: Ceticismo em relação à oferta de moradia

Se Nova York realmente deseja tornar a habitação acessível, precisa de um novo período como o dos anos 1920 para o século 21. Ainda há tempo para começar!

Artigo originalmente publicado em Building the Skyline, em outubro de 2024.

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