O capital estrangeiro está destruindo nossas cidades?
Imagem: Frnksmth/Flickr.

O capital estrangeiro está destruindo nossas cidades?

As grandes corporações estrangeiras estão de fato comprando nossas cidades e expulsando nossas individualidades?

8 de janeiro de 2016

Tenha medo: o capital estrangeiro das grandes corporações estão comprando nossas cidades e expulsando nossas individualidades. Ou assim avisa Saskia Sassen num artigo ameaçadoramente intitulado “Who owns our cities — and why this urban takeover should concern us all”, publicado pelo Guardian Cities.

O presságio da nossa ruína, segundo Sassen: grandes corporações estão comprando nossas cidades. Mundo afora, tais corporações compraram algo em torno de um trilhão de dólares em imóveis no último ano, aumentando de 600 bilhões no ano anterior. Baseado nesse único factoide, Sassen alega que grandes corporações de países ao redor do mundo possuem muitos imóveis urbanos, e que esse tipo de propriedade ameaça os direitos democráticos e oportunidades econômicas dos cidadãos comuns residentes nas cidades.

“A compra corporativa em larga escala do espaço urbano em suas diferenças instâncias introduz uma dinâmica desurbanizante. Não está acrescentando nada à mistura e diversidade. Ao contrário, implanta uma nova formação em nossas cidades — na forma da tediosa multiplicação de apartamentos em torres de luxo.”

O caso em questão: Brooklyn. Marco zero para a expropriação pelo capital global da propriedade local é o Forest City Ratner Pacific Place (Atlantic Yards), um empreendimento de uso misto entre residencial e escritórios, construído sobre uma antiga rotunda ferroviária e adjacente ao novo Barclay Center (sede dos times Brooklyn Nets e New York Islanders). Este projeto de 5 bilhões de dólares e 9 hectares inclui 14 torres com mais de 6 mil novas habitações, incluindo a promessa de 2 mil para classe baixa. Originalmente pela localmente mantida Forest City, a empresa vendeu grande parte de sua participação no projeto para o grupo de Shangai Greenland Holding Group Co.

Há diversas razões estéticas e de política pública para desgostar do Pacific Place/Atlantic Yards. Ainda é mais um subsídio público para franquias privadas de esporte, e pode-se argumentar que o poder local poderia ter feito um melhor negócio pelas generosas isenções fiscais oferecidas aos empreendedores. Mas por maior que o projeto seja — e ele é o maior da região — ele não representa o que vem movendo os empreendimentos por aqui.

A implicação é que a propriedade corporativa de larga escala estaria de alguma forma podando a diversidade e o dinamismo da cidade. Longe de serem expulsos por grandes projetos como o Pacific Place, empreendedores de pequena escala prosperam e são responsáveis pelo real dinamismo da economia local. Mais cedo neste ano, a Brooklyn Chamber of Commerce lançou seu primeiro relatório econômico. Encontraram que entre 2009 e 2014 houve por volta de 9.600 aberturas de novos comércios no Brooklyn, duas vezes mais do que na década anterior. Nos últimos 3 anos, a região acrescentou 5.500 novos empreendedores individuais, um aumento de 19% — mais do que em toda a cidade de Nova York.

Pacific Yard em construção no Brooklyn, Nova York. Foto: akinloch @ Flickr.
Pacific Yard em construção no Brooklyn, Nova York. (Foto: akinloch/Flickr)

Uma grande parte dessa história é explicada pela horda de empreendedores criativos que se mudou para o Brooklyn. De acordo com o Center for an Urban Future, entre 2003 e 2013 o número de negócios criativos na região mais do que duplicou. Brooklyn também se tornou um ninho fértil para pequenas empresas de tecnologia e startups. Entre as mais famosas, Etsy.com, talvez a reflexão perfeita da tecno-corporação do Brooklyn e da cultura hipster, liga 1,5 milhão de vendedores de artesanato aos mais de 20 milhões de compradores registrados.

Ouvimos Sassen lamentar anteriormente: no final dos anos 80, era o fluxo de capital japonês que estava tornando o mercado imobiliário das cidades americanas em colônias corporativas globais. A Mitsubishi, abastecida por capital da bolha econômica japonesa, comprou o icônico Rockefeller Center em Nova York, e investidores japoneses em certo momento possuíam 40% do espaço comercial prime do centro de Los Angeles. O livro de Michael Crichton, Rising Sun, que se tornou o filme de 1993 com Sean Connery, mostrava o investimento japonês como parte das forças obscuras debilitando tanto as empresas americanas como seu governo. Apesar das preocupações com a tomada japonesa da economia americana, nada do tipo aconteceu. Na verdade, investidores imobiliários japoneses não estavam mais esclarecidos do que os americanos: Mitsubishi se desfez dos seus negócios no Rockefeller recuando de um investimento de 2 bilhões de dólares.

Mas o maior problema com a premissa de Sassen é que a maior parte das compras de imóveis corporativos são comprados por outras corporações — indicando que não há aumento líquido no total de propriedades pertencentes às empresas. Estão apenas sendo transferidas entre as corporações, e algumas vezes de corporações maiores para menores e mais locais. Por exemplo, a gigante Blackstone vendeu 1 bilhão de dólares em imóveis comerciais para investidores locais. De acordo com Cushman Wakefield, a maior parte das vendas (e compras) são entre fundos de pensões americanos, seguradoras, fundos de investimento imobiliário, entre outros. É difícil ver como a troca entre um proprietário corporativo ausente por outro faria diferença para qualquer outra pessoa. Toda transação tem um vendedor e um comprador, deste modo qualquer um poderia enxergar os dados que Sassen cita como uma grande venda coletiva de imóveis pelas corporações, e não o contrário. Efetivamente, a propriedade imobiliária é commoditizada — similar ao capital usado para financiar hipotecas residenciais.


Longe de serem expulsos por grandes projetos como o Pacific Place, empreendedores de pequena escala prosperam e são responsáveis pelo real dinamismo da economia local.


Apesar das impressionantes somas envolvidas, esse tipo de dado não nos diz nada se a propriedade corporativa vem aumentando ou decaindo. Apesar da premissa central do artigo de que a propriedade corporativa ausente é expressiva e crescente, Sassen não apresenta dados sobre qual fração do estoque imobiliário urbano pertence às corporações, ou se é maior ou menor que décadas atrás.

Na verdade há poucos e preciosos dados comparativos nacionais sobre as características da propriedade imobiliária, especialmente a multi-familiar e comercial. Estudos sobre padrões de propriedade residencial em Nova York e Baltimore pelo Urban Institute concluíram que sabemos “surpreendentemente pouco” sobre tais padrões. Mas a partir dos dados que conseguiram juntar de registros das administrações locais, não encontraram relação consistente entre o tipo de proprietário e manutenção ou razoabilidade dos preços. Em Nova York, imóveis de proprietários locais tendiam a ser mais economicamente acessíveis e melhor mantidos (em parte, os autores especulam que devido aos cuidados maiores em encontrar inquilinos por parte dos donos locais), enquanto em Baltimore grandes proprietários proviam imóveis melhor mantidos.

Por mais que Sassen e outros possam desgostar do perfil (e simbolismo) de grandes torres residenciais, está claro que o gestor de portfólios que compra imóveis valoriza uma urbanidade funcional. O relatório da Cushman Wakefield no qual Sassen se baseia é bastante irredutível na defesa da necessidade de cidades human-friendly com mais investimentos públicos e espaços comuns:

“Há várias vertentes que defendem cidades mais saudáveis, mas um ponto inicial sensato seria permitir — e onde possível promover — caminhar e pedalar tanto pela infraestrutura dedicada quanto espaços públicos, mas também por mais equipamentos de uso misto. Um segundo ponto seria prover espaços comuns onde os habitantes das cidades possam se encontrar e relaxar para promover um espaço menos estressante, sendo em grande escala como um parque urbano ou como a High Line.”

Poderia até ser o caso que Sassen entendeu ao contrário: investidores multinacionais estão muito menos interessados em controlar ou repaginar as cidades do que descobrir em qual direção estão indo e, então, investir por lá. Está claro que o mercado está cada vez mais dando as costas ao tradicional modelo de desenvolvimento suburbano; investir no mercado imobiliário das grandes cidades é o modo mais óbvio que investidores financeiros podem correr atrás do mercado de habitação urbana que foi criado não pela maquinação de investidores, mas pela demanda crescente por viver na cidade, nos diversos e interessantes bairros encontrados nas grandes cidades. Sassen se preocupa que “a compra corporativa de grande escala do espaço urbano […] introduz dinâmicas desurbanizantes”. Mas longe de procurar esmagar a urbanidade, tais investidores se preocupam em investir nela, e até intensifica-la.

Finalmente, vale considerar o ausente cenário contrafactual: o que aconteceria se o capital global não estivesse fluindo para os grandes projetos nas cidades? Certamente é aceitável ter objeções a qualquer projeto, e Sassen e outros podem razoavelmente decidir que a escala do Pacific Place está deslocada do seu entorno. As grandes torres residenciais sem dúvida proverão habitação para famílias de maior poder aquisitivo. Mas estaria o Brooklyn — e os moradores dos bairros no entorno — melhor sem sua construção? Dada a demanda esmagadora por habitação em Nova York, se estas unidades de alta renda não forem construídas em Pacific Place, seus ocupantes não vão evaporar simplesmente: ao contrário, provavelmente irão inflar ainda mais o preço de todas as outras habitações na região, piorando as condições de acessibilidade econômica para todos.

Como já foi apontado anteriormente, o crescente valor relativo de imóveis é um sinal de crescimento da força econômica e da demanda por viver nas cidades. Não deveríamos nos surpreender que o capital está fluindo para essas áreas, já que indica o crescente potencial da urbanidade, não sua decadência.

Este artigo foi originalmente publicado no site CityObservatory em 2 de dezembro de 2015. Foi traduzido por Lucas Magalhães, revisado por Anthony Ling e publicado neste site com a autorização do autor.

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