Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
A proposta para o novo Plano Diretor segue uma tendência histórica de aumento da burocracia da política urbana e da tentativa de controle sobre a cidade.
21 de fevereiro de 2019“Modernidade corresponde à extração sistemática do ser humano da sua ecologia de natureza aleatória. É o espirito de uma época marcada pela racionalização, a ideia de que a sociedade é compreensível e que, logo, deve ser desenhada por humanos”. Esta é a definição do escritor e estatístico Nassim Taleb sobre a modernidade, corrente de pensamento que teve grande impacto no urbanismo e na política urbana. O seu principal defensor, o arquiteto e urbanista suíço Le Corbusier, desenvolveu várias obras escritas sobre a sua teoria de urbanismo, além de projetos urbanos, sendo o mais famoso a Ville Radieuse, ainda que não executado. No Brasil, o modernismo foi implementado na sua essência no Plano Piloto de Brasília, pelo urbanista Lúcio Costa e influenciou vários outros planejamentos regionais, como o Plano Diretor de São Luís de 1975.
Entre as principais diretrizes do urbanismo de Le Corbusier, tínhamos a separação da cidade por funções: moradia, trabalho, lazer e circulação — aplicado à risca em Brasília. Em São Luís, embora perdure o mito de que a cidade cresceu sem planejamento, houve, ao longo de sua história, diversas ações do poder público tanto no que tange a prática quando as políticas urbanas que a situaram na aplicação do que havia de mais moderno em termo de planejamento urbano, e não foi diferente com o modernismo, que deixou seu legado que é reproduzido até os dias atuais e orienta boa parte de nosso planejamento urbano.
No que tange o Plano Diretor, nossa cidade apresenta esse instrumento desde o ano de 1975, feito para disciplinar e orientar o crescimento da cidade para as terras próximas à praia ao norte, possível graças a abertura da ponte José Sarney e Bandeira Tribuzzi sobre o Rio Anil. Ademais, tivemos outros dois planos diretores: o de 1992 e o de 2006, sendo o de 1992 feito para adequar o plano às recomendações da Constituição Federal de 1988 e adensamento dos vazios urbanos, e o de 2006 para promover o desenvolvimento sustentável da cidade, respeitando diretrizes e recomendações do Estatuto das Cidades.
Além de atualizar-se quanto às ideias urbanas, políticas e econômicas hegemônicas, o Plano Diretor de São Luís apresentou constante aumento dos elementos que a cidade controla e se propõe a gerir.
Segundo o Estatuto das Cidades, o Plano Diretor precisa ser revisado a cada dez anos. Como o último Plano Diretor da cidade é de 2006, ele está atrasado em três anos. Em 2015 foi apresentada uma nova proposta para a cidade, em conjunto com um novo zoneamento, que foi rechaçada por conta de adoção de critérios e medidas impopulares, como verticalização de bairros litorâneos periféricos, como o Olho d’Água, e aumento dos pavimentos garagens. O Plano Diretor foi revisto e no ano de 2019 o Poder Público voltou a apresentar uma nova proposta, entretanto, sem vincular o Plano Diretor a um Zoneamento específico.
A desvinculação do Plano Diretor com uma nova proposta de zoneamento nos leva a questionar a eficácia desta nova lei, pois o Plano Diretor teria um papel mais simbólico. Nesse formato, ele necessitaria da implementação de outros instrumentos para direcionar e legitimar as políticas urbanas, como seria o caso do Zoneamento, que regularia o uso e a ocupação do solo de uma cidade, entre outras leis complementares.
Além disso, a nova proposta segue uma tendência histórica de aumento da burocracia da política urbana e aumento da tentativa de controle sobre a cidade, conforme podemos perceber pelo número de elementos que se propõe a regular e pelo número de artigos em cada Plano Diretor.
Também faltou para a análise mais concisa sobre o Plano Diretor um estudo sobre densidade, como quais os valores para cada região e de que forma ela se relaciona na cidade. É verdade que há vários estudos sobre a densidade de São Luís, mas não há disponível a relação entre a densidade na área central e periferia, como elas se relacionam e como elas impactam a cidade.
Outro ponto peculiar que torna fundamental esse estudo para a cidade de São Luís se dá pelo fato que a nossa região central, ao contrário de outras cidades, como São Paulo, não está inserida no centro geográfico da cidade, mas sim ao núcleo histórico inicial. Além disso, por conta do nosso urbanismo do século XX ter criado diversos núcleos semi-independentes ao longo da cidade, talvez seja importante considerá-los no cálculo, que infelizmente ainda não foi realizado ou apresentado.
A falta de objetividade segue ao longo da proposta. Apesar de dedicar a inclusão de treze artigos no item V sobre mobilidade urbana, pouco se falou em medidas efetivas para viabilizar as melhoras no transporte urbano da capital — exceto com mais burocracia, como a criação do Conselho Municipal de Mobilidade Urbana e a implementação de diretrizes para a valorização do Pedestre e do ciclista em relação aos automóveis particulares. Ou seja, não há uma orientação da forma de aplicação ou gestão de tais propostas, ou de métricas palpáveis que serão medidas ao longo do período. Isto é um problema tanto que a administração pública já havia se movimentado na mesma direção da proposta atual e, ao final de 2017, foi instituída a lei de Mobilidade Urbana para São Luís, ainda que profissionais e técnicos da área aleguem que não houve discussão necessária sobre a lei, nem apresentação da mesma para a sociedade.
Na prática, tratar mobilidade como um item dissociado de todos os outros elementos que compõem a cidade funciona como enxugar gelo, pois a forma da cidade, isto é, o desenho das ruas, os usos da cidade e a distribuição dos seus espaços não incentiva e não permite uma locomoção segura para a mobilidade ativa, como a bicicleta ou o andar a pé — mesmo nas regiões mais bem servidas de infraestrutura. Pessoas agem de acordo com incentivos e propósitos, e construir uma cidade caminhável e amigável ao ciclista vai muito além do que está proposto no novo Plano Diretor. É necessário permitir a mistura de usos nas edificações dos bairros, a maior densidade, maiores índices de ocupação do solo e incentivar o uso da fachada ativa.
Esse fator é importante de ser ressaltado pois mobilidade urbana não se faz apenas com legislação, infraestrutura e equipamentos, mas com uma série de condicionantes que envolvem aspectos morfológicos da cidade, como a própria densidade. Cidades mais densas, como São Paulo e Nova York, tendem a apresentar um transporte coletivo mais eficiente, enquanto cidades espraiadas, como Los Angeles, Brasília e São Luís, de apresentar problemas crônicos relativos a essa questão. Diogo Pires Ferreira, que desenvolveu um trabalho tratando sobre um novo modelo de transporte para São Luís, reforça o entendimento do espraiamento da cidade com os nossos problemas atuais:
“A malha urbana de São Luís é dispersa e, pouco a pouco, a fragmentamos ainda mais. Vejamos isto como a raiz de um problema, que se ramifica, gerando outros problemas que afetam diretamente o bem-estar da população e, por sua vez, o desenvolvimento da cidade. Esta dispersão é consequência do modelo de planejamento urbano adotado. A cidade dívida em zonas cria áreas extensas, exclusivamente residenciais ou comerciais, sem levar em conta a escala humana. Logo o mercado, escritório, o salão de beleza, padaria, farmácia, que atendem a necessidades básicas, se consolidam em núcleos, quase sempre longe de casa.”
Dessa forma, o Plano Diretor de São Luís persiste nos mesmos erros que os planos anteriores cometeram: não faz o diagnóstico correto sobre os problemas da cidade, o que o faz agir sobre os efeitos dos nossos problemas urbanos e não sobre as causas. E vai mais além, reforça a semente que tornou a nossa cidade tão problemática e má servida de infraestrutura.
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Caminhando por São Luís, sinto a medida estreita das calçadas, mobiliário urbano rouba espaço da circulação, esquinas cegas que são um problema para os veículos e pedestres também. Um bairro plano e relativamente valorizado como a Cohama tem um número imenso de imóveis fechados, abandonados e espaços sem uso, enquanto a cidade continua crescendo em direção leste no Novo, Novíssimo, Inédito Turu! Leva o nome e os problemas. Fora que esta região fica mal dividida entre três municípios e vários córregos e não é interligada por pontes. Sobrecarregam as principais avenidas feitas para carros.
É preciso um reordenamento urbano (Land Readjustment), criação de novas rotas e não só consolidação das estreitas estradas vicinais com construção de extensos condomínios de blocos em quatro pavimentos. Melhor gestão das águas. Toda época de chuva é problemática.
Outra questão é acabar com a Zona Rural. Está errado. São Luís precisa de um cinturão verde. Parar de se espalhar. A Zona Industrial que desejam criar também precisa utilizar melhor seus espaços. Os deslocamentos são muito grandes e a única artéria (BR-135) não suporta o tráfego.
A cidade é maior do que deveria. A população de São Luís não é a real. Milhares de pessoas moram em São Luís e trabalham no interior. E milhares de pessoas moram no interior mas têm um imóvel na ilha para usar nas férias ou quando precisam de algum serviço. A ilha sofre também com os problemas do interior. Com a pressão que a falta de infraestrutura nas cidades do continente faz nela. Então torna-se obrigatório a cidade se densificar, ocupar um espaço menor, infraestrutura concentrada e os custos divididos por mais pessoas para sobreviver.
Sinto-me contemplada com suas ideias Vinícius, precisamos pensar em vias adultos, metro para melhorar o trânsito de São Luís, principalmente os bairros da forquilha, turu, cohatrac etc. precisam seres estruturados. Entra governo, sai governo e nada acontece, vejo apenas maquiagem.
Muito bem escrito, quem é o redator de vcs?
Muito bem explicado mesmo, gostei. Estou elaborando um trabalho sobre o assunto e esse conteúdo foi muito esclarecedor. Parabéns!
Oi, Caio,
O conteúdo do Caos Planejado é produzido por diferentes colaboradores. Este excelente texto é de autoria do Paulo Sá Vale.
Vejo a real necessidade da verticalização da cidade,uma vez que a cidade dispersa torna-se onerosa em todos os aspectos. Contudo resido atualmente e há pouco tempo na região metropolitana, e desprendo o surreal montante de tempo de duas horas até o campus da UFMA,e 50 minutos até o terminal da Cohab.