Zona de Tráfego Limitado de Paris: redução de congestionamentos ou semi-privatização da rede viária?
A nova estratégia de Paris para limitar o tráfego de automóveis precisa ser analisada com cuidado.
A proposta de pulverização de empregos como solução para a mobilidade pode soar promissora, mas gera diversos impactos econômicos, sociais e espaciais na dinâmica urbana e no mercado imobiliário.
27 de janeiro de 2025Há um debate corrente de que descentralizar empregos pelas cidades é uma solução para reduzir o tempo gasto nos deslocamentos casa-trabalho nos grandes centros urbanos. Essa organização em pequenos núcleos é o conceito, por exemplo, da “Cidade de 15 minutos”, ideia que surgiu em Paris e foi amplamente difundida entre urbanistas do mundo todo. A proposta da descentralização de empregos pode soar atraente e se colocar como possível solução ao problema de transporte, mas destoa dos estudos científicos. A cidade é um organismo que acolhe um conjunto de atores que formam um sistema complexo. Portanto, é preciso entender os mecanismos que conectam aglomeração de empregos, mercados de trabalho e dinâmicas urbanas.
Será que distribuir empregos no território urbano reduz o tempo de deslocamento? Antes de responder essa pergunta, é preciso compreender como se formam os centros de emprego e como eles afetam a produtividade. Centros de negócios se estabelecem a partir da interação entre ganhos econômicos, custos de transporte e a lógica de aglomeração de emprego, que aumenta a eficiência de empresas e trabalhadores.
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Regiões com alto nível de aglomeração de emprego atraem trabalhadores mais qualificados, estimulam a inovação e oferecem ganhos de produtividade. Pesquisadores renomados, como Jane Jacobs e Alfred Marshall, destacam que a proximidade geográfica fomenta a troca de ideias (economia de urbanização) e de tecnologias (economia de especialização), além de facilitar o acesso a mão de obra, a insumos e mercado potencial (demanda).
Os centros de empregos estão concentrados em partes do território urbano. Dado que os ganhos associados à aglomeração não são distribuídos uniformemente dentro das cidades, os centros se expandem tangenciando a aglomeração de emprego existente. A estratégia adotada pelos empresários é uma forma de se apropriar das vantagens locacionais já observadas. Por isso, as empresas tendem a selecionar áreas da cidade já consolidadas no seu ramo de atividade. Esse padrão pode ser empiricamente testado ao dar um passeio em grandes cidades. Em São Paulo, por exemplo, o centro financeiro está localizado na Av. Faria Lima, o comércio popular na Rua 25 de março, os artigos de luxo na Rua Oscar Freire.
É possível observar centros de emprego fora do centro principal da cidade, os chamados centrinhos, que estão localizados nos bairros. Geralmente, são pequenos comércios focados no varejo e serviços de baixa complexidade e com baixa capacidade de absorção de mão de obra e baixa remuneração. Estudos científicos apontam que nos centros principais a infraestrutura e a aglomeração atraem negócios de alta complexidade e trabalhadores qualificados, o que resulta em salários médios maiores. Nos centros secundários (centrinhos), o dinamismo da economia local é dependente da renda gerada nos centros principais, conectados ao sistema produtivo do estado e/ou do país.
Quando empregos são descentralizados sem compreensão de que a aglomeração é um elemento determinante da estrutura produtiva das empresas, é provável que estejamos diante de um desenvolvimento local não sustentável no longo prazo. Locais afastados do sistema de transporte ou com infraestrutura precária não são atraentes àquelas empresas que demandam trabalhadores especializados. A solução pulverizada é pouco eficiente do ponto de vista dos trabalhadores, que deverão se deslocar para esses locais. A não ser que a hipótese subjacente seja a existência de oferta de mão de obra local e que ela seja suficiente para atender as demandas dos empresários. Hipótese heroica e pouco factível. O resultado da pulverização dos locais de emprego como resposta ao problema de mobilidade urbana se revela como uma armadilha.
A solução é ainda mais complexa quando se pensa no mercado imobiliário. O espraiamento do emprego contribui com a competição pelo uso do solo pelas empresas e pelas famílias. Dada a oferta limitada de área, o resultado é a inflação dos preços de aluguel ou de venda dos imóveis nesses territórios.
A tensão do uso do solo observada nas proximidades dos centros principais será transferida para os novos centros nas periferias, após a pulverização do emprego. Morar perto do trabalho é uma amenidade acessível a poucos. Dessa forma, famílias com maior renda poderão acomodar em seu orçamento aluguéis maiores para morar nas proximidades desses novos centros. E é esperado que famílias com baixa renda busquem novas residências, mais distantes desses novos centros, em locais onde os preços são menores.
A ideia de espraiar o emprego está longe de ser uma bala de prata. Os possíveis ganhos sobre a redução do tempo médio de deslocamento podem ser anulados simplesmente pela dinâmica de funcionamento do mercado de trabalho e mercado imobiliário. Centralidades desconectadas de fundamentos econômicos tendem ao fracasso, especialmente em crises econômicas, e estimulam a gentrificação.
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A dinâmica urbana é complexa. É preciso considerar as interações entre sistema de transporte público, mercado de trabalho e mercado imobiliário. A pressão sobre os preços dos imóveis pode suscitar outros desafios, para além daquele que se propôs a resolver inicialmente.
O investimento em transporte público eficiente e acessível, que conecte as pessoas aos centros de trabalho, precisa ser explorado como solução para reduzir o tempo gasto no deslocamento casa-trabalho. A linha amarela, inaugurada em 2010, conectou a zona oeste de São Paulo aos principais centros de negócios da cidade (Av. Faria Lima, Av. Rebouças, Av. Paulista e centro histórico). O resultado foi um aumento de 1830% de viagens de metrô e uma redução média de aproximadamente 14 minutos no deslocamento.
Seja qual for a estratégia apresentada para a redução do tempo gasto com o transporte, uma discussão qualificada sobre a lógica econômica que sustenta a complexidade produtiva da cidade é sempre necessária. Assim como as famílias têm sua lógica para se manter ou mudar dentro das cidades (vide a dificuldade de levar famílias para morar nos centros históricos das grandes capitais), as empresas também têm seus racionais para estarem onde estão.
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