Qual é o melhor lugar para se viver em São Paulo?
Imagem: Marcos Santos/USP Imagens.

Qual é o melhor lugar para se viver em São Paulo?

Densidade demográfica, desenvolvimento humano e preço do m²: algumas reflexões a partir de uma análise dos dados dos distritos paulistanos.

24 de abril de 2023

“Qual é o melhor lugar para se viver em São Paulo? ”, perguntou um amigo que vai se mudar para a capital paulista e que, apesar de economista (como eu), não aceitou “depende” como resposta.

É claro que não existe uma resposta objetiva para a questão, já que a avaliação depende (sim, depende…) não só de inúmeras variáveis, muitas não disponíveis para análise, como também das próprias preferências do morador.

Há, por exemplo, quem, como eu, prefira as regiões de uso misto, com residências, comércios e empresas, com muita vida nas calçadas de dia e de noite, próximas a estações de trem ou metrô; enfim, onde seja possível fazer tudo a pé ou utilizando o transporte público.

Há, por outro lado, quem prefira viver em áreas estritamente residenciais, supostamente mais tranquilas, mas onde o carro se faz necessário para uma simples ida à padaria ou à farmácia.

Mesmo no caso de quem tenha preferências semelhantes às minhas, há quem se identifique mais com o distrito de Perdizes, como eu, e há quem prefira a Vila Mariana, a Santa Cecília ou a Bela Vista. E as razões podem ser afetivas (ter crescido no bairro, por exemplo), arquitetônicas (perfil dos imóveis disponíveis) ou tão subjetivas que nem sequer conseguimos identificá-las. 

Ainda assim, entrei na brincadeira do meu amigo e, com o intuito de apresentar uma análise bem simples e objetiva, cruzei as informações do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de Densidade Demográfica (habitantes por km²) e de Preço Médio do m² dos 96 distritos paulistanos.

O IDH, composto por indicadores que medem educação, saúde e renda da população, talvez seja a principal tentativa de se medir a qualidade de vida de uma região. A ideia é que, quanto maior o IDH, maior, supostamente, a qualidade de vida. Em São Paulo, Moema apresenta o maior IDH, seguido por Pinheiros, Perdizes e Jardim Paulista.

A correlação positiva entre o preço do metro quadrado e o IDH me pareceu um tanto quanto óbvia, até porque a renda é um dos componentes do IDH. Colocar uma no eixo vertical e a outra no eixo horizontal de um gráfico, assim, não nos traria nenhuma reflexão nova. Para conhecimento, o m² mais caro de São Paulo fica em Moema, seguido por Pinheiros, Itaim e Jardim Paulista (lista bem parecida com a do IDH).

Vale lembrar, por outro lado, que preços elevados, especialmente quando associados a imóveis muito grandes, tendem a restringir a diversidade da população que vive ali; e, quanto maior a diversidade, mais interessante tende a ser a região — o que não necessariamente pode ser um atrativo, já que também há pessoas que preferem viver em lugares mais homogêneos.

Quando falamos de cidades, outra variável que me pareceu importante é a densidade demográfica. Como bem pontuou o arquiteto e urbanista Anthony Ling em entrevista recente para a Revista Exame, “a densidade por si só é apenas um indicador e não deve ser entendida como problema ou solução […]. Nas grandes cidades brasileiras, os bairros mais densos normalmente são os menos verticais: são favelas ou bairros que cresceram informalmente, onde as construções são coladas umas nas outras, e onde o espaço construído per capita é pequeno”.

Contudo, na tentativa de tentar traduzir as minhas impressões da cidade com dados (o porquê, por exemplo, de as pouco amigáveis ladeiras de Perdizes terem muito mais vida do que as ruas arborizadas e planas do Alto de Pinheiros ou do Jardim Europa), a densidade demográfica me pareceu uma variável interessante. 

Afinal, especialmente em regiões que misturam comércio, trabalho e moradia, é a densidade elevada que viabiliza o surgimento de empreendimentos, o balé das calçadas; enfim, a vida social que emerge nos espaços públicos, fazendo referência aqui às ideias de Jane Jacobs. 

Coloquei, então, todos os dados em um gráfico, com o IDH no eixo vertical, a densidade no horizontal e o preço do m² medido pelo diâmetro dos círculos. As retas cinzas indicam a densidade e o IDH médios, conforme é possível observar a seguir.

São Paulo
Distritos Paulistanos: Desenvolvimento Humano x Densidade Demográfica x Preço do m²
(Fontes: Densidade Demográfica (Prefeitura de São Paulo/IBGE – Censo 2010); IDH (Dados de 2000 do Atlas do Trabalho e Desenvolvimento do Município de São Paulo de 2007); Preço do m² (Properati, de matéria da Revista Exame de 2016).)

Os distritos com baixo IDH e alta densidade, como Capão Redondo, Itaim Paulista, Campo Limpo e Brasilândia, representam exatamente os casos a que Ling se referiu. Esses indicadores são reflexo tanto dos preços elevados no centro expandido como de políticas habitacionais que, ao longo de décadas, acabaram por jogar a população de menor renda para a periferia da cidade, onde a infraestrutura é pior, há menos empregos, menor oferta de serviços públicos e, consequentemente, menor qualidade de vida.

Entre os distritos com IDH bem acima da média, há tanto os bastante adensados, como Bela Vista, República, Santa Cecília, Liberdade e Perdizes, como outros relativamente pouco adensados, como Alto de Pinheiros, Morumbi, Barra Funda e Vila Leopoldina.

A Barra Funda, por sua localização privilegiada, se tornou nos últimos anos alvo do mercado imobiliário, e seus antigos terrenos industriais estão rapidamente dando lugar a novos prédios residenciais. O mesmo pode ser dito da Vila Leopoldina, onde parte da baixa densidade por ser atribuída ainda a presença do Ceagesp, o maior centro atacadista de alimentos in natura do país, cuja transferência para outro local continua em pauta.

Voltando à entrevista de Ling, é preciso ressaltar também que “temos muitos bairros altamente verticalizados com densidades surpreendentemente baixas, à medida que os edifícios são torres isoladas entre si, com amplas áreas livres condominiais ao seu redor, e onde as unidades são grandes e as famílias, pequenas”.

Não posso afirmar, porém, que se trata do caso dos distritos citados acima; mas, talvez, seja o caso de distritos como Moema ou Itaim, altamente verticalizados, no topo dos rankings de IDH e preço do m², mas com densidade inferior à média da cidade. 

Já nos casos do Alto de Pinheiro e do Morumbi, a baixa densidade é reflexo, em grande medida, das leis urbanísticas, que restringem o uso dos imóveis, predominantemente residenciais, e mesmo do perfil homogêneo destes imóveis, de maneira geral muito grandes e ocupados por uma única família.O caso particular do Morumbi, por sinal, talvez seja um dos retratos mais simbólicos da segregação da cidade, com propriedades grandes e caras (mas com preço em queda na comparação com o auge da região) vizinhas à favela de Paraisópolis. Ele inclusive foi objeto de ótima análise do episódio “O declínio do Morumbi”, no canal São Paulo das Alturas, do Raul Juste Lores.

Paraisópolis
São Paulo, cidade segregada. Vista aérea de prédios no Morumbi vizinhos à favela de Paraisópolis. (Imagem: C_Fernandes)

Entre os distritos com IDH e densidade bem acima da média, chamou atenção a República, que conta com excelente infraestrutura, possui imóveis dos mais diversos tipos e tamanhos, mas com um preço médio menor do que Bela Vista, Santa Cecília e Perdizes.

Esta combinação de variáveis, somada à infraestrutura e arquitetura de qualidade (afinal, estão ali ícones da cidade como o Copan, os edifícios Itália, Esther, Eiffel, Louvre, a galeria Metrópole e o Sesc 24 de maio, para ficarmos apenas em alguns), parece explicar a onda de novos, diversos e interessantes e empreendimentos que vinham surgindo na região, como A casa do porco (que sempre figura na lista de melhores restaurantes do mundo), a Megafauna Livraria, o Cineclube Cortina e os empreendimentos da economia criativa que migraram para a Galeria Metrópole, para ficarmos apenas em alguns exemplos.

Achei os resultados interessantes e resolvi apresentá-los em um post no Linkedin. O post teve alguma repercussão e gerou um debate muito rico, sendo que a questão mais apontada nos comentários foi o fato de eu não ter levado em conta problemas relacionados à degradação e à criminalidade na região, que se agravaram muito nos últimos tempos.

De fato, com a pandemia, cresceu muito o número de moradores de rua, que se concentram, principalmente, na região central da cidade. A dispersão da cracolândia em 2022 e o aumento recente da violência também se fazem sentir mais na região, que não é de hoje que sofre com a falta de zeladoria e a sensação de abandono.

Contradições de uma cidade extremamente desigual: são exatamente a degradação e a insegurança que parecem explicar os preços relativamente mais baixos dos imóveis no centro, o que ainda possibilita o acesso de pessoas de menor renda a uma região extremamente rica em história, cultura, infraestrutura, empregos, comércio e serviços.

Vitor Meira França é economista pela FEA-USP e mestre em economia pela EESP-FGV.

Sua ajuda é importante para nossas cidades.
Seja um apoiador do Caos Planejado.

Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.

Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.

Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.

Quero apoiar

LEIA TAMBÉM

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

  • Pessoal me perdoa mas o cenário mudou e estes dados são muito antigos, com todo respeito aos demais bairros ( torço por uma capital bem e boa em tudo) mas regiões próximas ao centro de SP estão totalmente degradadas e descuidadas sem chance de trabalhar, morar e
    muito menos caminhar até mesmo durante o dia a noite então… desculpem mas zona Norte e Zona Leste tem vários bairros excelentes pra se viver e com infra estrutura total e que faltaram neste estudo e levantamento…

    • Obrigado pelo comentário, Alberto. De fato os dados são defasados. Como meu objetivo era a comparação entre distritos, porém, não vi problemas, já que, com uma ou outra exceção, não enxergo mudanças estruturais tão significativas na relação entre os distritos nos últimos anos. De fato os distritos da região central sofrem com problemas de zeladoria e insegurança, mas estas variáveis não foram consideradas no estudo (em muitos comentários sugeriram a inclusão delas, o que me parece realmente bem pertinente). Bairros como Santana (Zona Norte) e Tatuapé (Zona Leste), por exemplo, aparecem no grupo com IDH acima da média e adensamento populacional abaixo da média. De fato, pelo que conheço dos bairros, parecem lugares com boa qualidade de vida. Na análise, porém, dei destaque principalmente para os distritos com IDH mais alto da cidade. Abraço!

  • Dois são os fatores que eu procuro hoje para viver bem: um lugar com longas ruas e calçadas planas, sem subidas e descidas, para que eu possa caminhar sem desgaste excessivo. E segurança, onde eu possa caminhar e dormir com menos medo.

  • Faltou mencionar a região do Campo Belo, Brooklyn e Santo Amaro. 20 minutos de metrô até a Paulista, região empresarial e residência, muitos bares e restaurantes.

    • De fato não mencionei todos os distritos, André. Acabei colocando no gráfico, até por uma questão de espaço, apenas alguns que se destacaram e que viraram objeto de análise. Obrigado pelo comentário.

  • O MELHOR LUGAR PARA SE VIVER EM SAO PAULO . NAO TEM LUXO. MAS TEM SEGURANÇA. PARA QUEM QUER ANDAR AINDA A NOITE E CHEGAR EM CASA. E NA PRAÇA FRANKLIN ROSEVELT. POR CAUSA DOS BARZINHOS SEMPRE LOTADOS. ESCOLA DE TEATRO. IGREJAS. SUPERMERCADOS . TEATROS. E O MAIS IMPORTANTE A BASE DA POLICIA MILITAR NA PRAÇA FRANKLIN ROSEVELT. VAMOS LUTAR PARA QUE A POLICIA NAO SAIA DA PRAÇA.

  • DESCENTRALIZAR PARA DESENVOLVER

    Precisamos descentralizar a cidade de São Paulo, criando mecanismos
    para cada bairro possa ser auto-suficiente, para que os moradores não
    precisem buscar oportunidades em outras regiões.
    Chega de atravessar a cidade em busca de oportunidades de negócios,
    empregos,diversão e lazer.
    Precisamos parar de levar recursos financeiros para outras regiões de
    São Paulo,
    Não tem sentido a pessoa morar na Zona Norte e trabalhar na Zona Sul, se o morador tiver emprego na própria região onde mora, ele usará seus recursos financeiros para ser utilizado em seu próprio bairro.
    Precisamos mudar o zoneamento no entorno da Zonas Estritamente Residenciais para permitir a criação e o desenvolvimento de atividades comerciais que possibilitaram aos moradores utilizarem seus imóveis para abertura de empresas gerando oportunidades de renda e empregos.
    A qualidade de vida de qualquer cidadão está diretamente ligada a seu
    emprego e renda.
    Não há qualidade de vida a um desempregado, ainda que habite um imóvel
    repleto de verde em uma rua tranquila e arborizada.
    Vamos investir em nossa região, para que possamos crescer e
    desenvolver oportunidades de negócios, gerando economia de tempo,
    dinheiro, combustível,e melhoria na qualidade de vida para os
    moradores De cada região de São Paulo.
    Se tivermos comercio forte, moradia e emprego formaremos um tripé para
    um desenvolvimento econômico de nossa região.

  • Não se iludam habitantes de outros Estados. O que foi falado aqui é só lugar de bacana. Tem que ter grana, entenderam. É lá onde moram “os diferenciados”, os que não se misturam, sacaram?! Tem mais lugares bons em outras áreas de SP.

    • Oi, Marina. Sim, como o próprio gráfico mostra, há uma forte correlação positiva entre IDH e preço, até porque a renda é um dos componentes do IDH. Sugeri que os distritos destacados podem ser lugares com boa qualidade de vida, o que não quer dizer que outros distritos, inclusive com preços mais baixos, não sejam lugares bons para se viver. Obrigado pelo comentário.

  • Este estudo é recente?
    Porque não aparece o Butantã ?
    O impacto ambiental nesta região foi grande, depois do Metrô (linha amarela)
    Obrigada

    • Os dados de fato são antigos, Sueli. Como meu objetivo era estabelecer uma comparação entre distritos – e, com uma ou outra exceção, não vejo mudanças estruturais na relação entre eles ao longo do tempo -, não vi problemas. Com os dados do censo de 2022, a serem divulgados, poderemos ter uma visão mais atual. O Butantã é um distrito com IDH acima da média e adensamento abaixo. Com a chegada das estações da linha amarelo do metrô, de fato se nota uma forte verticalização, especialmente no entorno da Estação Butantã, o que pode significar aumento da densidade populacional.

  • Esqueceram que existe a Zona Norte, para mim que morei na zona sul, oeste, centro e norte, este realmente para mim é o melhor bairro de São Paulo, é raro achar um indigente pedindo algo, excelente infraestrutura de: transporte, saúde, educação, vias públicas, supermercados com 100 caixas e o principal segurança e clima.

    • Obrigado pelo comentário, Fernando. Distritos como Santana (Zona Norte) e Tatuapé (Zona Leste), por exemplo, assim como Ipiranga, cambuci, Mooca, de perfil semelhante, ficaram no quadrante de IDH acima da média e adensamento abaixo da média. Parecem mesmo lugares com boa qualidade de vida, mas acabei destacando, principalmente, os distritos com IDH e adensamento mais elevados da cidade.