Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Segundo dados recém divulgados do Censo, seis das dez cidades com maior densidade demográfica do país ficam na Região Metropolitana de São Paulo — e, entre elas, está Osasco, vizinha da capital
20 de julho de 2023Nos últimos meses, por causa da revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, temas como verticalização, potencial construtivo, outorga onerosa, adensamento populacional e mobilidade urbana saíram dos restritos círculos de políticos, gestores públicos, incorporadoras, arquitetos, urbanistas e ganharam as ruas.
Contudo, enquanto muito se debateu a respeito dos impactos da ampliação dos eixos de estruturação da transformação urbana na capital, por exemplo, pouco se falou sobre possíveis efeitos da expansão imobiliária prevista para São Paulo nas cidades vizinhas, que formam, juntamente com a capital, uma das maiores áreas conurbadas do mundo.
Coincidentemente, apenas poucos dias após a aprovação da revisão do Plano Diretor pela Câmara dos Vereadores de São Paulo, o IBGE iniciou a divulgação dos números do Censo de 2022, que, entre outras informações importantes, chamou atenção para o fato de que seis das dez cidades com maior densidade demográfica do país ficam na Região Metropolitana de São Paulo.
São elas: Taboão da Serra, com 13.416 habitantes por km²; Diadema, com 12.795; Osasco, com 11.445; Carapicuíba, com 11.205; São Caetano do Sul, com 10.805; e a capital, São Paulo, com 7.527. Além disso, os cinco municípios mencionados apresentaram crescimento populacional superior ao da capital entre 2010, data do censo anterior, e 2022.
Não apenas eles, na verdade: entre todas as trinta e nove cidades da Região Metropolitana de São Paulo, apenas cinco registraram crescimento populacional menor do que a capital. Ou seja, todas as trinta e três demais apresentaram expansão relativa da população superior à de São Paulo, o que também significa que se adensaram mais em termos populacionais no período.
O espraiamento urbano que o Plano Diretor de São Paulo visa combater, portanto, não se restringe ao perímetro da capital, se caracterizando também pelo adensamento de cidades vizinhas, que passam a ver agravados problemas como os longos deslocamentos para acessar serviços e empregos, ainda concentrados na capital.
É claro que seria preciso analisar cada município caso a caso para entender melhor essa dinâmica, mas a constatação acima já aponta para um velho e conhecido problema das regiões metropolitanas brasileiras: a dificuldade de cooperação e coordenação das políticas públicas entre municípios conurbados, em particular das que envolvem planejamento urbano, a despeito dos instrumentos estabelecidos pelo Estatuto da Metrópole.
Uma das primeiras explicações para o crescimento populacional superior ao da capital, afinal, pode estar ligada às condições do mercado imobiliário: com o aumento dos preços dos imóveis em São Paulo, que concentra a grande maioria dos empregos e serviços da região, mais pessoas podem ter optado por morar em cidades vizinhas. E aqui já conseguimos estabelecer um primeiro potencial impacto da revisão do Plano Diretor paulistano em outras cidades da Região Metropolitana: a depender de seus efeitos na produção imobiliária e nos preços dos imóveis, esta dinâmica populacional pode ser atenuada ou acentuada.
Afinal, se a revisão do Plano resultar em maior oferta habitacional e um aumento menor ou queda real do valor do m² na capital, haverá uma atenuação da migração da população para municípios vizinhos nos próximos anos. Por outro lado, se ele somente provocar um deslocamento do interesse imobiliário e aumento do valor dos terrenos, teremos a continuidade do efeito do encarecimento dos imóveis em São Paulo no adensamento das cidades vizinhas
Osasco, em particular, localizado a oeste de São Paulo, viu sua população saltar de 666.740 habitantes em 2010 para 743.432 em 2022, um aumento anual médio de 0,91% — contra apenas 0,15% da capital. No entanto, por mais que aspectos ligados ao mercado imobiliário, como preço e localização, possam explicar parte deste crescimento, ele também parece estar relacionado à expansão da economia local.
Industrial até a década de 1990, e depois dependente do comércio, Osasco hoje é sede de algumas das principais empresas de tecnologia do país, além de ser um importante polo comercial, de serviços financeiros e logísticos. Entre 2016 — quando grandes empresas de tecnologia começaram a chegar ao município — e 2022, a cidade passou da 16ª para a 7ª maior arrecadação de ISS do país, segundo dados do Tesouro Nacional. De acordo com as últimas informações disponibilizadas pelo IBGE, a cidade era a 7ª mais rica do Brasil em 2020, com um PIB de R$ 76,3 bilhões.
Por causa do crescimento da arrecadação, também segundo dados do Tesouro, nos últimos cinco anos Osasco foi o município que apresentou o maior crescimento da despesa pública por habitante entre as cidades paulistas de grande porte (mais de 100 mil habitantes) — resultado que pode variar um pouco de acordo com a informação populacional utilizada.
Crescimento econômico, geração de empregos e maior oferta de serviços públicos, assim, também são fatores que podem ajudar a explicar a expansão da população de Osasco. Com o aumento populacional, porém, agravam-se também problemas urbanos típicos das grandes cidades, em particular os congestionamentos.
Do ponto de vista logístico, Osasco conta com uma localização privilegiada, já que cruzam a cidade as rodovias Anhanguera, Castelo Branco, Raposo Tavares e o Rodoanel Mário Covas; e o município ainda conta com fácil acesso para as Marginais dos rios Tietê e Pinheiros, duas das principais vias expressas de São Paulo.
Por outro lado, o grande fluxo de veículos decorrente de sua localização, somado ao perfil das vias que caracterizam a cidade — de maneira geral estreitas — e a mobilidade dependente do automóvel transformaram os congestionamentos em um dos principais problemas de Osasco, agravados também pelo fato de que a cidade, além de não estabelecer rodízio de veículos — ao contrário da vizinha São Paulo —, também serve de rota de escape do pedágio da Castelo Branco para quem vai da capital até Barueri, outro importante polo de empregos da Região Metropolitana, ou de Barueri e cidades vizinhas para a capital.
Assim, entre as consequências da revisão do Plano Diretor de São Paulo, podemos destacar a verticalização na vizinhança de Osasco, com a construção de prédios — e vagas de garagem — no entorno de estações relativamente próximas como a Villa-Lobos Jaguaré, Butantã e no chamado Arco Tietê, que tem potencial para agravar ainda mais o problema dos congestionamentos na cidade.
Apesar de seus apenas 65 km², o crescimento de Osasco também parece estar ocorrendo de forma dispersa. Assim como acontece em São Paulo, o adensamento populacional não se distribui uniformemente pelo território, se concentrando muitas vezes nas moradias precárias em áreas mais pobres e periféricas — muitas, inclusive, de risco. Os arredores das estações de trem que cruzam a cidade, antigas áreas industriais, por sua vez, ainda são pouco adensados em termos populacionais.
O entorno da Estação Osasco, por exemplo, que deu nome ao município e é o ponto que dá origem ao desenvolvimento da cidade, é cercado por uma área rica em comércios e serviços, antigos terrenos industriais e muito poucas residências. Também no entorno da Estação Presidente Altino e Comandante Sampaio há muito espaço para o incentivo da produção imobiliária, de preferência com restrições a vagas de garagem, com o objetivo de estimular o uso do trem e todas as externalidades positivas associadas (menos congestionamentos, poluição e sedentarismo, entre outros).
O Plano Diretor de Osasco está em processo de revisão e vai precisar levar em consideração o novo cenário, com as mudanças aprovadas em São Paulo. Um bom caminho parece ser seguir as estratégias que foram pensadas na concepção original do Plano de São Paulo: tentar concentrar o adensamento populacional da cidade nos arredores dos eixos de transporte coletivo, de preferência com edificações de alto potencial construtivo, uso misto, fachada ativa e oferta de moradia acessível para população de menor renda.
Um desafio, contudo, é encontrar os incentivos corretos para atrair os construtores e a população para essas áreas: ao contrário de São Paulo, onde a expansão dos eixos de transporte aprovada na revisão do plano parece estar associada à demanda por imóveis de alto padrão em bairros como Vila Madalena, Perdizes e Pinheiros, o entorno das estações de trem de Osasco ainda não parecem áreas tão valorizadas pelo mercado imobiliário local.
Um desafio adicional está no fato de que, historicamente, políticas urbanas adotadas por São Paulo tendem a se tornar referência para os demais municípios da região. Com a ampliação dos eixos de estruturação urbana da capital, a verticalização tendendo a avançar para o miolo dos bairros e com mais vagas de garagem nos edifícios, fica ainda mais difícil convencer os atores locais da urgência de políticas que priorizem o transporte público de massa, a mobilidade ativa e desestimulem o uso do automóvel em Osasco.
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