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A divulgação recente dos primeiros resultados do Censo 2022 é fabulosa para qualquer pessoa que acredita no uso de dados para orientar negócios e políticas públicas. O debate sobre eles já começou, e o impacto real será de longo prazo. Da política habitacional à representatividade legislativa, muita coisa pode mudar em função dessa pesquisa. Mas cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém, dizem com razão — apesar de não gostar do segundo.
No caso do Censo, é preciso paciência. Primeiro porque há pouquíssima informação divulgada até o momento, restrita aos dados sobre população e domicílios. Pode-se fazer diversas análises exploratórias, mas conclusões mais aprofundadas, como as causas de determinado fato, dependem de muitos outros elementos.
Segundo, esse tipo de pesquisa é “apenas” uma fotografia (com milhões de camadas e pixels) feita em um momento muito singular da humanidade (o pós pandemia). Por exemplo, grandes movimentos migratórios em geral não são circunstanciais, mas algo tão abrupto no nosso modo de viver possivelmente teve consequências extraordinárias — algumas talvez momentâneas. Se a pesquisa de campo tivesse ocorrido em 2019, certamente muitos resultados seriam diferentes (para além das mudanças ordinárias).
Ressalvas feitas, os dados divulgados são insumo para muito debate, em especial sobre as dinâmicas urbanas.
Grandes capitais saturadas?
A máxima diz que cidades só podem crescer em dois sentidos: para os lados ou para cima – algo quase imprescindível quando falamos em maior densidade, fator mais importante. Grosso modo, o Censo 2022 mostra cidades maiores e mais antigas crescendo lentamente — quando não perdendo população para as cidades vizinhas. Como mostrou Vitor Meira França, é o caso da Região Metropolitana de São Paulo, onde “apenas cinco cidades [entre 38] registraram crescimento populacional menor do que a capital”.
Por outro lado, cidades menores e mais novas em geral cresceram significativamente. É o caso de Boa Vista (RR), Florianópolis (SC) e Goiânia (GO), que aumentaram sua população em 45%, 28% e 10%, respectivamente.
Uma consequência possível é a valorização imobiliária dessas cidades em crescimento, sinal de que o aumento na oferta não acompanhou o aumento da demanda. Florianópolis e Goiânia tiveram aumento superior a 35% no valor do aluguel nos últimos doze meses, por exemplo. Aumentos relevantes também são encontrados em cidades de regiões metropolitanas, ainda que o custo médio seja em geral significativamente mais baixo que o de capitais.
Famílias menores, imóveis menores
O número médio de pessoas morando em um mesmo domicílio caiu de 3,31, em 2010, para 2,79, no Censo de 2022. O efeito pode estar relacionado a mudanças socioeconômicas e culturais, como o adiamento da formação de famílias, o aumento do custo de vida e/ou da busca por praticidade e conveniência nas cidades. A febre de micro ou pequenos apartamentos talvez seja, nesse sentido, uma resposta das cidades e do mercado imobiliário a essas tendências.
Paralelamente, com um deficit habitacional na ordem de seis milhões de moradias, assusta o IBGE ter encontrado cerca de onze milhões de domicílios vagos, uma alta de 87% em relação a 2010.
Esses números nem sempre se relacionam, no entanto. Por um lado, grande parte do deficit está relacionado à condição inadequada das moradias, fato que também impacta o número de domicílios vagos. Ao mesmo tempo, há maior vacância em áreas rurais, como no interior do Nordeste, e também a chamada vacância “natural”, inerente à dinâmica urbana. O deficit habitacional, ainda assim, talvez seja o grande desafio moderno, e é fundamental desenvolver políticas públicas que entendam profundamente o cenário e incentivem a ocupação e o uso adequado dos espaços urbanos.
Mais dados, melhores cidades
Por mais importante, o Censo não será exaustivo na compreensão das dinâmicas sociais (e nem se propõe a isso). No meio urbano, as mudanças acontecem muito rapidamente, às vezes em pouquíssimo tempo. Por exemplo, em São Paulo, o espraiamento da cracolândia pelo centro nos últimos meses, problema dos mais complexos, seguramente já impactou a vida de moradores e de comércios locais.
Esperar dez anos (ou mais) para ter dados sobre os fenômenos urbanos é insanidade. É também desnecessário, já que a sociedade dispõe de infinitas informações sobre nosso cotidiano na cidade, das mais simples às mais complexas.
Por exemplo, as bases de Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) oferecem insights sobre transações imobiliárias, permitindo acompanhar o mercado imobiliário quase em tempo real, identificar tendências de valorização ou desvalorização de áreas urbanas e avaliar a dinâmica de ocupação do espaço urbano. Hoje, poucas prefeituras oferecem ampla transparência sobre essas bases, e avançar nesse sentido é fundamental, como aponta o Instituto Governo Aberto.
Para combater a vacância urbana “não-natural”, analisar em larga escala dados sobre o consumo de energia elétrica talvez seja uma forma objetiva de identificar imóveis vazios por um longo período de tempo. Com essas informações, o poder público pode notificar proprietários, aplicar imposto progressivo e incentivar sua função social. E, no caso da segurança, dados espaciais podem ajudar a melhorar a eficiência da vigilância policial.
Múltiplas fotografias no Censo
O Censo 2022 revela o quão diverso e complexo é o Brasil, ainda em transformação acelerada. O crescimento vigoroso de algumas cidades menores contrasta com o ritmo cadenciado das grandes metrópoles. Famílias e imóveis encolhem, e os números do deficit habitacional e da vacância demandam uma análise profunda e soluções criativas. No fim das contas, o Censo é uma fotografia maravilhosa e densa, cheia de camadas, às quais se devem somar outros dados, desenhando um panorama que nos ajudará a entender o cenário atual e futuro das cidades e do país.
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