Florianópolis: crescimento desordenado?
Imagem: Prefeitura de Florianópolis.

Florianópolis: crescimento desordenado?

Não se percebe que a demanda por moradia não vai desaparecer de Florianópolis, e que em algum lugar mais moradias serão necessárias.

23 de setembro de 2015

Crescer em Florianópolis significou, para quem nasceu no início dos anos 90, acompanhar uma cidade em intensa transformação. A cidade dobrou sua população em menos 20 anos, alcançando crescimento de 35% e 34% nas décadas de 80 e 90, respectivamente. A transformação aprofundou os contrates entre a natureza provinciana, das calmas vilas de pescadores, para aspirações mais cosmopolitas.

Além disso, o aumento tanto populacional como de visitantes levou à deterioração do trânsito da cidade e a problemas de abastecimento de serviços estatais como água e luz. Lembro especialmente do verão onde — além de dias agradáveis na praia — ouvia de moradores ideias mirabolantes sobre a necessidade de se controlar a entrada de visitantes na cidade, restringir o crescimento e proibir novas construções.

As propostas variavam, mas o discurso do florianopolitano (popularmente conhecido como “manezinho”) conflui para uma questão em comum: o crescimento de “Floripa” foi desordenado, descontrolado e sem qualquer planejamento, e esta é a principal razão dos problemas na cidade, que crescera em magnitude. O quanto desse discurso é, de fato, verdade?

Na década de 60, sob o ápice dos planos de infraestrutura levados a cabo por todo o país pelo Ministério do Planejamento, a Ilha não ficaria de fora. Ainda com caráter essencialmente provinciano, a Ponte Hercílio Luz — até então única ligação da Ilha com o continente e hoje cartão postal da cidade — já dava sinais de esgotamento e riscos iminentes de colapso. Como uma capital não poderia prosseguir sem uma ponte, foi elaborado um plano de reestruturação viária da cidade, que iria transformar para sempre Florianópolis.

Para receber a nova Ponte Colombo Salles, a cidade receberia um massivo aterro, a ser preenchido por um plano urbanístico modernista. Mais aterros seguiriam, hoje alcançando 10 km2 (ou 1.200 campos de futebol) embora em grande parte praticamente ociosos. Haveria uma série de outras intervenções até meados da década de 80, como a ampliação da Avenida Beira-Mar Norte. O projeto desta via marcaria uma mudança substancial da cidade em seu eixo urbano, que se deslocaria para o Norte da Ilha. Em meio a fortes pressões de demanda por habitação na cidade pela acelerada migração, a Avenida e o posterior redesenho da SC-401 viabilizariam uma expansão fora da região central — formando bairros como o Ingleses, que dista cerca de 40 km do centro da cidade e hoje compreende mais de 100 mil moradores em sua região.

O Sul da Ilha também teve impulso em sua expansão populacional, com bairros como Campeche e Rio Tavares, tornando-se um verdadeiro canteiro de obras em processo intensificado com a abertura da Via Expressa Sul sobre outro aterro.


É pouco factível imaginar que seria possível a prefeitura ou qualquer órgão limitar o crescimento por decreto, mas foi justamente essa a tentativa do zoneamento de Florianópolis.


Este inchamento dos bairros pode ser ao menos em parte atribuído à severas restrições na zona central, a mais indicada para receber esta demanda de novas moradias, supostamente controlando o crescimento da cidade. É pouco factível imaginar que seria possível a prefeitura ou qualquer órgão limitar o crescimento por decreto, mas foi justamente essa a tentativa do zoneamento de Florianópolis. Um exemplo é a Avenida Beira-Mar Norte, no centro, cujos edifícios seguem limitações de altura em uma larga via que supostamente deveria permitir maior adensamento. Áreas adjacentes a ela têm restrições ainda mais rígidas.

Outro impedimento se dá no próprio centro histórico, que permanece até hoje congelado pelo IPHAN, reduzindo-o a uma relíquia histórica sem dono e levando a uma séria deterioração ao longo das décadas. Caso as restrições de patrimônio histórico fossem organizadas sobre critérios mais objetivos ou facilitando retrofits ao invés de impedi-los, outros espaços do centro antigo poderiam aumentar a oferta de moradias.

Outros bairros centrais como Trindade, Agronômica e Prainha permanecem pouco habitados por restrição legal, empurrando o desenvolvimento para outras áreas. Os preços imobiliários aumentam conforme a proximidade com o centro da capital, sugerindo que a população iria se concentrar mais em torno da região central, caso o mesmo tivesse capacidade de absorvê-la.

O avanço urbano sobre regiões dispersas expôs os limites da expansão viária na Ilha. Nos anos 90, o crescimento da cidade já originava sérios problemas no tráfego aliado a políticas rodoviaristas, que viam viadutos, vias duplicadas e túneis como solução mais apropriada. Pouca atenção se deu ao sistema de transporte coletivo, cujo monopólio legal dividiu a cidade entre algumas empresas e gerou um sistema ineficiente e de oferta escassa, que perdura até hoje.

Longe dos centros de controle, a cidade respondeu avançando sua mancha urbana com construções informais às margens da lei nos limites inexplorados e sobre ecossistemas protegidos e sensíveis da ilha — regiões de manguezais, de dunas e parques florestais. Este processo intensificou a estrutura imobiliária de escrituras de posse, sem transferências ou vendas oficializadas. O resultado mostra a ingenuidade de supor que se pode controlar a expansão de uma cidade: ela sempre encontrará meios para responder à demanda.

Na prática, as restrições da cidade propiciariam o surgimento de uma pródiga máfia de licenças, como evidenciado pela Operação Moeda Verde e as construções irregulares sobre manguezais, funcionando mais como uma divisão entre quem pode e quem não pode pagar pelas “dificuldades” impostas pela lei.

Florianópolis segue com seu centro congelado pelo zoneamento, gigantescos aterros da Baía Sul e do Centro inutilizados, e bairros centrais “controlados” para proteger a Ilha de crescimento “predatório”. Não se percebe que a demanda por moradia não vai desaparecer de Florianópolis, e que em algum lugar mais moradias serão necessárias. A saída não é proibir, expulsando pobres e nativos por preços que tenderão apenas a subir, mas sim permitir a construção onde há capacidade para mais gente — as regiões centrais — assim como parar de uma vez por todas com os altos investimentos rodoviários que subsidiam e incentivam cada vez mais o uso do automóvel individual.

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