O grande fracasso da regulamentação moderna do uso da terra é não permitir que as densidades mudem naturalmente ao longo do tempo. Deixe-me explicar.
Imagine que você está tentando vender a sua propriedade, localizada em um bairro desejado da cidade. O terreno tem 370 m² e é ocupado por uma antiga casa de 370 m². Há uma grande demanda por moradias nesse local; talvez pelas melhores escolas, por contar com inúmeras comodidades, pelo bairro ficar próximo a um grande centro de empregos — o que significa que os moradores poderiam caminhar até o trabalho. Vou deixar você escolher as razões.
Para quem você venderia? Há pelo menos duas opções: primeiro, para um indivíduo rico, que usaria toda a propriedade como sua casa. Ele está disposto a pagar o valor de mercado por residências unifamiliares como esta, que neste caso seria de US$ 300.000. Sob as taxas de financiamento atuais, ele provavelmente teria um custo mensal com hipoteca no valor aproximado de US$ 1.300. A segunda alternativa seria vender a um incorporador com intenção de subdividir a casa em quatro apartamentos de 90 m², alugando para trabalhadores que se deslocam diariamente para o centro da cidade por cerca de US$ 500 cada. Após considerar as despesas, sua receita operacional líquida anual seria de cerca de US$ 20.160. Supondo um cap rate*de 6%, isso significa que ele poderia pagar até US$ 336.000 pela propriedade.
Com base nessa análise, para quem você venderia? A resposta é óbvia: para o incorporador multifamiliar que subdividirá e alugará a casa. Não necessariamente porque você é um urbanista de bom coração, mas para maximizar seus ganhos. À medida que os aluguéis na área aumentam, cresce a pressão para vender a um comprador que densifique a propriedade. O potencial comprador da mansão simplesmente não pode competir com os trabalhadores sob essas condições típicas de mercado. Quão incrível é isso?
Pode parecer uma simplificação excessiva — como todo exemplo econômico — mas, no final das contas, essas dinâmicas simples de mercado desempenham um papel essencial na orientação dos padrões espaciais de nossas cidades. Quando cresce a demanda por moradias nos bairros urbanos, os usos de baixa densidade se convertem em usos de maior densidade. Isso geralmente pode começar pequeno — os proprietários transformam espaços subutilizados, como sótãos ou porões, em unidades habitacionais adicionais para aumentar sua renda. Mas em circunstâncias de alta demanda, isso pode se intensificar, levando à demolição de casas unifamiliares e as substituindo por prédios de apartamentos.
Quando a demanda por moradias cresce nos bairros urbanos, os usos de baixa densidade se convertem em usos de maior densidade.
Quando minha bisavó, atendente de supermercado e mãe solteira, migrou para Louisville de uma pequena cidade do Kentucky na década de 1940, ela morou em uma mansão subdividida em Old Louisville com várias outras famílias. O oposto também pode acontecer: quando a demanda por moradias diminui, os usos de alta densidade podem ser convertidos em usos de baixa densidade ou mesmo demolidos por completo. Quando a população de Louisville entrou em colapso nas décadas de 1970 e 1980, a falta de demanda fez o imóvel em que minha avó cresceu ser transformado novamente em uma mansão.
Assim, a densidade é a chave para garantir que as incríveis oportunidades que as cidades oferecem estejam disponível para todos. É a única maneira sustentável que os trabalhadores pobres possam superar os ricos na disputa por espaços urbanos e, em condições normais, é uma condição facilitada pelos mercados. Densidade é o que torna acessível um quarto de uma mansão antiga para uma atendente de supermercado que luta para criar seus filhos. Densidade é o que permite que o incorporador de apartamentos discutido acima supere a oferta do potencial comprador individual porque, em certo sentido, o que ele está fazendo é somar os recursos das famílias pobres.
Os controles de densidade, sejam resultantes do zoneamento, das regulamentações de uso da terra ou regras estabelecidas por loteamentos, quebram esse sistema, proibindo os trabalhadores pobres de disputarem com os ricos o espaço urbano. Essas políticas são apresentadas de várias formas: tamanhos mínimos de lotes, zoneamento unifamiliar, requisitos de estacionamento, tamanhos mínimos de unidades, etc. Mas todas elas exigem algum nível mínimo de consumo de habitação — supostamente para o bem dos moradores, em muitos casos —, o que significa que os residentes que não puderem pagar por esse limite mínimo de terra urbana não podem morar no bairro.
Os controles de densidade, sejam resultantes do zoneamento, das regulamentações de uso da terra ou regras estabelecidas por loteamentos, quebram esse sistema, proibindo os trabalhadores pobres de disputarem com os ricos o espaço urbano.
Vamos voltar ao nosso exemplo acima. Se a sua propriedade estivesse zoneada como moradia unifamiliar, o incorporador que pretendia subdividir sequer faria uma oferta e a estrutura continuaria sendo uma residência unifamiliar, apesar da alta demanda do mercado. Os quatro possíveis inquilinos teriam que procurar por outras escassas moradias e sofrer com deslocamentos diários maiores.
Ou imagine se a cidade permitisse subdivisões, mas restringisse os apartamentos a 140 m². Nesse caso, o incorporador só poderia dividir a casa em duas unidades. Os aluguéis normalmente aumentam com maior espaço e quartos adicionais, mas raramente dobram de preço. Se o incorporador pudesse ganhar apenas US$ 800 por unidade no mercado, faria sentido fazer uma oferta de até US$ 268.000 para compra do imóvel, o que significa que ela seria superada pelo potencial comprador da mansão.
Se pudesse cobrar US$ 900 por unidade, mal superaria o potencial comprador da mansão, deixando apenas dois inquilinos, que fossem capazes de pagar um aumento significativo no valor dos aluguéis. Os outros dois seriam expulsos da comunidade.
Outros padrões mínimos obrigatórios, como requisitos de estacionamento e tamanhos de lotes, funcionam da mesma maneira, proibindo a densidade e aumentando os preços para possíveis moradores vindos de fora do bairro. Desnecessário dizer que os trabalhadores pobres são os mais impactados nessa dinâmica.
Proibir a densidade, qualquer que seja o pretexto, qualquer que seja o meio, significa efetivamente banir os trabalhadores pobres das cidades. Como o planejador urbano Alain Bertaud colocou, o mercado não é um fim ou uma construção, é um mecanismo. É um sistema emergente de distribuição de recursos escassos. Às vezes falha e os atores estatais ou a sociedade civil devem intervir. Às vezes produz resultados indesejáveis que justificam a retificação. Mas se não entendermos e trabalharmos para criar políticas em torno disso, os resultados serão péssimos. Tendo em vista a crescente crise de acessibilidade e segregação racial de nossas cidades, transferir a responsabilidade de distribuição de densidades dos mercados para os conselhos de planejamento urbano é um enorme fracasso.
* Nota do editor: “cap rate” é um jargão do mercado imobiliário que significa a “taxa de retorno que uma propriedade de investimento vai gerar com base no seu valor de mercado atual”, medida dividindo a receita anual do imóvel pelo valor do imóvel.
Texto publicado originalmente em Market Urbanism em 5 de fevereiro de 2018. Traduzido para o português por Gabriel Lohmann, com revisão de Anthony Ling.
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