Como o mercado imobiliário aumenta a acessibilidade a moradia
Imagem: William Cho/Flickr.

Como o mercado imobiliário aumenta a acessibilidade a moradia

Há muita resistência sobre algo que parece ser óbvio para economistas: se os preços de moradia estão muito altos, construir mais unidades ajudará a trazer os preços para baixo.

6 de janeiro de 2020

Construir mais unidades de moradia pelo próprio mercado imobiliário inicia uma reação em cadeia no aumento da oferta que atinge bairros mais pobres.

Moradores que se mudam para novas unidades de moradia a preços de mercado saíram de outra, uma unidade de menor valor, tornando-a disponível para outros moradores: a propagação deste efeito produz oferta de moradia adicional em bairros mais pobres.

Há muita resistência entre as pessoas sobre algo que parece ser óbvio para economistas: se os preços de moradia estão muito altos, construir mais moradia ajudará a trazer os preços para baixo. Para economistas, é uma simples questão de oferta e demanda. Se você quer reduzir os despejos, construa mais moradia. Para muitos não-economistas, parece um non sequitur ou algo simplesmente impossível. Para estes, construir mais moradia torna a moradia mais cara. Mas há um novo artigo que mostra uma explicação poderosa de por que mais unidades de moradia a preços de mercado tornam outras unidades de moradia mais acessíveis para moradores de rendas mais baixas. O artigo é de Evan Mast, um economista no Upjohn Institute. O paper explora um novo e rico conjunto de dados de domicílios e de migração, e usa técnicas bem sofisticadas para chegar nos seus resultados. Mast é, afinal, um economista, então ao invés de enfatizar as resoluções técnicas, vamos traduzi-las usando metáforas conhecidas: a dança das cadeiras e os Seis Graus de Kevin Bacon.

Sem precisar aprofundar conceitos econômicos, o mercado habitacional pode ser explicado através da dança das cadeiras e do ator Kevin Bacon. (Imagem: Camknows/Flickr)

Todos conhecemos o velho jogo infantil da dança das cadeiras, onde crianças ficam ao redor de um conjunto de cadeiras onde há uma cadeira a menos que o número de crianças. As crianças caminham ao redor do círculo de cadeiras enquanto uma música toca. Mas quando a música para, todos devem sentar. A criança que não conseguir uma cadeira para sentar fica de fora, sendo eliminada do jogo. Mercados habitacionais apertados são assim: se não há casas (cadeiras) suficientes, alguém fica de fora olhando para dentro, e em mercados habitacionais não é a criança mais devagar, mas a família mais pobre.

O segundo jogo é uma brincadeira de Hollywood de conectar qualquer ator de qualquer filme ao ator Kevin Bacon através de outros atores com quem trabalharam em outros filmes. Por exemplo, o “número de Bacon” do John Turturro é 2: ele e Julianne Moore estavam no elenco de “O Grande Lebowski”, e Moore por sua vez atuou com Bacon em “Amor a toda prova”. Os Seis Graus de Kevin Bacon mostram que você pode conectar praticamente quaisquer duas pessoas do mundo do cinema com menos de seis conexões, independente de quão longe estas pessoas estão separadas no tempo ou no gênero cinematográfico. Ao invés de aplicar isso à estrelas do cinema, podemos conectar casas — quando alguém se muda, se cria uma vacância na sua casa anterior e assim por diante, e esta cadeia de eventos produz uma mudança muito mais abrangente do que poderíamos esperar inicialmente.

A dança das cadeiras e os “Seis graus de Kevin Bacon” explicam o mercado habitacional

Nossos amigos no Sightline Institute já aplicaram a metáfora da dança das cadeiras ao mercado habitacional. Não importa se você adicionar refinadas poltronas estofadas ou as cadeiras de plástico do boteco, ambas tornam igualmente provável que no fim do dia terá um alinhamento melhor entre cadeiras e traseiros do que antes.

A segunda parte do nosso modelo, que ilustraremos com a ajuda de Kevin Bacon, mostra como, ao adicionar cadeiras ou casas, se produz efeitos muito mais amplos. O que normalmente está escondido é a cadeia de conexões entre diferentes setores do mercado habitacional. Como pode que, construindo unidades de moradia para famílias de alta renda (refinadas poltronas estofadas), se gera moradia mais acessível para rendas moderadas? (Alguns já argumentaram que mercados habitacionais metropolitanos são rigidamente segmentados e que, ao construírem unidades em um setor, seu efeito será nulo em outros). O que a nossa brincadeira de seis graus de Kevin Bacon sugere é que o movimento para novas unidades de moradia cascateia pelo mercado em uma série de movimentos consecutivos — como a conexão entre um e outro ator — de forma a gerar uma mudança em bairros e tipos de moradia muito distantes do bairro ou da faixa de preço onde ocorrem novas construções.

Economistas aceitavam isso mais ou menos como uma questão de fé. Mas o novo paper de Evan Mast usa big data impressionante para realmente traçar estas conexões (assim como o muito útil Oráculo de Bacon, que permite você conecte qualquer ator a praticamente qualquer outro). Mast usa dados do serviço Infutor Data Solutions, que usa bancos de dados privados para acompanhar mudanças de endereços de famílias. Mast usou estes dados para determinar a moradia anterior das famílias que se mudaram para unidades novas, e então verificou quem se mudou para a unidade que ficou vaga, e assim por diante. Mast usou estes dados acompanhando sete mudanças sucessivas e ainda modelou rodadas adicionais de mudanças. A análise é complexa e requer alguma interpolação para calcular as características típicas de gerações sucessivas de famílias que estão se mudando, mas no fim o resultado é uma estimativa robusta do efeito líquido de sucessivas mudanças de endereço geradas por novas unidades habitacionais construídas pelo mercado. Em resumo: construir 100 novas unidades habitacionais a preços de mercado provavelmente gerará vacância em 60 unidades habitacionais a preços acessíveis em outros lugares da região metropolitana. Estes efeitos se estendem muito além da área onde a unidade é construída e atinge áreas de rendas mais baixas e de diferentes composições étnicas e raciais. Mast explica:

“100 novas unidades de luxo criam cerca de 60 unidades equivalentes para faixas de renda abaixo da mediana. As estimativas também são altas para áreas que são ainda menos similares a áreas de alta renda, com cerca de 30–40 unidades equivalentes criadas em bairros de população predominantemente negra, com renda abaixo da mediana, na faixa de renda 20% mais baixa e em áreas com ônus excessivo com o aluguel. Adicionalmente, o efeito se estende além do mercado de habitação multifamiliar — cerca de 50 unidades equivalentes de moradia são criadas em regiões de moradia unifamiliar. Note que o número de unidades equivalentes de diferentes tipos de moradia devem ser considerados separadamente ao invés de somados, porque uma unidade equivalente de um tipo gera uma cadeia de migração que pode abrigar uma unidade equivalente em outro tipo.”

Este gráfico mostra como sucessivas rodadas de migração levam a unidades adicionais disponíveis em outros bairros. Cada uma das linhas coloridas corresponde a uma característica de bairro diferente. Por exemplo, a linha cinza com marcadores quadrados mostra a fração de unidades em bairros com rendas domiciliares abaixo da mediana metropolitana (legenda “<P50 Inc. (Local)”). Inicialmente, praticamente toda unidade habitacional recém ocupada é em bairros de alta renda, onde as unidades estão sendo construídas. Mas em rodadas sucessivas, cada vez mais as unidades recém ocupadas são em bairros de baixa renda. Chegando à décima rodada, o número de unidades de moradia ocupadas em bairros abaixo da renda mediana é aproximadamente 60% do número de unidades de moradia construídas na primeira rodada.

A taxa na qual a ocupação habitacional cascateia para outros bairros varia de cidade para cidade, e o trabalho de Mast mostra que isto é diretamente afetado pelas taxas de vacância. Em cidades com baixas taxas de vacância, os efeitos são muito mais pronunciados (o efeito da oferta se propaga ainda mais), enquanto em cidades com altas taxas de vacância o efeito é mais lento. Isso faz sentido: quando há muita vacância, adicionar novas unidades não incentiva tanta migração como quando o mercado habitacional está apertado. O que isso também significa é que os efeitos benéficos da adição de novas unidades no mercado habitacional serão maiores justamente nos mercados que estão sofrendo com os maiores déficits habitacionais.

Construir mais unidades de moradia a preços de mercado em, digamos, San Francisco, irá rapidamente se disseminar pelo estoque imobiliário e liberar unidades em bairros de rendas mais baixas que iriam, alternativamente, ser ocupadas por moradores de rendas mais altas. Os resultados encontrados por Mast são comparáveis a um estudo feito alguns anos atrás pela Karen Chapple e pela Miriam Zuk da Universidade de Berkeley.

Chapple e Zuk olharam para uma questão paralela, o efeito da construção de moradias tanto pelo mercado imobiliário quanto unidades subsidiadas nas taxas de famílias sendo deslocadas na Califórnia. Elas descobriram que cada duas unidades adicionais construídas pelo mercado imobiliário tinham o mesmo efeito no deslocamento dos domicílios do que construir uma unidade de habitação popular. O trabalho de Chapple e Zul confirmou uma conclusão anterior reportada pelo California Legislative Analyst’s Office que construir mais unidades de moradia de mercado reduziria os deslocamentos.

Implicações para política pública: o custo de requerimentos inclusivos

O que o artigo de Mast mostra é que o efeito sucessivo de construir mais unidades de moradia no topo do mercado tem um efeito significativo e mensurável na disponibilidade de moradia em outros bairros e a outras faixas de preço. Isto realça o argumento econômico que construir mais unidades de moradia, mesmo a preços de mercado, é uma política crítica para promover a acessibilidade à moradia para famílias de rendas médias e baixas. Políticas que desincentivam a construção de novas unidades de moradia pelo mercado provavelmente prejudicarão a acessibilidade. Isto inclui políticas como o zoneamento inclusivo (exigindo a construção de unidades populares), que aumentam os custos de construção e desincentivam a construção de novas unidades pelo mercado. O estudo de Mast mostra que não é preciso uma grande redução na taxa de construção pelo mercado para eliminar todos os supostos ganhos de exigir que incorporadores construam unidades populares nos mesmos empreendimentos:

“Os resultados também são importantes para avaliar requerimentos de zoneamento inclusivo, que exigem que incorporadores custeiem um certo número de unidades populares a cada unidade de mercado construída. Minhas estimativas sugerem que os mecanismos de mercado criam um número maior de unidades acessíveis do que tais requerimentos. Ainda, elas sugerem que os requerimentos de acessibilidade possam levar a um decréscimo líquido no estoque disponível de unidades acessíveis. Dado que cada unidade de moradia a preços de mercado gera 0,6 unidades equivalentes em áreas de rendas abaixo da mediana, a perda de unidades equivalentes nestas áreas será maior que o ganho em unidades populares se cada unidade popular desincentivar mais de 1,67 unidades a preço de mercado.”


Texto publicado originalmente em CityCommentary em 15 de abril de 2019. Traduzido por Anthony Ling.

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