Analisando sistemas de ônibus de diferentes cidades brasileiras
Foto: Itawi Albuquerque/Secom Maceió

Analisando sistemas de ônibus de diferentes cidades brasileiras

Os contrastes e semelhanças entre as diferentes cidades na gestão do transporte público coletivo revelam deficiências, pontos de atenção e oportunidades de melhoria.

1 de dezembro de 2025

Segundo o IBGE, mais de 20% dos brasileiros usam o sistema de ônibus em seus deslocamentos para trabalho e estudo. Essas quase 15 milhões de pessoas, porém, têm experiências distintas. De Norte a Sul de um país com dimensões continentais, a forma como os municípios gerem os seus sistemas de transporte varia significativamente. O que essas variações nos ensinam sobre as cidades brasileiras? E como elas podem ajudar a apontar caminhos para melhorias no sistema?

A Análise Comparativa do Instituto MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte), publicada em 2025, ajuda a responder essas questões. A partir de um levantamento de dados realizado em 16 cidades e regiões metropolitanas (contemplando todas as regiões do país), foram analisados indicadores como idade das frotas, extensão média das linhas, quantidade de passageiros por dia, tarifas, subsídios, etc. A seguir, estão algumas das principais observações.

Distâncias e densidade populacional

Na análise da extensão média das linhas dos ônibus (em quilômetros), a cidade de Brasília se destacou com 40 km — mais de 20% a mais que a segunda colocada, Salvador, com 33 km. O estudo comenta que essa diferença pode ser compreendida pela baixa densidade demográfica e o grande território do Distrito Federal. Os dados sobre a quilometragem produtiva e o IPK (Índice de Passageiros por Quilômetro) também corroboram com esse resultado. Entre as cidades analisadas, os veículos do Distrito Federal são os que percorrem mais quilômetros em média, e é a cidade com menos passageiros por quilômetro (indicando uma baixa renovação de passageiros, típica de movimentos pendulares). 

As expressivas distâncias percorridas pelos ônibus de Brasília refletem a distribuição espraiada das pessoas no território e apontam para uma realidade na qual as viagens são mais longas e a produtividade do sistema é menor, tornando-o também mais custoso. Esses resultados apontam para uma lógica fundamental e constantemente esquecida nas decisões de planejamento urbano: a eficiência do transporte de massa depende, inevitavelmente, de densidade populacional.

Mancha urbana de Brasília, com longas distâncias entre os bairros. Imagem: Google Earth

Qualidade e velocidade

A principal insatisfação dos brasileiros com o transporte de massa está na falta de qualidade do sistema. Isso envolve aspectos como desconforto, lotação e tempos de viagem. Na pesquisa do Instituto MDT, a maioria das cidades analisadas tem um Índice de Qualidade do Transporte (IQT), medindo principalmente a ocorrência de irregularidades e o cumprimento das viagens programadas. O Índice pode acarretar, por exemplo, na aplicação de penalizações aos operadores. Porém, a participação efetiva dos passageiros nessas avaliações e a concretização das consequências previstas são incertas em alguns casos. 

Quando questionadas sobre a existência de pesquisas sistemáticas para mapear a percepção dos usuários sobre o sistema, a maioria das cidades informou não ter esses dados. As exceções foram Goiânia, Porto Alegre, Salvador e São Paulo. Destes, o trabalho mais representativo é o da capital paulista, que aplica um questionário de 100 perguntas junto a 8 mil passageiros regulares do sistema, avaliando conforto, rapidez, regularidade, segurança, etc. 

A velocidade média da operação — que também pode ser um indicador da qualidade — apresenta pouca variação entre as cidades analisadas. A menor é a de Fortaleza, com 15,76 km/h, e a maior é a da região metropolitana de Vitória, com 20,69 km/h. A destinação de faixas e corredores exclusivos, fator determinante para uma velocidade maior, se mostrou pouco expressiva em quase todas as cidades. Apenas São Paulo, Distrito Federal e Porto Alegre possuem mais de 50 km de corredores ou faixas exclusivas ou preferenciais. 

Apesar do estudo não abordar essa questão, uma alternativa para melhorar a velocidade média dos ônibus, além de mais corredores exclusivos, seria a implementação de uma taxa de congestionamento. Conforme os resultados dos exemplos de Londres, Singapura e Estocolmo, a taxa melhora a distribuição do uso viário e diminui a quantidade de carros nas ruas, beneficiando o transporte coletivo.

Leia mais: Carro ou ônibus: quem é mais eficiente no transporte de passageiros?

Algo que também chama atenção sobre a velocidade média dos ônibus no geral é que ela não é muito diferente da velocidade média de uma bicicleta convencional. Isso pode indicar que se as cidades brasileiras tivessem uma infraestrutura mais robusta de ciclovias conectadas e protegidas, parte desses deslocamentos de ônibus poderiam ser substituídos por esse outro modal, talvez até com mais rapidez, flexibilidade e menos custo no longo prazo. Com a expansão das bicicletas elétricas, o impacto poderia ser ainda maior.

Custo e financiamento

As estratégias de financiamento do transporte público no Brasil enfrentam, de antemão, uma barreira muito conhecida: a falta de transparência na gestão. O estudo do Instituto MDT evidencia isso ao relatar o esforço para a obtenção de dados sobre o custo total das operações. “Das 12 capitais que enviaram os dados para o MDT, exatamente metade delas simplesmente não informou o custo total do sistema, o que desencadeou um processo de desinformação (…)”. Como discutir questões como subsídios, tarifas e benefícios se é tão difícil ter acesso a um dado tão simples e essencial?

Os subsídios, por sua vez, apresentam grande variação entre as cidades analisadas. Exceto Belém, todas indicam ter algum tipo de desembolso do tesouro municipal para o financiamento do sistema. Curitiba e Campo Grande são as com os menores subsídios, R$ 27 milhões anuais cada. A capital paranaense foi a única do estudo que indicou contar com um fundo de transporte público, o que possivelmente está relacionado com esse valor menos expressivo de subsídios. O Fundo de Urbanização de Curitiba (FUC) é administrado pela empresa URBS, responsável por gerir o sistema de transporte, e sua receita vem, por exemplo, da locação de salas e quiosques nos terminais rodoviários.

Em contraste, São Paulo e Brasília despendem impressionantes R$ 6,6 bilhões e R$ 1,7 bilhão anuais em subsídios, respectivamente. O valor do subsídio por passageiro, no entanto, é maior em Brasília, e representa quase 75% do custo total do sistema (em São Paulo é 55,6%). Em Porto Alegre, Palmas e Fortaleza, apesar dos subsídios ultrapassarem R$ 30 milhões anuais, eles representam menos de 15% do custo total informado do sistema.

Subsídios às empresas de ônibus em São Paulo nos últimos anos. Gráfico: Caos Planeado, com base em dados oficiais da Prefeitura de São Paulo

As tarifas técnicas de cada cidade — custo global do sistema por passageiro — , também apresentaram diferenças significativas. Belém, Campo Grande, Porto Alegre e Salvador possuem valores entre R$ 5,00 e R$ 6,00. Enquanto isso, São Paulo e Goiânia têm quase o dobro: R$ 11,78 e R$ 9,89, respectivamente. As tarifas efetivamente cobradas dos passageiros, porém, não refletem diretamente esse valor calculado. Isso pode ser explicado pelas diferenças de subsídios, gratuidades concedidas, vontade política, etc.

Demanda pós-pandemia 

Por fim, a análise aborda uma questão recorrente nas discussões atuais sobre os sistemas de transporte por ônibus: a queda na demanda. Entre 2019 e 2023, apenas a região metropolitana de Vitória apresentou uma alta, de apenas 6%. Todas as outras cidades tiveram um declínio na demanda, e alguns foram mais expressivos, como em Curitiba (22%), Porto Alegre (32%), Salvador (23%), São Paulo (25%) e Fortaleza (41%). 

Leia mais: Podcast #121 | Superando a crise no transporte coletivo

O estudo deixa claro, porém, que essa redução do número de passageiros se dá por diversos motivos, como a migração para o transporte individual motorizado, as políticas de estímulo à compra de carros e motocicletas, a expansão do transporte por aplicativo e até o próprio desenho viário, tendo a pandemia apenas agravado o quadro. O caminho para a recuperação passa, necessariamente, pela requalificação dos sistemas de ônibus.

As leis que definem o uso do solo, a densidade, a diversidade e o acesso à moradia influenciam diretamente no sucesso ou no fracasso do transporte coletivo.

Em tempos em que se discute a implantação de um sistema único de transporte no Brasil, com inspiração no Sistema Único de Saúde (SUS), é importante lembrar que as realidades do transporte coletivo por ônibus são bastante heterogêneas país afora. Como mostra o estudo do Instituto MDT, isso é revelado nos mais diversos aspectos de gestão, financiamento e operação.

É evidente, também, que muitos dos problemas a serem enfrentados para melhorar o transporte por ônibus são estruturais, e envolvem transparência, capacidade institucional e até outras políticas do planejamento urbano. As leis que definem o uso do solo, a densidade, a diversidade e o acesso à moradia influenciam diretamente no sucesso ou no fracasso do transporte coletivo. A articulação entre essas diferentes áreas é fundamental.

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