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Uma das correntes mais recentes de planejamento urbano defende o chamado “Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável”, ou “DOTS”. O termo é uma tradução do inglês Transit Oriented Development, ou “TOD”, que visa permitir o aumento de construções (“desenvolvimento”) ao longo de redes de “transporte sustentável”, ou seja, transporte público de massa como ônibus ou metrôs. Na ausência da adjacência a tais redes de transporte, normalmente dentro dos bairros, a quantidade de construções continuaria sendo restrita. A ideia é um tanto baseada no modelo de Curitiba, que permitiu o adensamento construtivo e populacional ao longo dos corredores de BRTs. A imagem acima claramente mostra esse efeito: há prédios altos e com recuos mínimos ou ausentes ao longo dos corredores, mas há uma queda brusca na intensidade de ocupação do solo nas ruas adjacentes, que estariam menos atendidas pelo BRT.
A mesma lógica está sendo implementada no novo Plano Diretor de São Paulo: houve um aumento do potencial construtivo ao longo de corredores servidos por transporte de massa, mas uma manutenção da característica de densidades e alturas de edificações mais baixas no interior dos bairros.
A solução do DOTS certamente é uma evolução do modelo anterior, onde desenvolvimento era muito mais restrito apesar de estarem sendo atendidas por transporte de massa. Inclusive, como já comentei em outros artigos, as baixas densidades prejudicam a viabilidade de tais transportes, que dependem de ganhos de escala de aglomerações intensas para funcionarem adequadamente.
Acredito que são vários os fatores que justificam a atratividade do DOTS no planejamento urbano de hoje. Ele permite viabilizar transporte público, aumentar o estoque de moradia nas regiões centrais e, ainda, atender expectativas de moradores no interior dos bairros que normalmente gostam de manter as características originais de quando compraram ou alugaram seus imóveis originalmente.
No entanto, não me tornei um amplo defensor do DOTS porque ele continua favorecendo os moradores no interior dos bairros em detrimento de outros que são pressionados para as periferias. A solução através de DOTS tem uma lógica correta ao olhar para a escala do bairro, tentando “organizar” a intensidade do uso do solo de acordo com quanto o local é servido de transporte público ou de vias principais.
Por outro lado, o DOTS deixa de levar em consideração que toda unidade que deixa de ser construída no interior de um bairro obrigatoriamente é jogada para a periferia da cidade, gerando deslocamentos e custos de infraestrutura ainda maiores.
Certamente não é o mesmo morador que estaria na região central que iria para a periferia distante, mas tal distanciamento do centro ocorre como resultado de um efeito em cascata de vários moradores que não tem acesso às opções de moradia das regiões mais demandadas.
Então quais seriam as consequências se o adensamento fosse permitido também no interior dos bairros, não servidos diretamente por redes de transporte de massa?
Devemos ter em mente que permitir adensamento no interior dos bairros não significa que todos os bairros serão adensados imediatamente sofrendo um boom construtivo. Há regiões mais demandadas que outras, e o custo de redesenvolvimento é relativamente alto considerando um interior de bairro já ocupado, muitas vezes, por edifícios de oito ou nove andares como sugerido pelo Plano Diretor de São Paulo.
Para que ocorra o redesenvolvimento de uma edificação deste tamanho a demanda para ocupar a terra deve ultrapassar suficientemente os custos de transação para justificar tal empreendimento – o que significa que, neste caso, realmente há uma enorme pressão para ocupar a região que está restrita pela legislação.
Bairros menos demandados não sofrerão tal adensamento e continuarão disponíveis para quem preferir características menos intensas ou cosmopolitas. Quando pensamos na dinâmica da cidade como um todo devemos ter em mente que opções de moradia de densidades mais baixas sempre estarão disponíveis, embora talvez um pouco distantes das zonas mais centrais. No entanto, quem deve sofrer com o trade-off da distância é quem opta por uma vida menos urbana, e não o contrário.
Nos bairros onde tal adensamento ocorrer, gerando uma ocupação mais intensiva do solo que responde a uma demanda real por espaço, ocorrerão ganhos de escala em seu microcosmo, aproximando e atraindo atividades assim como aumentando ainda mais a eficiência de transportes de massa.
É possível que, dependendo da intensidade de tal ocupação, a região necessite de incrementos na capacidade deste transporte, mas o custo por habitante ainda será menor do que em um cenário de espraiamento horizontal.
Há alegações frequentes de que tal adensamento levaria a grandes congestionamentos pela dificuldade de escoamento de tráfego, mas discordo desta hipótese dado que o bairro eventualmente se tornaria totalmente caminhável, dispensando quase inteiramente o uso do automóvel individual.
Por fim, devemos lembrar que isso certamente implica na transformação das características do bairro, mas acredito que transformação faz parte da vida em cidade. Devemos lembrar que nenhuma cidade existiria – nem mesmo os edifícios de oito andares que estão propondo preservar — se os seus primeiros moradores impedissem a entrada de novos vizinhos alegando que estes estavam mudando seu estilo de vida. A vida em cidade é, por definição, uma vida de densa aglomeração de pessoas.
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Existe ainda outro fator fundamental na discussão sobre adensamento urbano. Neste caso, deve-se levar em consideração a interferência da verticalização nas condições climáticas da cidade. É fundamental que o campo de discussões sobre causas e consequências do adensamento urbano seja ampliado e não se limite as questões de transporte.
Oi Ruan, obrigado pela leitura e pelo comentário. No meu entendimento não nos limitamos à questão de transporte, endereçando esta questão no seguinte parágrafo:
“Bairros menos demandados não sofrerão tal adensamento e continuarão disponíveis para quem preferir características menos intensas ou cosmopolitas. Quando pensamos na dinâmica da cidade como um todo devemos ter em mente que opções de moradia de densidades mais baixas sempre estarão disponíveis, embora talvez um pouco distantes das zonas mais centrais. No entanto, quem deve sofrer com o trade-off da distância é quem opta por uma vida menos urbana, e não o contrário.”
Como já comentei no capítulo do Guia de Gestão Urbana sobre limites de altura (https://caosplanejado.com/eliminacao-dos-limites-de-altura-para-novas-construcoes-guia-de-gestao-urbana/), o adensamento construtivo e a densidade de edifícios altos pode sim gerar ilhas de calor e canalização de ventos para a calçada. No entanto, nota-se que mesmo perante estes fatores muitos ainda preferem morar nos centros urbanos, como é o caso de grandes cidades como Nova York ou São Paulo.
COMENTÁRIOS
Existe ainda outro fator fundamental na discussão sobre adensamento urbano. Neste caso, deve-se levar em consideração a interferência da verticalização nas condições climáticas da cidade. É fundamental que o campo de discussões sobre causas e consequências do adensamento urbano seja ampliado e não se limite as questões de transporte.
Oi Ruan, obrigado pela leitura e pelo comentário. No meu entendimento não nos limitamos à questão de transporte, endereçando esta questão no seguinte parágrafo:
“Bairros menos demandados não sofrerão tal adensamento e continuarão disponíveis para quem preferir características menos intensas ou cosmopolitas. Quando pensamos na dinâmica da cidade como um todo devemos ter em mente que opções de moradia de densidades mais baixas sempre estarão disponíveis, embora talvez um pouco distantes das zonas mais centrais. No entanto, quem deve sofrer com o trade-off da distância é quem opta por uma vida menos urbana, e não o contrário.”
Como já comentei no capítulo do Guia de Gestão Urbana sobre limites de altura (https://caosplanejado.com/eliminacao-dos-limites-de-altura-para-novas-construcoes-guia-de-gestao-urbana/), o adensamento construtivo e a densidade de edifícios altos pode sim gerar ilhas de calor e canalização de ventos para a calçada. No entanto, nota-se que mesmo perante estes fatores muitos ainda preferem morar nos centros urbanos, como é o caso de grandes cidades como Nova York ou São Paulo.
Abs
Anthony