Acessibilidade como métrica de gestão da mobilidade
Imagem: Valter Pontes/Prefeitura de Salvador.

Acessibilidade como métrica de gestão da mobilidade

Reduzir os tempos de viagens de todos as pessoas, de modo a aumentar a acessibilidade potencial, principalmente a empregos, deve ser um dos principais indicadores de gestão da mobilidade urbana.

18 de janeiro de 2021

A acessibilidade é um conceito que pode ser definido como a quantidade de destinos que alguém consegue chegar — ou acessar — em um determinado período de tempo. Estes destinos podem ser empregos, serviços de saúde, educação, lazer e consumo. No livro “Order Without Design,” Alain Bertaud enfatiza a importância desse conceito e apresenta formas de o operacionalizar no dia a dia da gestão da mobilidade urbana. Ele considera que reduzir os tempos de viagens de todos as pessoas, de modo a aumentar a acessibilidade potencial, principalmente a empregos, deve ser um dos principais indicadores de gestão da mobilidade.

Bertaud mostra que a grande vantagem das metrópoles para os migrantes rurais foi oferecer uma oferta potencial de postos de trabalho e, consequentemente, vários serviços numa área territorial pequena, que podem ser acessados em pouco tempo. Apesar de associarmos os engarrafamentos às cidades grandes, são ainda nesses lugares onde se consegue chegar mais rápido aos destinos, quando comparados com as zonas rurais e de baixa densidade.

Um dos pesquisadores com trabalho relevante nesta área é o professor David Levinson da Universidade de Sydney, fundador do “Accessibility Observatory”, observatório onde são produzidos mapas e relatórios de acessibilidade para diversas metrópoles como os mapas abaixo.

Nos mapas, podemos observar que, em Miami, a acessibilidade potencial a empregos em carro particular é muito maior que em transporte público: em 30 minutos de carro, um trabalhador consegue, em média, acessar mais de 500 mil empregos, enquanto de transporte público, pouco mais de 15 mil empregos!

Operacionalizando o conceito de acessibilidade: planejamento urbano x gestão urbana

Este padrão desigual de acesso às oportunidades por meio de transporte é comum a muitas cidades. No entanto, a desigualdade no acesso não se limita ao meio de transporte, mas também a localização das origens e destinos. Cidades com maior mistura de usos do solo na periferia aproximam origens e destinos diversos. Haverá, invariavelmente, uma concentração de empregos no centro mas, se tivermos mais lazer, serviços de saúde, educação, comércio e serviços nas periferias, os níveis de acessibilidade vão aumentar, sem a necessidade de investimentos significativos em infraestruturas de transporte. Para isso, uma opção possível passa pela flexibilização das leis de zoneamento e dos planos diretores, permitindo assim a mistura de usos do solo de forma mais equilibrada por todo o território municipal.

Um dos argumentos muitas vezes levantado no aqui no Caos Planejado é como as prefeituras não medem, efetivamente, o desempenho dos planos diretores. Como já referido, a incorporação desta métrica no planejamento urbano implicaria a alterações a nível estratégico, tais como o relaxamento das leis de zoneamento, de forma a permitir o adensamento e misturas de usos na periferia, e o planejamento de transportes voltado à diminuição dos tempos de viagem médios para todos os usuários do sistema de transporte (não só para os motoristas do carro particular) e, também, para todos os motivos de viagem (não só para os deslocamentos casa–trabalho ou casa–escola).

Parafraseando Enrique Peñalosa, a grande diferença entre ricos e pobres não se nota no acesso ao trabalho, mas sim ao lazer. O sistema de transporte está organizado para que todos possam chegar ao trabalho, em média, de forma rápida. Mas e o lazer ao fim do dia ou fins de semana? Um morador de um complexo habitacional do programa Minha Casa, Minha Vida quase não tem acesso, em tempo hábil, ao lazer. Está ilhado em sua casa. Nem os filhos podem brincar na rua, então o que sobra é a televisão. Resumindo, a mania dos políticos de construírem grandes parques e jardins deveria ser deixada de lado: custam caro e incentivam as viagens de carro. Deveriam construir — e manter! — pequenos parques nos bairros.

Já no âmbito da gestão urbana, acessibilidade pode ser monitorada pelos tempos de viagem. Hoje em dia, com a informação abundante de localização coletada pela Google, é possível monitorar, diariamente, os tempos de viagem da população. Sobre este indicador, o governo local pode atuar tentando reduzir esses tempos, tanto através do planejamento urbano a nível estratégico, como através de pequenas alterações à malha viária a nível operacional.

O caminho para a operacionalização deste indicador é promissor. No Brasil, o IPEA está desenvolvendo o “Projeto Acesso a Oportunidades”, que visa “compreender as condições de transporte e de desigualdades de acesso a oportunidades nas cidades brasileiras.” Os primeiros resultados (2019) apresentam dados sobre as 20 maiores cidades do país para os modos de transporte: Transporte Público + Ativo e Transporte Ativo. São apresentados dois indicadores para as oportunidades tipo “Trabalho”, “Saúde” e “Educação”: Percentagem de Oportunidades Acessíveis e Minutos até a oportunidade mais próxima.

Mapa de acesso a oportunidades em Recife.

Rafael Pereira, coordenador desse projeto, possui um currículo extenso na área. Ele também colaborou na produção do “Transport Access Manual: A Guide for Measuring Connection between People and Places”, um guia que auxilia na quantificação e avaliação da acessibilidade e ajuda profissionais de transporte e planejamento urbano a obter uma visão mais abrangente de sua cidade ou região. Um exemplo recente da tentativa de operacionalizar este conceito vem de Paris. A prefeita Anna Hidalgo tem avançado com a ideia da Cidade de 15 minutos, que busca aproximar origens e destinos num raio de 15 minutos a pé ou de bicicleta.

Quando David Levinson fala que a cidade é uma máquina de acessibilidade e o carro é uma máquina de mobilidade, ele tenta explicar que o centro das cidades é um lugar que permite alguém chegar a vários destinos em pouco tempo. Este padrão de ocupação do solo combinado com um bom sistema de transporte deve ser estendido para outras zonas da cidade, reduzindo assim os tempos de viagem e aumentando os acessos às oportunidades para todos os cidadãos.

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