A teoria dos jogos do zoneamento

A teoria dos jogos do zoneamento

Os que defendem uma maior liberdade construtiva muitas vezes criticam os NIMBYs como não cooperativos e egoístas. No entanto, não é assim que eles se vêem.

15 de janeiro de 2019

Os que defendem uma maior liberdade construtiva muitas vezes criticam os “NIMBYs”, (Not in My Backyard), ou “Não no Meu Quintal” (em tradução livre) como sendo não cooperativos e egoístas. No entanto, não é assim que os chamados NIMBYs se vêem. A diferença é uma questão de granularidade da análise utilizada.

Individualistas x Localistas

Uma pergunta que ouço muito é: “Por que os proprietários de imóveis NIMBYs apoiam as leis de zoneamento? Não é do interesse deles permitir o maior e melhor uso para que possam vender suas propriedades pelo maior preço possível? Não querem eles liberdade para fazer o que bem quiserem com seus terrenos?”. Em um primeiro momento, esta análise está correta. Os proprietários de imóveis querem ter total liberdade para construir o que quiserem em sua propriedade (ou para vender para alguém que queira). Vamos chamar isso de perspectiva Individualista.

No entanto, o cálculo muda quando se diminui o zoom e passa-se a considerar a vizinhança como um todo. A utilidade para um proprietário específico se torna dominada pelas ações de seus vizinhos, e não pelas suas. Para ser mais preciso:

• Estamos considerando proprietários individuais como nossa unidade básica de análise;

• Estamos visando o máximo de bem-estar para um bairro, ou seja, para um grupo destes proprietários individuais que têm que lidar com as ações uns dos outros.

Imagine que você mora em um bairro suburbano com muitas casas unifamiliares. Existem dez lotes na quadra, e um deles é vendido para um incorporador que destrói a pequena casa existente e a substitui por um enorme edifício de apartamentos. O que vendeu para o incorporador está feliz pois acabou de ganhar um monte de dinheiro, mas as outras nove famílias agora têm que lidar com a obra, com uma grande mudança no design físico do bairro e com uma mudança no tipo e número de vizinhos. Isso não significa que eles necessariamente terão aversão à mudança, mas esse fato traz um risco ao modo de vida deles. Como cada proprietário tem mais vizinhos do que lotes para vender, é mais provável que se esteja do lado perdedor do negócio do que do lado vencedor. Assim, os proprietários estão dispostos a sacrificar uma certa liberdade no potencial construtivo que possuem (ou que algum comprador possuiria) no lote para então adquirir o controle sobre o comportamento de seus vizinhos.

De uma forma mais ampla: em um mesmo ano, é improvável que um proprietário em particular venda, mas é muito provável que alguém na vizinhança venda. Ou seja, ao somar todas as pequenas probabilidades individuais de venda se gera uma probabilidade muito maior de que a comunidade acabe mudando de maneira indesejada por algum vizinho. Com essa perspectiva em mente, a medida racional dos proprietários é trabalhar em conjunto para implementar restrições de zoneamento mais rigorosas a fim de reduzir o comportamento prejudicial de seus vizinhos. Vamos chamar isso de perspectiva Localista.

Sempre haverá alguns proprietários interessados em fazer algo mais controverso com sua propriedade do que em manter o status quo, então não é tão simples dizer que todos os vizinhos de repente trabalharão juntos no interesse geral da vizinhança. Em qualquer bairro existe sempre uma mistura de Individualistas e Localistas, e a proporção varia de lugar para lugar.

Em muitas comunidades nos EUA, os localistas levaram a melhor. Embora o acréscimo de restrições por meio de leis de zoneamento seja um pouco pior para cada proprietário isoladamente, elas impedem que cada um se comporte de maneira a prejudicar o bem-estar de todos os outros – pois, de novo: é mais provável encontrar-se no lado prejudicado do negócio do que no outro. O resultado: os vizinhos se auto-organizam para restringir o comportamento de todos em prol do bem maior da comunidade. Em outras palavras, leis restritivas de zoneamento que retardam o desenvolvimento são boas! Certo? Não tão rápido…

Localistas x Regionalistas

Vamos diminuir o zoom mais uma vez e considerar os bairros como nossa unidade básica de análise, em vez dos indivíduos que constituem um bairro. Crescimento e mudança são importantes para a saúde econômica de uma região, por isso é importante que haja espaço para o desenvolvimento como um todo, apesar da inconveniência a curto prazo. O desenvolvimento aumenta o tamanho do “bolo econômico” para todos a longo prazo. Isso levanta outra questão que eu ouço muito: “Se o desenvolvimento aumenta o valor de uma região no longo prazo, por que os proprietários não o apoiam? Não é isso algo que aumenta os valores de suas propriedades?”

Essa é uma boa pergunta! Essa narrativa do bolo crescente parece contradizer a crítica comum dos favoráveis ao desenvolvimento de que os NIMBYs estão apenas protegendo egoisticamente o valor de suas casas. Essa contradição pode ser resolvida se considerarmos as vastas diferenças entre (a) ramificações de longo x curto prazo e (b) ramificações comunais x pessoais.

No longo prazo, sim, um bom desenvolvimento melhora o destino de uma região, e a comunidade ficará melhor no geral. No entanto, a curto prazo, o desenvolvimento pode perturbar a vida cotidiana e os ganhos não serão distribuídos igualmente pela região. Como um exemplo concreto: digamos que desenvolvimento signifique construir uma nova estação de bombeiros. A região como um todo se beneficia – mais segurança contra incêndios! – mas os vizinhos da porta ao lado sofrerão com as sirenes que saem dia e noite. É importante não negligenciar os custos locais de curto prazo que os indivíduos tenham que arcar em troca de quaisquer benefícios globais de longo prazo que possam existir.

Esses custos são aqueles arcados pelos proprietários individuais, os mesmos custos que contribuem para que cada bairro tenda a cooperar internamente a fim de retardar o desenvolvimento local. Uma região pode se beneficiar com o desenvolvimento, mas uma região é formada por bairros, e nenhum deles quer suportar o impacto dessa mudança.

Novamente, para ser preciso:

• Estamos considerando os bairros como nossa unidade básica de análise, e

• Estamos visando o máximo de bem-estar para uma região, ou seja, para um grupo de bairros.

Para resolver esse problema, os bairros precisam cooperar uns com os outros. Chamaremos os que defendem esse tipo de cooperação entre bairros de Regionalistas. Ironicamente, seus objetivos se assemelham bastante com o que os Individualistas sempre defenderam: permitir o desenvolvimento. A diferença é que desta vez a ideia é punir os bairros que “conspiram” em restringi-lo. Desta vez, a tensão não é Individualistas x Localistas, mas sim Localistas x Regionalistas.

Uma dinâmica interessante para observar aqui:

• Os “fins” dos Individualistas e Regionalistas são muito semelhantes. Ambos querem remover os controles de zoneamento para permitir o desenvolvimento.

• Os “meios” dos Localistas e Regionalistas são muito parecidos. Ambos restringem o comportamento da camada abaixo (Localistas sufocando Individualistas, Regionalistas sufocando Localistas) para obter o resultado pretendido.

Individualistas e Regionalistas são companheiros estranhos. Na prática eles podem formar uma coalizão para derrotar os Localistas, mas eles tendem a discordar em outras coisas, e o mesmo poder que eles podem juntar aqui para restringir o comportamento local pode também ser usado em outros domínios para subjugar outros objetivos Individualistas. Como resultado, pode ser intimidador para os Individualistas cooperarem com os Regionalistas.

E daí?

Em conversas sobre moradia, os Regionalistas tendem a condenar os Localistas como egoístas e não cooperativos, quando na verdade isso é uma questão de qual nível de análise se está levando em consideração. Esses Localistas estão concentrados no nível de sua comunidade local e vêem suas ações como algo que maximiza o valor para todos nela; os críticos focam a partir de um zoom mais afastado e vêem que esse comportamento local cria problemas globais para o sistema. Ambos os níveis de análise estão corretos. O desafio é determinar qual deve prevalecer sobre o outro e sob quais circunstâncias.

Isso envergonha algumas das retóricas usadas por ambos pró e anti-desenvolvimento:

• Ambos os grupos afirmam que estão protegendo “o bem maior”, mas não é tão claro o que isso significa. Estamos falando sobre o bem do nosso bairro ou o bem da nossa região?

• Ambos os grupos também afirmam que estão apoiando a “independência” e a “autodeterminação”, mas novamente depende do nível de análise em consideração. Por um lado, os Localistas querem tomar decisões sobre como suas comunidades funcionam, enquanto, por outro lado, os Individualistas querem tomar decisões sobre como usar sua própria propriedade.

• Também não é tão claro o que significa ter “autodeterminação”. Estamos falando de liberdade para agir como quisermos ou liberdade para o mundo mudar sem o nosso controle? Ambos os grupos afirmam que estão protegendo “o bem maior”, mas não é tão claro o que isso significa. Estamos falando sobre o bem do nosso bairro ou o bem da nossa região?

Ambos os grupos também afirmam que estão apoiando a “independência” e a “autodeterminação”, mas novamente depende do nível de análise em consideração. Por um lado, os Localistas querem tomar decisões sobre como suas comunidades funcionam, enquanto, por outro lado, os Individualistas querem tomar decisões sobre como usar sua própria propriedade.

Também não é tão claro o que significa ter “autodeterminação”. Estamos falando de liberdade para agir como quisermos ou liberdade para o mundo mudar sem o nosso controle?

Costumo ser muito mais uma Regionalista (ou, às vezes, Individualista) do que uma Localista. No entanto, simpatizo com o dilema que os Localistas enfrentam. Sua casa é onde eles moram, onde criaram seus filhos, e na maioria das vezes seu maior patrimônio. Isto, obviamente, não lhes dá um passe livre. Mas em vez de demonizá-los como egoístas ou irracionais, é importante entender de onde eles surgem.

Texto publicado originalmente no site Devon Zuegel em 16 de novembro de 2018. Traduzido para o português por Antônio Renner, com revisão de Anthony Ling e Gabriel Lohmann .

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COMENTÁRIOS

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  • Poxa, meio difícil de entender… talvez a tradução devesse ter se esforçado um pouco mais… “Região” aqui tem outra conotação, pois não temos distritos. Além do mais o texto faz parecer que não existem interesses por parte de diferentes grupos sociais, como se fôssemos totalmente livres para sermos “localistas”, “individualistas” ou “regionalistas”. Quem seriam, se fato, cada um desses grupos? A argumentação é baseada em lógica, como sugere o próprio título, mas encontra dificuldade em se ver representada na nossa realidade, me parece.

    • Olá Guilherme, uma pena a tradução não ter atingido às suas expectativas. Revisei o texto novamente e não encontrei palavra mais adequada para usar ao invés de “região”. Fiz a escolha da palavra por ter uma conotação mais aberta: fora regiões metropolitanas, que são definidas pelo termo, a palavra “região” normalmente não denota uma divisão legal municipal específica, e é usada de forma mais ampla para descrever, enfim, uma região da cidade. A palavra “zona” poderia ser uma opção, mas é muito mais frequente e precisa em planos diretores. Distritos, como você mencionou, também denotam uma organização de gestão urbana específica que é rara no Brasil. Se você tiver alternativas melhores para a palavra estou aberto a sugestões.

      Quanto aos grupos sociais, talvez você tenha tido uma interpretação diferente da autora. Não são grupos sociais mas sim perspectivas de proprietários e moradores de uma determinada região em relação a sua cidade. Não é uma análise sobre grupos de pressão em política local, por exemplo. Nesse sentido, o morador ou proprietário é “livre” para ter a perspectiva que quiser, embora certamente influenciado por sua própria bagagem intelectual em relação à sociedade em que vive.

      Espero que tenha esclarecido algumas de suas dúvidas.

      Anthony Ling
      Editor

    • Oi, Diego,
      Ficamos muito felizes pelo elogio e por acompanhar nosso trabalho.
      Tem toda razão, muito obrigado pela correção. Vamos fazer o ajuste.
      Abraço!