8 maneiras de promover trânsito seguro e espaços públicos de qualidade
Imagem: NACTO.

8 maneiras de promover trânsito seguro e espaços públicos de qualidade

Áreas de trânsito calmo são uma das abordagens que conciliam segurança viária e espaços públicos de melhor qualidade.

13 de junho de 2022

É preciso desacelerar o trânsito nas cidades brasileiras — e rápido. Esta é uma questão de saúde pública, já que sinistros de trânsito estão entre as principais causas de morte em todo o mundo. E uma questão de qualidade de vida e equidade, já que cidades que reduzem efetivamente as velocidades dos veículos tornam-se mais seguras, acolhedoras e vibrantes para todas as pessoas.

Apesar de exemplos positivos em muitos países, a primeira Década de Ação pela Segurança no Trânsito da ONU terminou sem que o mundo atingisse a meta de reduzir em 50% as mortes e lesões no trânsito. Nova década, nova tentativa, mesma meta: desta vez, temos até 2030 para cortar à metade o número de vidas perdidas nas ruas e estradas do planeta.

Sabemos que erros humanos eventuais são inevitáveis, mas mortes e lesões graves no trânsito não o são. Cidades precisam seguir bons exemplos, como o de Fortaleza, que salvou muitas vidas e atingiu a meta da ONU por meio de uma abordagem proativa de sistema seguro.

Conheça, a seguir, algumas abordagens e conceitos que têm sido implementados no Brasil e no mundo para promover a segurança viária e espaços públicos de qualidade.

1. Redução de velocidades

A velocidade é o principal fator de risco para mortes e lesões decorrentes de sinistros de trânsito. Em países de renda média e baixa, as velocidades veiculares são o principal fator em quase metade dos sinistros. Por isso, a Segunda Década de Ação pela Segurança Viária da ONU recomenda o limite de até 30 km/h para a maioria das vias urbanas. Várias cidades e países já começaram a colocar a recomendação em prática.

A redução tem benefícios comprovados para a segurança viária. Reduzir em 5% as velocidades médias de uma via pode resultar em uma redução de até 30% nas fatalidades. Além disso, velocidades mais baixas significam menos emissões de carbono e poluição do ar e sonora, o que contribui para o bem-estar das pessoas, a qualidade do ambiente urbano e para atingir os compromissos de mitigação climática.

O risco de um pedestre ou ciclista morrer no trânsito em uma colisão aumenta conforme a velocidade do veículo.

2. Áreas de trânsito calmo e ruas completas

O desenho das vias tem grande impacto nas velocidades praticadas pelos motoristas. Uma das maneiras mais efetivas de reduzir velocidades é a combinação de limites mais baixos com medidas de moderação do tráfego, como lombadas, travessias elevadas, extensões de calçada e ajustes nos raios de curvatura das esquinas. O Guia para Áreas de Trânsito Calmo do WRI traz orientações de como implementar áreas de trânsito calmo em diferentes contextos — de ruas de uso misto e alta densidade a ruas residenciais e áreas escolares.

Uma abordagem semelhante com vários exemplos implementados no Brasil são as ruas completas — intervenções que redistribuem o espaço das ruas protegendo os usuários mais vulneráveis. Em comum, além da segurança viária, essas intervenções ajudam a criar espaços públicos seguros, estimular a permanência e convivência entre as pessoas, o comércio e a economia.

3. Prioridade para a primeira infância

A cidade deve ser um espaço seguro para as crianças brincarem, explorarem e se desenvolverem. Sobretudo em cidades médias e grandes, isso tem se perdido. A promoção do trânsito seguro e de espaços públicos de qualidade com foco na primeira infância é importante porque as idades de 0 a 6 anos formam a principal fase de desenvolvimento das crianças. E espaços mais acolhedores para crianças são melhores para todos.

Praças qualificadas com foco na infância na Zona Leste de São Paulo
Praças qualificadas com foco na infância na Zona Leste de São Paulo. (Imagem: Leu Britto-Monomito Filmes/WRI Brasil)

No projeto Territórios Educadores, da prefeitura de São Paulo, o WRI Brasil apoiou intervenções para qualificar duas praças em territórios vulneráveis na Zona Leste da cidade, uma no Jardim Santo André, outra no Jardim Lapena. As intervenções melhoraram a qualidade do território e oferecem uma alternativa para o lazer e o desenvolvimento de crianças que antes não dispunham de locais adequados para brincar em segurança próximo de casa.

4. Ciclovias de qualidade

Carros a altas velocidades e a falta de infraestrutura adequada são barreiras à bicicleta nas cidades. Por outro lado, ciclovias bem projetadas promovem o aumento do uso da bicicleta e atraem novos ciclistas. É o que mostra a experiência de Buenos Aires, que em 2020 iniciou a expansão de sua rede de ciclovias, antes restrita a ruas secundárias, para importantes avenidas. Um ano após a implementação de ciclovias nas avenidas Córdoba e Corrientes, quadruplicou o número de ciclistas mulheres nessas avenidas.

A pandemia levou muitas cidades a acelerar a implementação de ciclovias. É fundamental que estas infraestruturas sigam parâmetros adequados. Um guia do WRI dá orientações para a implementação de ciclovias seguras em diferentes contextos — mesmo para ciclovias pop-up e emergenciais.

5. Intervenções rápidas para semear mudança

De parklets a ruas completas, muitas intervenções que tornam as ruas mais seguras e acolhedoras podem ser feitas de forma piloto, rápida e relativamente barata. Além dos benefícios diretos, essas ações são estratégicas para sair da inércia. Com benefícios imediatos, pequenas intervenções sensibilizam a comunidade ao permitir que as pessoas experimentem as ruas de uma nova forma e podem ser o primeiro passo para mudanças mais abrangentes.

Um caminho para intervenções rápidas é o urbanismo tático. Por utilizar materiais de baixo custo e rápida implementação — como pintura, tachões e balizadores —, o urbanismo tático permite testar os impactos das intervenções na segurança viária e na percepção dos usuários da via. É uma oportunidade de envolver a população desde a concepção até a implementação dos projetos, aumentando o engajamento local, a apropriação e o sentimento de pertencimento das comunidades.

6. Auditorias e inspeções de segurança viária

A abordagem de sistemas seguros requer do poder público postura proativa, e não apenas reativa. Isso inclui a revisão sistemática de projetos e vias para garantir as melhores condições de segurança viária para todos os usuários das vias — em especial, os mais vulneráveis. Auditorias e inspeções de segurança viária ajudam a identificar os pontos com mais problemas potenciais (como interseções com alta sinistralidade) e fornecem subsídios para as intervenções mais efetivas e adequadas ao contexto. O WRI, em parceria com o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), tem capacitado cidades no Brasil e na Argentina. Ações do tipo são cruciais para que cidades estejam capacitadas a realizar as inspeções e auditorias com base nas melhores práticas para segurança no trânsito.

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Auditorias permitem identificar potenciais problemas em projetos. (Imagem: WRI Brasil)

7. Planejamento de longo prazo e políticas robustas

A gestão eficaz da segurança viária baseada em uma abordagem de sistemas seguros traz desafios porque demanda investimentos de diferentes áreas do governo e o envolvimento da sociedade civil e do setor privado. Planos de segurança viária são uma ferramenta fundamental para ordenar as prioridades de gestão e definir as estratégias a serem implementadas, além de identificar as áreas responsáveis e os atores envolvidos em cada ação.

Cidades e países têm avançado em planos que incorporam a abordagem de sistemas seguros e estão alinhados aos objetivos da ONU de reduzir à metade as mortes e sinistros graves de trânsito até 2030. É o caso do Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), revisado por meio de processos participativos com especialistas e consultas públicas. Buenos Aires tem dado bons exemplos: lançou seu Segundo Plano de Segurança Viária em 2020 e agora desenvolve um plano de gestão de velocidades. O Rio de Janeiro também tem avançado na elaboração de um plano alinhado à agenda global.

8. Redes para catalisar mudança

Até alguns anos atrás, referências para embasar ações como as descritas aqui vinham de contextos distantes, como a Europa e Estados Unidos. Essa realidade vem mudando, e cidades brasileiras e latino-americanas têm despontado como líderes na segurança viária. Por meio a Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global (BIGRS), cidades como Fortaleza, São Paulo e Buenos Aires têm dado ótimos exemplos para a região.

A disseminação de bons exemplos tem potencial multiplicador. Foi assim com as ruas completas que se espalharam por cidades como Porto Alegre, Campinas, São José dos Campos e Recife. E tem sido assim com a rede Ruas Completas SP. Composta por 20 cidades paulistas, a rede tem fomentado trocas de experiência e de conhecimento para acelerar a execução de projetos e planos que melhorem a segurança, conforto e saúde dentro das cidades. A estrutura em rede ajuda a dar escala a projetos dentro da rede e fora dela, dado que as referências existentes são mais próximas do nosso contexto e encorajam outras cidades a implementarem intervenções semelhantes.

Trânsito seguro, cidades melhores

Além do objetivo maior de salvar vidas e proteger todas as pessoas, as medidas acima têm o potencial de melhorar a qualidade do ar, estimular o comércio e tornar as cidades mais acolhedoras. O trânsito violento afasta as pessoas do convívio e da permanência que o espaço urbano proporciona. Medidas que acalmem o tráfego, qualifiquem os espaços públicos e a infraestrutura de mobilidade, por outro lado, podem resgatar a cidade como lugar do encontro, do acesso a oportunidades e da catalisação de mudanças.

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Bruxelas é uma das cidades que têm adotado limites de 30 km/h na maioria das vias. (Imagem: Alain Rouiller)

A incorporação dessas abordagens de forma estratégica pode ajudar as cidades brasileiras a reduzirem à metade as mortes e lesões graves no trânsito até 2030. Mas não há transformação sem coragem para mudar. De intervenções rápidas a mudanças de paradigma no planejamento de longo prazo, não faltam bons exemplos e motivos para agir já.

Artigo publicado originalmente em WRI Brasil em maio de 2022.

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