Zoneamento e déficit habitacional em São Paulo
Imagem: Davidson Luna/Unsplash.

Zoneamento e déficit habitacional em São Paulo

Orientar o crescimento urbano é gerir uma cidade de forma a responder às demandas de onde as pessoas querem morar, e não fazer essa escolha por elas.

24 de abril de 2018

O portal Valor Econômico publicou recentemente o ótimo artigo Zoneamento: para quem e para quê.

O texto, que analisa os objetivos da regulação urbana de São Paulo e da Revisão da Lei de Zoneamento de 2016, conta com algumas propostas, que comento neste artigo. As diferenças entre as recomendações dos autores e a minha opinião são meros detalhes se compararmos com a proposta em nível amplo, mas acredito que esses detalhes valem a discussão.

O artigo sugere a utilização do IPTU ao invés da outorga onerosa como mecanismo de regulação. Antes de mais nada, devo ressaltar que ambos mecanismos podem ter efeitos muito semelhantes, dependendo dos detalhes do seu desenho.

O modelo do IPTU variado conforme disponibilidade de infraestrutura, no entanto, toma um papel mais direcionador em relação ao crescimento da cidade, penalizando objetivamente aqueles que decidirem morar distantes do centro.

Na minha filosofia urbana, uma forma interessante de orientar o crescimento urbano é gerir uma cidade de forma a responder às demandas de onde as pessoas querem morar, e não fazer essa escolha por elas.

O modelo proposto no artigo parece tomar este juízo de valor, incentivando o adensamento populacional. Não acredito que adensamento populacional seja inerentemente bom ou ruim, mas apenas o resultado das preferências dessas pessoas.


Uma forma interessante de orientar o crescimento urbano é gerir uma cidade de forma a responder às demandas de onde as pessoas querem morar, e não fazer essa escolha por elas.


O problema surge quando o adensamento populacional — que tem, sim, ganhos de eficiência em infraestrutura — é uma alternativa de moradia restrita pelos planos implementados na cidade. Por isso a minha preferência, citada no Guia de Gestão Urbana, em manter o uso da outorga como instrumento que direciona o crescimento apenas ao incentivar o seu uso onde a moradia é mais cara e onde há maior oportunidade de lucro pelo incorporador que utiliza a outorga. Isso ajuda, também, a equilibrar os preços imobiliários na cidade, pois a oferta passa a ser direcionada para essas regiões. Se alguém decidir construir em uma região mais distante (normalmente onde preços imobiliários são menores), essa pessoa não apenas estará pagando por esse direito e pela infraestrutura necessária, como também estará abrindo mão de lucro com o seu empreendimento.

Quanto ao adensamento ao longo dos eixos, como já escrevi em outros artigos, acredito que o ideal seja viabilizar a permissão de ir além disso. A restrição no interior dos bairros é outro fator que impede tal escolha por localização, além de direcionar o desenvolvimento para periferias, o que potencialmente vai exigir investimentos em infraestrutura ainda maiores. Os argumentos a favor da restrição do adensamento no interior dos bairros normalmente são motivações de interesse próprio defendidas por moradores dos bairros mais valorizados de São Paulo, e giram em torno da preservação de qualidades visuais e estéticas dos bairros onde já habitam. Tal restrição acaba limitando a capacidade de transformação destes locais para absorver mais gente, limitando as opções dos demais para cada vez mais longe das regiões centrais. Ainda, qualidades ambientais estéticas sempre estarão a disposição daqueles que possuem os meios financeiros — ou a vontade de abrir mão de sua localização central por uma mais distante.

Apesar das mudanças propostas na legislação irem contra um “incentivo ao adensamento” da cidade de São Paulo no curto prazo, e criticadas no artigo do Valor por causa disso, elas meramente eliminam ou flexibilizam legislações anteriores que aumentam o poder da cidade de oferecer produtos mais próximos do desejado pelas pessoas — que são possibilidade de opções de moradia, dado que a alternativa de maior densidade continua disponível, se o incorporador desejar. Por este motivo não sou contrário à este tipo de alteração como os autores do artigo.

Se o problema a ser combatido é o déficit habitacional, a solução que proponho continua sendo o aumento dos coeficientes de aproveitamento em proporções significativamente maiores do que se discute hoje ou, idealmente, eliminando-os mediante o pagamento da outorga. Não discordo que a viabilidade política disso é pequena, mas acredito que as propostas que andarem nessa direção estão no caminho certo.

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