Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Há um debate sobre os veículos autônomos nos condenarem ao eterno espraiamento urbano. Saiba por que isso é pouco provável no artigo de Jeff Fong.
23 de outubro de 2018Nos círculos urbanistas há um debate sobre a possibilidade dos veículos autônomos (VAs) nos condenarem ao eterno espraiamento urbano e grandes distâncias de deslocamento. Eu não acredito nisso. Em primeiro lugar, as condições comerciais sob as quais os VAs poderiam possivelmente induzir mais espalhamento são improváveis. Em segundo, existem inúmeros outros fatores que afetarão o futuro do desenvolvimento urbano nos EUA. Isso não quer dizer que não corremos o risco de repetir os erros do passado, mas não serão os VAs que, por si só, trarão o futuro por conta própria.
Até que os VAs comecem a induzir mais espraiamento urbano, eles precisarão facilitar deslocamentos em distâncias muito longas. Para que isso aconteça em qualquer escala significativa, eles precisarão ser onipresentes e de propriedade privada. E isso é algo que acho que não vamos ver por uma simples razão — é um produto que ninguém está vendendo.
Além de Elon Musk, ninguém com capital para investir pensa que vender VAs privados seja uma estratégia vencedora (e com razão). Dados os custos acumulados de pesquisa e desenvolvimento dos últimos anos, o preço que uma empresa precisaria cobrar pela primeira geração de VAs pessoais seria astronômico. Além disso, a empresa que vender VAs pessoais estará abrindo mão de montanhas de dados valiosos gerados à medida que o veículo ganhasse quilometragem. Os dados de viagem melhorariam a capacidade dos VAs navegarem, sem contar as valiosas informações sobre os hábitos dos consumidores.
Devemos lembrar também que o estado da tecnologia ainda é bastante ruim. E, na falta de uma melhoria, a maneira mais rápida de chegar ao mercado é de restringir o espaço do problema. Isso significa oferecer o serviço sem motorista através de um serviço digital de transporte, o que permite limitar viagens em determinadas áreas sob certas condições. Assim, desligar o serviço durante mau tempo seria muito mais fácil do que tentar dizer aos proprietários dos carros quando e onde eles podem usar seus veículos.
Além do que as empresas estão ou não fazendo especificamente com os veículos autônomos, é importante observar como eles se encaixam nas grandes estratégias de negócio que se formam em torno da mobilidade. Todos os principais players estão olhando para a mobilidade como uma commodity, agrupando estes serviços de uma forma que habitua os consumidores a pensarem de maneira multimodal. Até mesmo a Ford deixou de se considerar uma empresa de carros, agora eles vendem mobilidade.
Os últimos 80 anos de política de transporte nos EUA têm feito de tudo para tornar o mundo um lugar mais seguro… para carros. O sistema rodoviário interestadual, políticas de espraiamento urbano, subsídios de estacionamento etc., foram todas decisões explícitas que tornaram a posse do carro a única escolha sensata para a maioria dos americanos. Nós projetamos o espraiamento urbano para acomodar o carro: o carro não induziu sozinho e organicamente o espraiamento das cidades.
Da mesma forma, as políticas que escolhemos hoje determinarão se e como nossas cidades funcionarão daqui a cinquenta anos. Se permitirmos o adensamento populacional onde os preços estão sinalizando para tal, se apoiarmos efetivamente o transporte de massa, se permitirmos que as empresas tragam modos de transporte alternativos para o mercado… reduziremos a expansão da mancha urbana e, em alguns lugares, talvez até comecemos a revertê-la.
Minha expectativa é que o ativismo YIMBY¹ irá liberar a política de uso do solo em diferentes graus e em diferentes regiões, e que iremos ter cidades marginalmente mais densas como resultado. Espero ainda que isso coincida com uma explosão nas opções de transporte e reorganização da infraestrutura urbana para que possamos acomodar outros modos além do rodoviário. São estas coisas, juntas, que irão moldar nossas cidades daqui para frente. A tecnologia irá colorir as consequências das decisões que fizermos, mas nenhuma variável determinará o futuro sozinha.
¹ Acrônimo de “Yes in my back yard” (“Sim no meu quintal”), movimento pró-desenvolvimento, em contraste e oposição ao ativismo NIMBY, “Not in my back yard” (“Não no meu quintal”).
Texto publicado originalmente no site Market Urbanism em 18 de julho de 2018. Traduzido para o português por Gabriel Lohmann, com revisão de Anthony Ling.
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