Podcast #106 | Centro de Operações do Rio de Janeiro
Confira nossa conversa com Alexandre Cardeman, responsável pela implantação do Centro de Operações do Rio de Janeiro.
Confira quais são as mais novas iniciativas para melhorar a mobilidade urbana e as relações entre pedestres e condutores.
27 de novembro de 2014Antigamente as calçadas não eram para pedestres trafegarem, as ruas eram. Basta assistir um filme antigo retratando uma rua comercial qualquer e pode-se ver claramente que as calçadas serviam de espaço para o feirante colocar as mercadorias, o dono do bar colocar as mesas, o engraxate colocar sua cadeira, etc. As pessoas andavam na rua, negociando o espaço com os cavalos, bicicletas, crianças e com o incipiente tráfego de automóveis. A prática de jaywalking não era uma infração. As ruas eram o verdadeiro caos planejado.
Com o aumento do tráfego de automóveis e das velocidades, essa negociação se tornou impossível. Surgiu então um problema: onde colocar os pedestres? Mande-os para a calçada! E os ciclistas e as crianças? Ah, esses é melhor ficarem em casa para não incomodar!
Hoje em dia, no Brasil, vivemos um dilema: a maioria dos municípios atribui ao proprietário do lote a construção e manutenção da calçada, definindo somente alguns parâmetros básicos como largura. Essa transmissão de responsabilidade mostra claramente o valor que damos ao pedestre — basicamente nenhum — pois nem sequer nos preocupamos em disponibilizar uma via decente para ele trafegar em segurança. O respeito pelas calçadas é um bom indicador do nível de democracia de uma nação.
Esse é um dos motivos pelo qual os shoppings se mostram tão apelativos numa democracia instável como a nossa. Por que será isso? Por que as pessoas gostam tanto de shoppings? Porque o shopping é um empilhamento de ruas comerciais perfeitas. Calçadas (os corredores do shopping) largas, limpas, iluminadas e o melhor que ninguém nota: sem carros pra atrapalhar, logo sem poluição e com muita segurança.
No entanto, muitas cidades não caíram na tentação dessas “catedrais do consumo” e conseguiram manter o comércio de rua vivo, através de ruas exclusivas para pedestres. As Ramblas em Barcelona, com um tráfego de 3.500 pedestres/hora, A Oxford Street em Londres, que apesar de não ser fechada ao trânsito tem um tráfego de pedestres intenso, e a Zeil em Frankfurt são alguns exemplos de ruas para pedestres de sucesso.
Apesar da longa experiência internacional, muitos políticos, comerciantes e população em geral ainda têm um certo medo em restringir o tráfego ou retirar o estacionamento em frente às lojas, basta ver a discussão acalorada a respeito do plano cicloviário de São Paulo. Porém, na maioria das vezes, a situação melhora muito.
Um bom exemplo para ilustrar esse debate é a recente intervenção levada a cabo pela Comissária de Transportes de Nova York, Janette Sadik-Khan. No vídeo abaixo pode-se ver a distribuição do espaço antes e depois da intervenção. As pessoas que usam as calçadas são muitas e têm pouco espaço, já as pessoas que usam a rua (dentro dos carros) são poucas e têm muito espaço. É muito importante fazer esta distinção que normalmente passa batida: queremos transportar pessoas e não carros ou bicicletas ou ônibus. Esses são só veículos, são os meios de transporte e não o transporte em si!
Quando se atribui muito espaço para poucos (que vão dentro do carro) e pouco espaço para muitos (que vão a pé pela calçada) notamos a desigualdade de distribuição de espaço na cidade, algo pouco democrático. Infelizmente vemos gente que ainda acredita no contrário. A Prefeitura de Porto Alegre decidiu abrir ao tráfego de automóvel uma rua antes exclusiva para pedestres. Detalhe: um trecho de 100 metros custará R$3 milhões. Às vezes esqueço que somos um país rico.
Essas decisões de criar ou reabrir ruas para o tráfego automóvel são uma ilusão. O tráfego de uma cidade grande como Porto Alegre é muito mais complexo, mais estocástico que se imagina. Logo essa rua vai estar congestionada pois vai se tornar alternativa para alguns motoristas que antes faziam outro percurso por ruas e avenidas de maior capacidade, criando um efeito de rat running, não se limitando à comportar a geração de tráfego local e sim servindo como um corta-caminho.
Aliado a isso, a taxa de motorização no Brasil está em franco crescimento, logo aumentar oferta viária no centro da cidade só vai induzir mais demanda. Ainda — e talvez esse seja o ponto fulcral dessas medidas esdrúxulas — é que vamos ter uma redução da capacidade viária, não um aumento.
Como eu escrevi acima, se pensarmos em pessoas transportadas por hora (e não carros/veículos, sendo sempre importante fazer essa distinção) uma rua para pedestres transporta muito mais que uma rua para carros. O caso das Ramblas é emblemático: para se conseguir transportar aquele volume de pessoas (3.500/hora) de automóvel, seria preciso uma verdadeira autoestrada urbana, acompanhada de todo o seu impacto visual, ambiental, etc.
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