Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
O acesso urbano é necessário para melhorar a logística nacional e os deslocamentos entre cidades, mas pode resultar em demanda induzida de automóveis e efeitos negativos que devem ser mitigados
15 de dezembro de 2022A construção de mais rodovias urbanas continua em muitos lugares. Na América Latina, vemos projetos sendo desenvolvidos em Santiago (Américo Vespucio Oriente), Lima (Linha Amarela), Quito (Solución Vial Guayasamín), São Paulo (Rodoanel Mário Covas) e Cidade do México (Segundo Piso a Cuernavaca), apenas para citar alguns.
Na Colômbia, o Governo Nacional anunciou um novo programa para melhorar o acesso às áreas urbanas durante o XVIII Congresso da Câmara Colombiana de Infraestrutura. Nas palavras do presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, “nosso objetivo também é transformar o acesso às cidades. Não vale a pena economizar tempo em viagens interurbanas se esse tempo é perdido em áreas urbanas”.
Com isso, o presidente se volta ao grande desafio dos congestionamentos urbanos. Construir sistemas rodoviários surpreendentes não leva a uma infraestrutura de transporte mais eficiente e melhor se, dentro do perímetro urbano, o tráfego impede a fácil navegação nas ruas da cidade.
A Colômbia possui um amplo programa de construção de estradas, que visa completar 5.803 quilômetros, ao investir quase 40 trilhões de pesos colombianos (US$ 13 bilhões). Isto não só impacta a economia e a oferta de emprego em curto prazo, mas ajuda na recuperação de décadas da conectividade nacional, ainda que com anos de atraso. A última etapa, o acesso urbano, complementa esse esforço particularmente na capital do país, Bogotá.
O acesso urbano é necessário para melhorar a logística nacional e os deslocamentos entre cidades, mas pode resultar em demanda induzida de automóveis e efeitos negativos que devem ser mitigados: congestionamentos, expansão urbana, acidentes de trânsito, poluição do ar e exclusão social.
Desde a década de 1950, os especialistas contabilizam os efeitos negativos do aumento da capacidade das rodovias urbanas. A explicação é bastante simples: reduzir o tempo de viagem do automóvel com autoestradas equivale a reduzir custos. Semelhante a qualquer bem ou serviço, a redução de custos resulta em aumento da demanda e, neste caso, aumento de viagens.
Como Lewis Mumfurd, um filósofo da tecnologia, disse em 1955: “Construir mais estradas para evitar o congestionamento é como um homem gordo afrouxar seu cinto para evitar a obesidade”. Demanda induzida, ou “efeito boomerang”, vem sendo registrado; novas viagens absorvem entre 50% e 100% da nova capacidade rodoviária em apenas três anos.
De acordo com Anthony Downs, da Brookings Institution, “o congestionamento de tráfego veio para ficar… e vai piorar”. Ele sugere mitigar o congestionamento com pedágios dinâmicos: custo mais alto nas horas de pico e custos mais baixos fora do horário de pico. Ele também recomenda complementar estradas com pedágios com alta qualidade, transporte público frequente e confiável.
Ao utilizar pedágios e dedicar espaço ao transporte público, as rodovias podem fazer um bom uso do espaço escasso; uma via para metropolitanos rápidos ou ônibus, por exemplo, pode transportar até 15 mil passageiros por hora, enquanto a mesma pista para carros pode transportar até 7.200 pessoas (com quatro ocupantes por veículo). Normalmente, no entanto, em média, os carros só levam 1.1 pessoa por carro, o que resulta em 1.980 passageiro por hora.
Provavelmente, o impacto mais direto das autoestradas é a expansão urbana, e isso é de conhecimento de todos há muito tempo. Em 1974, Yacob Zahavi, pesquisador do Departamento de Transportes dos Estados Unidos, descobriu que os tempos de trajeto eram muito consistentes entre as áreas urbanas (cerca de uma hora por dia).
O antropólogo C. Marchetti qualificou esse valor médio como um “instinto básico” da natureza humana. Isto significa que, se o tempo de viagem for reduzido (por exemplo, com a construção de uma via expressa), as pessoas tendem a habitar mais longe, mantendo o seu “orçamento de viagem” relativamente estável.
O lado bom das habitações na periferia é que elas geralmente têm espaços verdes ao ar livre. O lado ruim é que o desenvolvimento de baixas densidades resulta na ocupação de terras agrícolas ou protegidas. Baixa densidade também torna o transporte público, a pé ou de bicicleta, inviável, tornando os residentes dependentes de carro, mesmo para os deslocamentos mais corriqueiros.
Uma forma de mitigar a expansão é através do planejamento urbano: gerir a expansão urbana com um desenvolvimento compacto e de uso misto, com acesso de boa qualidade aos transportes públicos. Isso é exatamente o oposto do que está acontecendo nas cidades latino-americanas, onde proliferam comunidades urbanas de baixa densidade na periferia urbana.
O gerenciamento do planejamento urbano está fora do escopo das agências de construção de estradas, e em muitos casos, não é uma preocupação para os prefeitos. Municípios em torno de grandes cidades preferem habitações residenciais de alta renda em seu território, pois isso traz base fiscal adicional. Como conclusão, as autoridades nacionais de planejamento e a coordenação metropolitana podem ser necessárias para ajudar a mitigar a expansão.
Outro impacto das autoestradas urbanas pode ser um aumento nas mortes e lesões no trânsito. Entre as maneiras de melhorar a segurança viária está separar os usuários da estrada, controlar o acesso rodoviário e manter os pedestres e ciclistas fora das vias de alta velocidade. É uma questão de desenho.
Há também impactos na poluição do ar, resultantes do aumento do número de quilômetros rodados pelos veículos (quilometragem). A abordagem de um economista para isso seria cobrar por essas externalidades; não só ter taxas de congestionamento, mas também taxas de emissões. Embora isso seja politicamente difícil, é progressivo, pois as receitas podem ser usadas para melhorar a qualidade do transporte público, que é usado pela maioria das pessoas nas cidades da América Latina.
Por último, para tornar as autoestradas urbanas inclusivas, é necessário dar prioridade à infraestrutura para pedestres e bicicletas e aos transportes públicos. Construir infraestrutura rodoviária não é apenas fazer vias rápidas para carros, mas tornar as vias completas, com amplas calçadas e pistas seguras para bicicletas e para o transporte público.
Há boas oportunidades nos anúncios do governo colombiano para investir em acesso urbano, mas também há desafios. Os governos nacionais e locais podem enfrentar esses desafios considerando o planeamento do uso rodoviário, os pedágios dinâmicos, o controle do acesso às vias rápidas e o espaço para todos os usuários vulneráveis da via. Caso contrário, estaremos apagando fogo com gasolina.
Artigo publicado originalmente em 28 de novembro de 2016 no El Tiempo, em espanhol, e em 8 de dezembro de 2016 no The CityFix Brasil, em português.
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