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Quanto vale uma estação de metrô? O caso de São Paulo
Analisar a influência do transporte economia urbana é importante para decidir quais investimentos nossas cidades precisam e, mais ainda, melhorar nosso entendimento sobre o papel da mobilidade no desenvolvimento das cidades.
No debate urbanístico, a defesa do transporte coletivo é quase tão consensual quanto recorrente. Propostas como o desenvolvimento orientado para o transporte (TOD), que defende o adensamento das cidades de forma coordenada com corredores de transporte, têm ganhado força nas últimas décadas: saíram da academia e foram para as recomendações e estudos de caso de instituições como o Banco Mundial, para as propostas de políticos, documentos oficiais e já se encontram em várias intervenções urbanas mundo afora — de Curitiba a Toronto, principalmente na Ásia.
Como esses equipamentos de transporte exigem um investimento muito alto — na casa dos bilhões — é sempre válido refletir sobre a relação entre o benefício gerado e o valor investido, principalmente em cenários de limitação fiscal. Usando exemplos recentes, a linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo, em construção, transportará mais de 600 mil passageiros por dia ao longo de 15 quilômetros.
O custo, de aproximadamente R$ 15 bilhões, está sendo financiado majoritariamente pelo estado de São Paulo. Outras regiões do Brasil, que não dispõem do mesmo orçamento que o estado mais rico do país, também projetam suas linhas de metrô, mas frequentemente esbarram na dificuldade de financiamento.
Mas afinal, quanto vale uma nova estação de metrô ou um corredor de BRT (bus rapid transit)? O segundo problema é o mais desafiador. Mesmo que o valor seja subjetivo, podemos ter uma boa noção de como uma sociedade valoriza diferentes bens e serviços pelas interações entre oferta e demanda no mercado.
Quando um quilo de feijão custa 9 reais, entendemos que os consumidores, na média, estão aceitando pagar esse preço, porque valorizam o alimento mais do que o dinheiro que está no seu bolso. Mas isso não é possível com os bens públicos, como a infraestrutura de transporte. Não podemos comprar uma estação de metrô no supermercado, de forma que essa opção está ausente para tentar inferir o valor atribuído à mobilidade.
O problema se torna ainda maior quando consideramos as externalidades. Parte dos benefícios da mobilidade urbana, como o menor tempo de deslocamento para os usuários da nova linha e para os que se beneficiam de menos congestionamentos, é diretamente observável.
No entanto, vantagens como a redução da poluição, menos vítimas com acidentes de trânsito e um aumento geral de produtividade — as chamadas externalidades — são dispersos e, portanto, difíceis de medir. Mas nem por isso deixam de ser importantes; pelo contrário, são alguns dos principais argumentos usados na defesa do investimento em equipamentos de transporte.
Pensando nisso, urbanistas, economistas e demais pesquisadores dos espaços urbanos desenvolvem ferramentas para encontrar evidências nas cidades sobre o valor de bens públicos, como a infraestrutura de transporte. Fundamentados na teoria econômica, esses modelos permitem estimar como o valor de venda ou aluguel dos imóveis varia com atributos tanto internos, como a área, quanto externos — criminalidade da vizinhança e proximidade ao metrô, por exemplo.
Sob a ótica desses modelos, qual seria o impacto de uma melhoria na rede de transporte no equilíbrio de preços e no nível de satisfação dos indivíduos? Como o custo de deslocamento é um custo de oportunidade, espera-se que o investimento reduza esse custo. Outro impacto é tornar locais distantes virtualmente mais próximos: ao reduzir o tempo de deslocamento, a rede de transporte unifica o mercado de trabalho, aumentando as economias de aglomeração. Exemplo disso é Tóquio que, com uma excelente redes de trens locais e regionais, forma a maior aglomeração urbana do mundo, com quase 38 milhões de habitantes.
A introdução da melhoria, como uma nova linha de metrô, gera um diferencial na acessibilidade entre regiões, beneficiando os imóveis mais próximos das estações. É justamente a relação entre esse diferencial na acessibilidade relativa e o seu prêmio de mercado que queremos captar. Como os agentes econômicos tendem a maximizar a sua satisfação e lidam com o dilema entre mais espaço e menores custos de deslocamento, os ganhos em acessibilidade de certa infraestrutura aumentam a pressão competitiva no mercado imobiliário local.
Da teoria para a prática
Usando esses modelos estatísticos, diversos estudos evidenciam que o gradiente de preços em relação aos centros de emprego e à proximidade com estações de transporte coletivo proposto pela teoria econômica existe nas cidades reais. Mesmo levando em conta outros fatores, o simples fato de um imóvel estar um quilômetro mais próximo do centro ou de uma estação já altera o seu valor.
Um exemplo é o impacto de uma linha de VLT (veículo leve sobre trilhos) em Phoenix, nos EUA, estudado pela geógrafa Carol Atkinson-Palombo. Nos bairros de uso misto e ricos em amenidades, o anúncio da obra valorizou em até 28% os imóveis próximos às futuras estações, com aumentos adicionais de até 16% após a obra. Já nos bairros exclusivamente residenciais, típicos do subúrbio americano, a proximidade às estações desvalorizou os apartamentos em 13% antes das obras, com uma pequena recuperação de 3,4% após.
Esses resultados contraditórios corroboram com a hipótese de que as preferências são heterogêneas: bairros com estilo de vida urbano atraem um público de nicho, como os jovens adultos. Enquanto isso, os subúrbios são mais atrativos para uma demografia tradicionalmente ligada ao automóvel que, talvez, não tenha necessidade ou mesmo interesse em usar o VLT.
No Brasil, os pesquisadores Seabra, Silveira Neto e Menezes (2016) estudaram o valor dos imóveis no Recife e identificaram uma relação positiva entre o preço de venda e a distância ao centro da cidade. No caso da capital pernambucana, os atrativos ambientais também desempenham um papel significativo: imóveis próximos à orla da praia da Boa Viagem, ao rio Capibaribe ou com vista para o mar apresentaram valores maiores. No entanto, a proximidade às estações do Metrorec e aos terminais de ônibus apresentou efeito negativo: cada quilômetro mais distante de uma estação aumenta o valor do imóvel em 3,3%.
O que pode ter levado a um resultado tão desanimador? Os autores sugerem que isso pode ter acontecido porque o metrô não atende bem às regiões centrais e nobres da cidade — em outras palavras, não fornece um diferencial de acessibilidade tão grande, de forma que não há pressão imobiliária para se localizar perto das estações. Mas não apenas isso: como a rede é inteiramente de superfície, é possível que fatores como a poluição sonora sejam grandes o bastante para superar o benefício da proximidade, na visão dos proprietários.
O caso de São Paulo
Inaugurado em 1974, o Metrô de São Paulo é hoje tão parte do cotidiano da metrópole que é quase impossível imaginá-la sem a rede que transporta diariamente mais de 5 milhões de passageiros, em números de 2019. Além do Metrô, a região conta ainda com a rede da CPTM, Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, que movimentou mais de 3 milhões de usuários no mesmo período.
Para procurar entender o impacto da proximidade à rede metroviária no mercado paulistano, usamos dados de apartamentos disponíveis para aluguel na cidade e estimamos um modelo estatístico. A formulação considerou os aspectos “da porta para dentro”, ou estruturais, e “da porta para fora”: características da vizinhança e da acessibilidade. Ao incluir as variáveis estruturais e de vizinhança, além de obtermos uma estimativa para essas características, estamos controlando outros fatores determinantes que poderiam enviesar a identificação da relação entre acessibilidade e valor do aluguel.
Para verificar o diferencial de acessibilidade, consideramos a distância dos imóveis às estações do Metrô e da CPTM e um índice de acessibilidade cumulativa, calculado pelo Projeto Acesso a Oportunidades do Ipea. Essa medida calcula, para um conjunto de quadras da cidade, qual percentual de empregos consegue ser atingido em até 60 minutos usando o transporte público. Assim, obtemos uma medida direta da vantagem locacional de cada imóvel ao olhar para o número de empregos acessíveis — ou seja, o tamanho do mercado de trabalho para o residente daquela unidade.
Ao observarmos o mapa da acessibilidade cumulativa para São Paulo, fica claro que a rede metroviária parece desempenhar uma forte vantagem locacional: por exemplo, o ponto amarelo isolado a leste é a estação multimodal de Itaquera, a linha vertical no centro do mapa corresponde à linha 1 do Metrô, o eixo no sentido centro-leste equivale ao corredor das linhas 3, 11 e 12 e o eixo centro-sudoeste equivale à linha 4.
Os resultados do nosso modelo indicam que a proximidade às estações do Metrô é um diferencial no mercado imobiliário: cada quilômetro de distância de uma estação do Metrô reduz o aluguel em 8,29% em efeitos totais, sendo 4,51% em efeitos diretos e 3,78% em efeitos indiretos. Os efeitos indiretos são os chamados efeitos de transbordamento da vizinhança: o simples fato de o imóvel estar perto de outros imóveis próximos ao metrô já o deixa mais valorizado.
Esse resultado é obtido mesmo quando o índice de acessibilidade é incorporado no modelo, o que é muito interessante: indica que mesmo considerando diretamente o acesso a empregos de um imóvel, a proximidade ao metrô traz um diferencial difuso para além da acessibilidade, que é captado pelo mercado imobiliário — é uma evidência das externalidades positivas que mencionamos antes. Por outro lado, se o metrô tivesse um potencial de acessibilidade relativamente baixo, seria de se esperar que a variável de distância às estações não fosse significativa quando uma medida direta de acessibilidade é levada em conta.
Já a distância às estações da CPTM não teve impacto significativo no valor do aluguel. Cabe considerar que como os dados utilizados só estavam disponíveis para a capital, é possível que isso tenha interferido no resultado: em São Paulo, há maior oferta de outros modos de transporte do que no resto da região metropolitana.
Assim, a rede da CPTM pode não representar um ganho de acessibilidade considerável na capital, enquanto, nas cidades da região metropolitana, é provável que a CPTM represente um diferencial de acessibilidade maior (embora não o possamos demonstrar neste trabalho). Além do aspecto de acessibilidade, características dessa rede, como a estrutura totalmente em superfície e estações com menor integração ao nível da rua, podem representar externalidades negativas, assim como no caso do Recife.
Por fim, o resultado para o índice de acessibilidade indica que cada dez pontos percentuais adicionais de empregos acessíveis em 60 minutos por transporte público implicam em aluguéis 7,13% maiores. Desse valor, 3,83% da valorização se dá por efeitos diretos e 3,30% indiretamente, por situar-se em uma vizinhança com boa acessibilidade. Em outras palavras, é mais um forte indicativo de que a proximidade aos empregos é um grande diferencial no mercado habitacional paulistano.
O que fazer com os resultados
Agora que já encontramos o resultado – morar perto do metrô tem, sim, um valor no mercado imobiliário — podemos nos perguntar: o que fazer com esses números? Em primeiro lugar, eles reforçam a intuição econômica de que os indivíduos percebem na infraestrutura de transporte coletivo um benefício — e por isso querem morar perto desses equipamentos. Mas podemos, ainda, tirar duas lições importantes para o desenho de políticas públicas.
A primeira lição diz respeito à possibilidade de aumentar as interações entre o mercado e o setor público no fornecimento de infraestrutura, bastante comuns na Ásia: exemplos são o metrô de Hong Kong, conhecido por desenvolver o mercado imobiliário junto da expansão da rede. Outra possibilidade, ilustrada na figura abaixo, são as as operações de land readjustmentdo Japão, em que o governo unifica terrenos fragmentados e um novo empreendimento imobiliário, mais adensado, financia parte do investimento em equipamentos públicos a partir da venda de novas unidades.
O Brasil tem uma experiência similar com as Operações Urbanas Consorciadas (OUCs), em que a prefeitura vende ao incorporador imobiliário o direito de construir acima do coeficiente de aproveitamento básico e os recursos são usados para investir em infraestrutura urbana. São Paulo foi a pioneira nesse projeto, com as operações Água Espraiada e Faria Lima; no entanto, os recursos da experiência paulistana não foram usados para investimento em transporte.
Um estudo do Banco Mundial de 2015 aponta que as OUCs de São Paulo tiveram efeitos colaterais inesperados, resultantes da redução do CA básico em toda a cidade para valores entre 1 e 2, o que restringiu a oferta imobiliária na cidade como um todo.
A segunda lição é, talvez, a mais importante: o simples fato de um apartamento estar próximo ao metrô pode aumentar o aluguel, na média, em 10% por quilômetro (condicional aos outros fatores), nos permite compreender que há demanda potencialmente reprimida por moradia perto dos meios de transporte rápido na capital paulistana.
Enquanto as políticas públicas priorizarem o zoneamento a densidades mais baixas, como ocorre atualmente, essa demanda dificilmente será suprida pelo mercado imobiliário. Isso aumenta a pressão em cima do estoque de imóveis existente ao redor das estações, o que tende a aumentar a desigualdade no acesso a oportunidades, na medida em que um estrato menor da população consegue arcar com os custos de moradia nessas regiões.
Um exemplo é a região dos Jardins: margeada pelas linhas 4, 9 e ao lado da Paulista e da Faria Lima, dois dos maiores centros de emprego da capital, o zoneamento exclusivamente residencial protege apenas o interesse dos moradores.
Ao mesmo tempo, a demanda reprimida se direciona cada vez mais para as bordas, sobretudo para a população de baixa renda. Esse espraiamento, além de implicar no aumento de áreas modificadas pelo ser humano, exige um maior investimento público em infraestrutura para as novas áreas e resulta em tempos maiores de deslocamento para a população periférica.
Isso reduz duplamente a eficiência econômica da região, ao eliminar os ganhos de escala da densidade (mais vias, redes de esgoto, etc. para um menor número de pessoas) e diminuir as economias de aglomeração ao fragmentar o mercado de trabalho.
Se o objetivo é tornar São Paulo e outras cidades inclusivas no acesso a oportunidades e com moradia mais acessível, mas que ao mesmo tempo se mantêm com grande potencial econômico por desfrutar das economias de aglomeração de maiores mercados de trabalho, é incompatível manter políticas que fazem justamente o oposto, ao restringir a oferta potencial de imóveis nas melhores localizações e fragmentar o mercado de trabalho com o espraiamento.
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Olá! Como estudante de economia, achei essa leitura muito interessante. Espero ver mais conteúdo parecido aqui no site!
Vocês poderiam disponibilizar o artigo original sobre o metrô de SP, por favor?
Desde já, obrigado!
Quanto vale uma linha de metrô….perai deixa eu contar a historia inteira primeiro putz