Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
O que está mudando e o que deve permanecer na mobilidade após a pandemia?
28 de outubro de 2020A pandemia causada pelo vírus Coronavírus deixou as cidades de cabeça para baixo. Muitas empresas que não acreditavam no home office o adotaram na marra, os serviços de delivery tiveram um crescimento exponencial e as bicicletas caíram no gosto do brasileiro como alternativas de mobilidade. No meio disso tudo, quem saiu perdendo foi o transporte coletivo que, se nada for feito, pode nunca mais recuperar todos os seus passageiros.
O home office tem um passado atribulado. Algumas empresas o adotavam regularmente e outras nem tanto. No seu livro “Order without Design — How Markets Shape Cities” (2018) o arquiteto Alain Bertaud mostrava-se cético com o home office como algo revolucionário, pois acreditava que “a serendipidade dos encontros cara a cara entre profissionais são necessários para a inovação.”
E ele tem toda a razão: duas cabeças pensam melhor que uma e, se estas cabeças estiverem sentadas lado a lado, perfeito! No entanto, Bertaud e outros especialistas reconhecem que o home office pode ter um impacto positivo na redução das viagens pendulares (casa–trabalho–casa) e, por consequência, na diminuição do tráfego rodoviário e na lotação dos transportes coletivos.
Com muitos em casa fazendo home office, outro serviço de mobilidade que cresceu muito foi o delivery de comida, que teve um aumento de 94% no período de abril, maio e junho de 2020 no Brasil. Com o relaxamento gradual e a retoma da vida em sociedade, parte da população vai voltar aos restaurantes, mas o delivery continuará crescendo. No fundo, a pandemia (re)criou a cultura de entrega em casa, e outras áreas começam a copiar este modelo de negócio, como as farmácias.
Estas motos e bicicletas de entrega são um símbolo do empreendedorismo brasileiro, que geram oportunidades de emprego e renda à população e devem ser reconhecidas como um serviço de mobilidade que reduz a circulação discricionária de carros particulares. As prefeituras precisam, no entanto, regular o uso do meio-fio por estes veículos, para que eles possam parar com segurança, sem atrapalhar os pedestres e demais usuários da malha viária urbana.
Falando em bicicleta, enquanto a venda de carros particulares despencou durante a pandemia, as vendas de bicicleta dispararam. Boa parte dessas bicicletas serão usadas para lazer e esporte, mas muitas como meio de deslocamento. Algumas cidades têm acompanhado esta tendência e agido de acordo, aumentando a oferta de infraestrutura para a mobilidade ciclável, com ciclovias temporárias e estacionamento de bicicletas, como é o caso da capital portuguesa, Lisboa, que acelerou seu plano cicloviário e estima construir quase 100 km de ciclovias, passando a ter 200 km em 2021.
Se por um lado isto é bom, por outro não é ótimo. Boa parte destes novos ciclistas urbanos vêm do transporte coletivo e não do carro particular. Os ônibus e metrôs perderam muita demanda durante o confinamento, no entanto isto era expectável com tanta gente em casa em home office ou mesmo sem trabalhar. O problema é o pós-pandemia, onde dois fatores agravam o cenário para o transporte coletivo: o desemprego causado pela crise econômica e o medo de contágio dentro dos veículos. Para endereçar estes problemas, várias ideias têm sido discutidas, tais como as soluções apresentadas no plano “Como evitar o colapso do transporte coletivo pós-pandemia” do Caos Planejado.
O sobe e desce da pandemia foi uma montanha-russa. Uns foram beneficiados, outros nem tanto. Importa que todos tenhamos noção dos danos causados por este vírus para que, numa próxima vez, estejamos mais preparados para a ação. Ninguém quer que isso volte a acontecer, mas os ensinamentos retirados de 2020 serão muito importantes para o futuro da gestão urbana das nossas cidades.
Artigo publicado originalmente no Medium da 99 em 21 de setembro de 2020.
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