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Entenda como as restrições ao mercado imobiliário em Paris geram tanto unidades minúsculas, quanto altíssimos preços de moradia.
5 de junho de 2015Hoje saiu uma reportagem muito interessante no The New York Times onde sete arquitetos defendem os edifícios mais odiados do mundo. Um deles foi o arquiteto Daniel Libeskind, que defendeu a Tour Montparnasse, aquela emblemática torre envidraçada e escura que contrasta com a paisagem parisiense e faz todo mundo perguntar “por que raios construíram esse prédio horrível, mais nenhum outro?”. Replico aqui a defesa de Libeskind, com tradução minha:
“Ela já é uma lenda por ser o edifício mais odiado em Paris. Quero defendê-la não por ser uma torre particularmente bonita, mas pela ideia que ela representa. Parisienses entraram em pânico quando eles a viram, e quando eles abandonaram a torre eles também abandonaram a ideia de uma cidade sustentável de alta densidade. Pelo fato de eles terem exilado todos os futuros arranha céus em bairros distantes como La Défense, eles estavam segregando o crescimento. Parisienses reagiram esteticamente, como eles tendem a fazer, mas deixaram de considerar as consequências de o que significa ser uma cidade viva ao invés de uma cidade museu.
Pessoas sentimentalizam com as suas noções de cidade, mas com nossa pegada de carbono, nosso desperdício de recursos e capacidade reduzida, não temos outra alternativa senão construir bons edifícios altos com preços acessíveis. Não é coincidência que as pessoas estão indo para Londres não só pelo trabalho mas pelo espaço disponível. Nenhuma empresa jovem consegue pagar pelo preço de Paris. Talvez a Tour Montparnasse não seja um trabalho genial, mas ela sinaliza a noção do que a cidade do futuro deverá ser.”
A defesa de Libeskind nos faz olhar para a cidade com outros olhos, de pensar em um resultado urbano mais objetivo e menos estético. Por mais que eu não goste da arquitetura de Libeskind, muito menos da Tour Montparnasse, sua lógica não deixa de estar correta.
No entanto, Libeskind automaticamente recebeu a seguinte crítica: Paris já não seria um exemplo de alta densidade sustentável? A cidade possui cerca de 20 mil habitantes por quilômetro quadrado, acima da média de São Paulo apesar das baixas alturas de edificações. Um dos principais motivos para tal, ao comparar com São Paulo, é que em Paris não há recuos obrigatórios de ajardinamento, nem número obrigatório de vagas de garagem em edificações ou legislações que desincentivam a ocupação no andar térreo. São características importantes que melhoram muito o aproveitamento do solo urbano, aproximando as edificações e aumentando a ocupação demográfica. Essa é a parte boa, que realmente devemos nos inspirar e usar de exemplo, mas nem tudo brilha na Cidade Luz.
Outra característica que torna Paris uma cidade densa é a predominância de “microapartamentos“, já parte da cultura imobiliária na Ásia, mas que apenas recentemente se tornou uma tendência em cidades como São Paulo e Nova York. Aqui, eles foram duramente criticados, sendo frequentemente comparados a celas de prisão. Em Paris, a alta demanda por uma boa localização no centro da cidade torna comum a ocupação de unidades entre 15 e 20 metros quadrados — os famosos “studios” parisienses — equivalentes ou até menores que os microapartamentos criticados no mercado brasileiro. Paris também é conhecida por ocupar seus sótãos e seus porões (de forma legal ou não) com unidades habitacionais muitas vezes sem janelas, tamanha é a demanda para morar na região central. Com unidades menores, ocupando todos os cantos da edificação, também é possível atingir índices maiores de habitantes por área urbana.
Outra característica das edificações parisienses é que muitas delas não possuem nem escadarias enclausuradas contra incêndio nem elevadores, exigências que ainda não existiam no século quando foram construídas, gerando ainda mais área útil na planta da edificação para ser efetivamente ocupada.
É importante adicionar que a preservação das alturas não é resultado de uma volumetria urbana específica como objetivo final de planejamento, mas sim da preservação de alturas que surgiram de forma espontânea: a limitação das alturas na época que as edificações foram construídas não foi definida por legislação, mas sim pela então ausência de tecnologias estruturais e do elevador. Na época, os andares baixos eram mais valorizados, dada a dificuldade de subir até o sótão. Agora, a preservação é do patrimônio arquitetônico, não especificamente das baixas alturas.
Essa preservação do patrimônio histórico de Paris está atrelada a cerca de U$17 bilhões que são gastos anualmente por turistas que visitam a cidade para vivenciar essa “casca histórica” urbana, movimentando uma gigante indústria de turismo que compreende cerca de 19% de todos os trabalhadores de Paris. Libeskind também acerta nesse sentido pois, seguindo esse resultado, Paris está cada vez mais parecida com um museu e menos como uma cidade viva.
Mesmo com a ocupação de todos os cantos possíveis das edificações na região central de Paris, a pressão da demanda continua intensa dado o teto atingido pela oferta imobiliária. O resultado é que morar na região central de Paris se tornou extremamente caro, e quem não tem condições financeiras acaba ficando excluso nos banlieus, que se transformaram em guetos de imigrantes que ficam sem acesso à zona urbana principal. A única forma de promover a inclusão dessas pessoas na região central de Paris seria, então, a verticalização de alguns de seus bairros para aliviar essa pressão imobiliária. Na situação atual é possível descrever Paris como uma cidade linda, mas excludente, assim como o exemplo de Copenhague, que já mereceu um outro artigo.
Assim, se há escassez de moradia na sua cidade, evidenciada por preços altos, um boom de microunidades e a presença de comunidades informais (favelas) no meio urbano, e se a sua cidade não possui a grande maioria das edificações como patrimônio histórico, atraindo bilhões em turismo, não use Paris como um bom exemplo de densidade sustentável. É preciso se inspirar no bom exemplo de ausência de recuos obrigatórios e no uso do térreo do urbanismo parisiense, mas a restrição de altura não virá sem consequências negativas em uma metrópole de alta demanda e rápida urbanização.
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COMENTÁRIOS
Muito bom. Concordo com suas colocações. Obrigado pela resposta.
Olá Anthony.
Após as afirmações: “a cidade possui cerca de 20 mil habitantes por quilômetro quadrado, acima da média de São Paulo apesar das baixas alturas de edificações”, e, mais ao final do texto: “essa preservação do patrimônio histórico de Paris está atrelada a cerca de U$17 bilhões que são gastos anualmente por turistas que visitam a cidade para vivenciar essa “casca histórica” urbana, movimentando uma gigante indústria de turismo que compreende cerca de 19% de todos os trabalhadores de Paris”; dizer que “Paris está cada vez mais parecida com um museu e menos como uma cidade viva” me soou um tanto quanto exagerado. Vejo-a como uma cidade MUSEU E VIVA. Uma coisa não anula a outra.
Além disso, concordo com a opinião do colega acima: La Défense criou uma nova centralidade com uso diverso dos bairros mais centrais, que, na minha modesta opinião de não-morador, merecem sim ser preservados. A própria diferença entre o bairro e o restante da cidade fez dele um novo atrativo turístico.
Um abraço.
Oi Marcelo, muito obrigado pelo comentário.
Acho que você pode estar correto quanto à cidade ser um museu e também estar viva… por enquanto. Acho que não é algo que anda junto com muita facilidade. Qualquer cidade que tenha uma porcentagem muito grande de PIB/consumo/experiência atrelado a um determinado setor e, ao mesmo tempo, um planejamento urbano influenciado especificamente por aquele setor, estará menos próxima de ser uma cidade e mais próxima de ser uma entidade em prol daquele setor. A cidade de Gramado, no Rio Grande do Sul, é uma cidade ou é um parque turístico? Ela tem cerca de 30 mil habitantes e a população multiplica por 4 ou 5 com a entrada dos turistas. Existem regras para construir edificações emulando estilos europeus e os sindicatos hoteleiros são os mais fortes da cidade. Veneza funciona de maneira semelhante: acredita-se que não há mais (ou há pouquíssimos) “venezianos” propriamente ditos, sendo quase todos os moradores da cidade ou ligados ao turismo ou expatriados que compraram imóveis na cidade. Da mesma forma, a cidade é toda controlada para ser mantida na mesma forma histórica que tem há séculos, embora para se tornar dessa maneira em primeiro lugar tenha crescido de forma bastante espontânea e agindo como um centro de múltiplos comércios e serviços como uma verdadeira cidade. Como já foi mencionado pelo arquiteto e historiador Ignasi de Solà Morales, isso se difere pouco, por exemplo, da Disney, que também tem uma população de alguns milhares de residentes mas que trabalham especificamente para atender o setor de turismo.
Quanto ao La Défense, concordo com a sua afirmação: o bairro inclusive ajudou no desenvolvimento da cidade evitando destruição de patrimônio. Perceba que não comentei no texto que o patrimônio deve ou não deve ser preservado: apenas citei quais são as consequências econômicas dessa preservação.
Abraços!
Anthony, na epoca de haussmann surgiram as noções de proporção entre largura de rua e altura dos prédios e a exigência de seguir padrões de alinhamento. Nao foi uma questão simplesmente técnica sobre como se chegar aos andares mais altos.
Hoje, o PLU de paris obriga a obedecer alturas e recuos de acordo com larguras de vias e proximidade com vizinhos mesmo em áreas onde nao ha presença de tecido urbano haussmanniano e de patrimônio a ser preservado.
As ZACs é que podem apresentar exceções.
Abs.
Oi Alfredo, obrigado pelo comentário.
Não tenho dúvidas que Haussmann colocou muita ordem na urbanização de Paris e que hoje há regras rígidas em relação aos recuos, alturas e patrimônio. Mas se observarmos o desenvolvimento urbano da cidade anterior a isso – que permaneceu no Marais, por exemplo – veremos que a ausência de recuos e a altura dos prédios já tinha “emergido” da forma como eu descrevi. Entendo que Haussmann possa ter colocado mais “ordem” no desenvolvimento, mas a forma básica da edificação parisiense já existia. O mesmo vale para cidades medievais, Londres antiga ou até mesmo Amsterdam: a ausência de recuos e a altura de ~5 andares é um padrão que se repete de maximização da área do terreno dadas as limitações construtivas da época.
Sem recuos e sem limite de altura eu agradeço… se tem uma coisa nas cidades que conheci mundo a fora e gostei é que nenhuma tinha arranha-céus grudados um no outro. Quando penso nisso lembro de algumas das ruas mofadas dos centros de cidades brasileiras.
NY, que adoram usar como exemplo de urbanismo permite prédios altíssimos mas pede recuos. Acho tanto o modelo dela quanto de Paris bem interessante, garantindo alta densidade e gerando cidades boas.
Sobre o caso de Paris deslocar os grandes prédios para longe do centro… bem, o que vai acontecer é um deslocamento do centro, não vejo problema. O centro histórico vai ganhar outro tipo de uso.
Oi Felipe X, obrigado pelo comentário! Vejo o resultado de arranha-céus grudados um no outro em Nova York, em Hong Kong, em Tóquio, em Shenzen e sim, nos centros de cidades como Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Nos exemplos brasileiros vejo como apenas uma questão de tempo para serem readequados e revitalizados, o que já acontece. O centro de São Paulo foi uma das regiões da cidade que mais cresceu em percentual populacional no censo de 2000-2010, com alguns milhões sendo investidos em reformas dos edifícios antigos. A tendência também ocorre em Porto Alegre e no Rio de Janeiro. Com infraestrutura e caminhabilidade, esses bairros tem tudo pra dar certo.