Consensos e equívocos sobre mobilidade urbana
Existem alguns equívocos comuns nas escolhas que vêm sendo feitas em políticas de mobilidade urbana, especialmente em relação à eletrificação da frota e à adoção da tarifa zero.
Os urbanistas e cientistas de dados Santiago Fernández Reyes e Apaar Bansal explicam como uma nova ferramenta pode conectar as lacunas entre o uso do solo e o transporte, incentivando políticas que oferecem habitação adequada em localizações mais estratégicas.
5 de dezembro de 2024Cidades no Sul Global têm pagado um alto preço por forçarem políticas habitacionais que ignoram a mobilidade e o acesso à cidade. Isso é particularmente evidente em países com áreas metropolitanas de crescimento acelerado, como México e Índia.
No México, a urbanização explosiva nas últimas duas décadas levou à construção de empreendimentos de habitação social nas periferias das cidades, longe de serviços essenciais e opções de transporte. Portanto, não surpreende que o país tenha registrado mais de seis milhões de casas desocupadas e um milhão de residências abandonadas, grande parte devido à inacessibilidade.
A Índia experimentou problemas semelhantes. A rápida migração rural-urbana resultou na proliferação de assentamentos informais em grandes centros urbanos, que frequentemente são demolidos pelas autoridades sem aviso prévio. Para as famílias deslocadas, às vezes é oferecido abrigo em colônias de reassentamento longe dos centros onde moravam, mas esse deslocamento para as extremidades da cidade geralmente está associado a uma perda de meios de subsistência, conexões sociais e renda.
O acesso à cidade — ou a capacidade de alcançar oportunidades econômicas e sociais utilizando diferentes meios de transporte — tem ganhado destaque como uma medida de sucesso para políticas de transporte e uso do solo em todo o mundo. O nível de acesso depende tanto da infraestrutura de transporte disponível quanto da localização dos destinos que precisamos alcançar diariamente. Isso é crucial no contexto de habitação social, pois a localização das residências e a disponibilidade de opções de transporte impactam diretamente os custos de tempo e dinheiro das pessoas para acessar serviços e oportunidades econômicas que eles precisam para prosperar.
Leia mais: Como políticas de habitação social prejudicam aqueles que deveriam ajudar
Os exemplos do México e da Índia ilustram a necessidade de integrar planejamento de uso do solo e transporte ao definir localizações para habitação social. Cidades como Cingapura e Paris já implementaram planos de desenvolvimento urbano de longo prazo com foco na acessibilidade (Cingapura e suas “cidades de 20min”; Paris e a “cidade de 15min”), nos quais eles definiram metas de mobilidade e uso do solo para garantir que destinos-chave sejam alcançáveis dentro de tempos de viagem aceitáveis. Contudo, essa mudança ainda não chegou à maioria dos países do Sul Global. Além disso, existem vários desafios no mundo em desenvolvimento, como a falta de capacidade técnica para avaliar indicadores de acesso e a relutância em compartilhar dados espaciais e de mobilidade.
Avanços em dados abertos e ferramentas digitais oferecem uma oportunidade para preencher essa lacuna de conhecimento, permitindo analisar indicadores de acessibilidade de forma mais rápida e barata do que nunca. Aproveitando essa oportunidade, o ITDP México, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, criou uma ferramenta online que simplifica a visualização do acesso relativo a empregos, serviços de saúde, educação e lazer, utilizando fontes de dados abertos e ferramentas de código aberto.
Por meio de colaborações com o Centro de Excelência do BRT do Chile e o Ministério de Desenvolvimento Urbano da Costa Rica, a ferramenta já inclui 20 cidades no México, 17 no Chile e 1 na Costa Rica. Comparando métricas padronizadas de acessibilidade por meio de transporte, custo, tempo de viagem e emissões geradas em diferentes localidades, essa ferramenta interativa busca avançar a discussão sobre a co-localização de infraestrutura de transporte e desenvolvimento urbano para melhorar o acesso. Ela oferece uma alternativa de código aberto à coleção existente de softwares pagos de análise de acessibilidade e plataformas de análise de acesso aberto, com foco particular em aplicações no mundo em desenvolvimento.
Essa ferramenta pode ser usada por diversos atores envolvidos no planejamento e provisão de habitação social. Governos e formuladores de políticas podem utilizá-la para planejar novos empreendimentos habitacionais em áreas com boa caminhabilidade ou bem conectadas ao transporte coletivo, ou para decidir onde estabelecer uma nova infraestrutura de transporte ou serviços, como em áreas com alta densidade populacional ou número de oportunidades.
Ferramentas como essa podem informar compradores ou locatários de baixa renda sobre quais áreas oferecem melhor acessibilidade e, portanto, são mais desejadas, considerando suas necessidades, preferências e recursos disponíveis. O acesso a essa informação também leva a uma visão mais clara sobre decisões de onde morar, como a mudança para um novo conjunto habitacional, que em países como o México e a Índia frequentemente envolve relocação para áreas periféricas.
A possibilidade de download dos dados permite análises e pesquisas adicionais, como a relação entre acessibilidade e indicadores socioeconômicos, ou como o acesso à cidade varia ao longo do dia para diferentes modos e destinos. Em última análise, ativistas e cidadãos podem usar essa ferramenta para pressionar as autoridades a oferecer habitação adequada e melhor localizada, assim como uma infraestrutura de mobilidade que as conecte às oportunidades em diferentes partes da cidade.
Apesar do potencial dessa abordagem, a disponibilidade de dados ainda é um obstáculo, tanto para localizar dados de “oportunidades” (empregos, escolas, etc.) quanto para redes de transporte, que geralmente incluem sistemas informais com pouca documentação. Na Região Metropolitana da Cidade do México, essa lacuna foi preenchida graças a um conjunto único de dados sobre rotas de transporte metropolitano desenvolvido pelo WhereIsMyTransport, que considerou rotas de transporte informal e semiformal.
Leia mais: Podcast #86 | Dados urbanos e desigualdades socioespaciais
Para outras cidades, há grandes oportunidades para que governos invistam na criação e disseminação de dados espaciais e de mobilidade. Criar parcerias com organizações privadas e não governamentais para avançar a discussão sobre como integrar políticas de transporte e uso do solo pode resultar em cidades mais sustentáveis e justas.
Artigo originalmente publicado em URBANET, em abril de 2024.
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