Por que as cidades são tão caras?
Imagem: Fernando Stankuns/Flickr.

Por que as cidades são tão caras?

Por que continuamos optando por morar nos grandes centros urbanos se poderíamos nos mudar para uma cidade menor e viver em uma casa maior e mais barata?

9 de março de 2020

Por que ficar na cidade?

A resposta dessa pergunta é óbvia para muitos dos moradores dos grandes centros: “é difícil achar emprego numa cidade menor, fora que lá nem cinema tem, são poucas as opções de restaurantes, e as escolas não são lá essas coisas.”

Em “economês”, esse fenômeno é traduzido por “benefícios de aglomeração”. Quanto mais pessoas e empregos na cidade, mais fácil é para uma pessoa achar um emprego compatível com suas qualificações e interesses e para uma empresa encontrar um funcionário adequado às suas necessidades. Essa afinidade leva a um aumento na produtividade dessas empresas e à oferta de melhores salários.

A grande quantidade de pessoas e empresas também viabiliza novos negócios: empresas de serviços para outras empresas, como escritórios de contabilidade, advocacia e consultorias; serviços para pessoas, como restaurantes, cinemas, salões de beleza; e infraestrutura e serviços de grande porte, como sistema de metrô e casas de ópera.

Além disso, a inovação, que requer o contato presencial, é fomentada com o aumento de profissionais se relacionando socialmente. Ou seja, uma pessoa morando em uma cidade grande tem mais chance de achar um emprego quando não aguenta mais seu chefe. Ela também pode almoçar no restaurante vegano na segunda-feira, sushi na terça, e antecipar a feijoada de domingo para quarta. Ou gastar seu rico dinheirinho indo a uma boa peça de teatro com seus amigos hipsters. Tudo isso é possível, obviamente, pela existência de um emprego que gere renda .

Onde ficar na cidade?

Porém, a necessidade de espaço para o nosso restaurante japonês e outras atividades leva à inevitável necessidade de deslocamento físico. Como é exemplificado pelo urbanista Alain Bertaud, se pudéssemos realizar teletransporte, todos poderíamos morar igualmente espalhados pelo mundo; ainda poderíamos acordar numa fazenda na serra gaúcha, ir trabalhar em São Paulo e depois almoçar num restaurante japonês no Japão. Porém, no mundo real, temos que vencer distâncias com os nossos próprios pés, bicicletas ou carros. E quanto maior o deslocamento, mais tempo, dinheiro e/ou perna gastamos.

Buscando se aproximar fisicamente para reduzir os gastos com deslocamento, as pessoas passam a disputar o espaço. Imagine que você se mude para uma cidade e há dois apartamentos vagos: um do lado do seu trabalho, no centro comercial da cidade; outro a 10 km de distância, num bairro sem nem mesmo uma padaria. Os dois pelo mesmo preço. Você provavelmente escolheria morar no apartamento do centro.

Infelizmente você e outra colega recém contratada preferem o mesmo apartamento e ela oferece R$100 a mais pelo imóvel. Você pode oferecer ainda mais dinheiro, a levando a fazer o mesmo até que quem tiver mais fundos fique com o apartamento. Ou pode propor à sua colega dividir o imóvel. Assim ninguém precisaria viajar os 10 km e vocês ainda dividiriam o aluguel. 

Esse “leilão” acontece continuamente nas cidades, e é ele que faz com que algumas áreas das cidades tenham preço mais caro que outras. Para entender melhor esse processo, vamos imaginar que uma nova cidade está surgindo onde foi recém criada uma nova âncora econômica — que poderia ser um porto, uma fortificação, uma nova capital, etc. Também vamos supor que não há congestionamentos e todos usam o mesmo modo de transporte. As pessoas que trabalharam nessa organização, assim como as empresas que prestarão serviços para ela e seus funcionários, vão preferir ficar o mais perto possível dela para reduzir os gastos com transporte. 

Segundo o índice FipeZap de 2019, o Leblon é o bairro mais valorizado da cidade do Rio de Janeiro, com mais de R$ 21 mil/m². (Imagem: Ruifo/Flickr)

O preço final dos imóveis será dado pela relação entre oferta e demanda de unidades. Se há muitas pessoas e empresas disputando poucos imóveis, os preços vão subir. Com oferta finita de espaço, quem puder oferecer mais pela localização ganha a disputa pela terra e as melhores localizações serão utilizadas por empresas e pessoas de maior renda. Nesse mundo hipotético, espera-se que o valor da terra seja alto no centro e caia em direção às periferias, já que a quantidade de terra disponível aumenta.

Esse processo também leva ao adensamento populacional. Para reduzir os custos de moradia em boas localizações, as pessoas podem reduzir o espaço que utilizam. Exemplo disso são as favelas, nas quais muitas pessoas de baixa renda buscam dar um jeito de viver em um pedacinho de terra. O adensamento populacional também pode ocorrer com a verticalização. Quando os preços dos terrenos ultrapassam os custos de construção vertical, os incorporadores passam a construir mais unidades por terreno.

A introdução de diferentes tecnologias de transporte influencia essa disputa, aumentando a oferta de terrenos melhor localizados. Uma pessoa utilizando um automóvel em vias de alta velocidade pode morar em áreas mais periféricas e ter o mesmo tempo de viagem que pessoas usando bicicleta em áreas mais centrais. Por um lado, isso leva a uma redução da disputa pela terra no centro (menores preços de terra). Por outro, as novas áreas urbanas periféricas passam a ter uma valorização maior que seu uso anterior (maiores preços de terra).

Quem fica na cidade?

No final das contas, o grau de adensamento e espalhamento das cidades depende das escolhas que a sociedade faz como um todo. A infraestrutura de transporte, assim como as artérias em nosso corpo, alimentam a vida urbana nos locais que elas conectam. Se ela é mais rápida e espalhada, a cidade pode se espalhar. Se ela é mais lenta ou compacta, a cidade vai manter um padrão parecido.

Se a cidade tiver espaço para crescer, seja para cima (adensar), ou para os lados (espalhar), o aumento de população (aumento de demanda por unidades) poderá ser absorvido com novas unidades habitacionais construídas pelo mercado imobiliário.

No entanto, conforme o crescimento da cidade for restringido por impossibilidade de adensamento e espalhamento, o crescimento populacional gerará um aumento do preço das unidades habitacionais existentes e a expulsão da população mais pobre para locais indesejados, até o ponto deles serem excluídos do mercado formal de habitação — morando em favelas ou cortiços — ou indo viver em locais extremamente mal localizados, onde eles perderão parte dos benefícios de viver na cidade devido à falta de acesso.

Portanto, o preço que você paga para morar é reflexo de tudo isso. De quantas pessoas com tanto ou mais dinheiro que você gostariam de morar onde você mora, e de onde mais você poderia morar se não lá.

Da próxima vez que você reclamar de um prédio sendo construído do lado do seu, pense onde você moraria se o seu bairro só tivesse meia dúzia de mansões.

Sua ajuda é importante para nossas cidades.
Seja um apoiador do Caos Planejado.

Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.

Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.

Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.

Quero apoiar

LEIA TAMBÉM

Desafios e soluções na concessão de parques

Parques públicos são fundamentais para as cidades e o meio ambiente, mas sua manutenção disputa espaço no orçamento com outras áreas prioritárias, como saúde e educação. Para reduzir despesas, o Poder Público tem realizado parcerias com a iniciativa privada. No entanto, as consequências desse modelo ainda precisam ser melhor avaliadas.

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

  • Uma cidade mais justa e inclusiva para seus habitantes, tem que ter um empenho dos governantes e de suas equipes técnicas para criar leis e ações que facilitem aos mais carentes acesso a imoveis em áreas centrais ou proximais a vias principais de deslocamento das periferias aos grandes centros comerciais e isso depende de politicas publicas como na aquisição lotes para construção de imoveis para moradia por despropriação, aquisição ou utilização de áreas publicas para baratear o custo da construção, alem de leis edilícias que direcione as construtoras a incluir nos seus empreendimentos apartamentos com opções variadas de preço para atender as varias classes sociais e permitir com isso uma maior sociabilidade e interação entre as classes sociais. Tais medidas além de outras como criação de corredores expressos , transportes públicos de qualidade e a criação de bairros periféricos próximos e esses corredores viários, mitigaria a favelização nos grandes centros e a redução da violência urbana e uma melhor qualidade de vida para sua população, pois morar próximo ao trabalho e ter acesso a serviços públicos e privados sem ter que se deslocar a grandes distâncias é o sonho de todos os moradores dos grandes centros urbanos.

  • Sou nascido e criado em Palmas-TO (atualmente com cerca de 300 mil habitantes). Já morei em cidades menores. A única cidade maior que Palmas que conheci foi Brasília onde fiquei por uma semana. E só consigo me lembrar do caos. Sinceramente tenho aversão a cidades grandes, talvez por falta de costume, mas acho muito desgastante, principalmente se morar em periferia e estudar e trabalhar no centro. Palmas tem pequena população, porém sua extensão territorial é grande comparado à população residente. A cidade é muito espraiada e o centro muito caro. O Plano Diretor tem muito espaço vazio, mas o altos custos pressionam a criação de loteamentos e bairros periféricos. O que ameniza as grandes distancias é a pouca quantidade de pessoas e veículos e o bom planejamento da cidade. Eu vejo noticiários de pessoas em situações deploráveis em grandes centros e, ao me colocar no lugar deles, só consigo me ver vendendo tudo e me mudando para uma cidade como Palmas.

    • Oi William, obrigado pela leitura e pelo comentário!

      Realmente, grandes cidades não são para todo mundo! O que normalmente discutimos aqui não é que todos deveriam morar em grandes cidades, mas sim como gerir e adaptar grandes cidades dado que muitas pessoas preferem morar nelas e elas seguem crescendo.

      Um abraço!
      Anthony
      Editor do Caos Planejado

  • Na minha modesta opinião,viver em uma cidade grande traz muito mais prejuízos q vantagens.Sou paulistano e , á medida q cresci ,percebi como é valioso ter acesso á tranquilidade e os serviços e oportunidades não são mais tão escassos . Creio q as únicas gdes vantagens q a gde cidade ainda oferece são mais oportunidades no serviço público e opções de lazer ( cujas melhores normalmente ficam distantes e são caras) ,no mais é lidar com os problemas q se aglomeram enquanto as autoridades não fazem nada direito para os resolver

    • Caro André,

      Obrigado pela leitura e pelo comentário. A parte boa das cidades é que ninguém é obrigado a morar nelas: a opção de viver em uma área rural, mais tranquila, normalmente é muito mais acessível do que em uma grande cidade. Mas, como você falou, cidades normalmente oferecem muitas oportunidades e, com todos seus problemas, muita gente acaba decidindo permanecer ou migrar para cidades! Concordo totalmente com você: o desafio é resolver os problemas que surgem com essa aglomeração, e nossa página existe para discutir realmente isso.

      Grande abraço,
      Anthony
      Editor do Caos Planejado