Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Uma Nova York que atendesse às exigências da lei de zoneamento seria uma cidade diferente; certamente, mais baixa e menos densa.
21 de março de 2017O ano de 2016 marcou o centenário da lei de zoneamento da cidade de Nova York. Um artigo do New York Times revela que as alterações feitas pela lei podem não ter sido tão impactantes como aparentam. Nova York foi a primeira cidade americana a desenvolver uma lei de zoneamento abrangente. Inicialmente, buscando promover uma cidade mais saudável, a lei surgiu como uma resposta às insalubres moradias bem como aos altos e volumosos edifícios de escritórios que estavam se propagando com poucas restrições por Manhattan.
A chegada do arranha-céu era um fato recente e os cidadãos temiam a diminuição da circulação de ar e luz na cidade. Com o tempo, no entanto, a lei mudou para enfrentar novos desafios, incluindo normas ambientais e de segurança, por exemplo. Mais recentemente, o prefeito Bill de Blasio aprovou medidas para diminuir a gentrificação em alguns bairros.
Contudo, muitos dos edifícios de Nova York ficaram aprisionados no passado. Pelo fato de a lei estar constantemente mudando, muitos edifícios existentes na cidade jamais seriam aprovados para construção hoje em dia. Ainda conforme o jornal, uma empresa de investimento imobiliário chamada Quantierra recentemente vasculhou diversos registros e descobriu que um total de 40 por cento dos edifícios da cidade não cumprem as diretrizes atuais.
“Muitos edifícios em bairros característicos de Manhattan como Chinatown, Upper East Side e Washington Heights não poderiam ser erguidos hoje: imóveis nessas áreas tendem a cobrir muito de seus lotes (Washington Heights), têm muito espaço comercial (Chinatown) ou são muito altos (Upper East Side). Áreas como Chelsea, Midtown e East Harlem, por outro lado, permaneceriam muito como já estão”, observa o New York Times.
“Olhem para os belos bairros de Nova York que nós nunca poderíamos construir novamente”, afirma Stephen Smith da Quantierra. “É ridículo que tenhamos esses edifícios de cem anos de idade que todo mundo ama, e nenhum deles ‘deveria’ ser como são.”
Uma Nova York que atendesse às exigências da lei de zoneamento seria uma cidade diferente; certamente, mais baixa e menos densa. As regras de zoneamento buscavam, no início, criar quarteirões menos abarrotados e insalubres, porém essas mesmas regras afetam, hoje, a oferta de moradia na cidade. A metrópole já possui uma enorme demanda por apartamentos e reduzir a quantidade destes só aumentaria os custos de quem busca viver por lá. Como em muitas outras cidades no mundo — em especial as brasileiras, infelizmente — o excesso de burocracias e restrições construtivas contribui para tornar Nova York menos acessível e, consequentemente, mais elitista.
É importante ressaltar que, ainda de acordo com o jornal, quase três quartos de Manhattan foram construídos entre 1900 e 1930, segundo o escritório de arquitetura KPF, fonte do veículo. Muito do que foi feito nessa época segue preservado com a ajuda da lei de zoneamento, pois como as regras atuais são mais restritivas, os proprietários possuem um incentivo para manter os edifícios antigos. A cidade está também considerando uma proposta que permitiria que os mesmos edifícios fossem reconstruídos com suas dimensões originais e possivelmente ainda maiores.
Atualmente, com suas mais de 1200 páginas (eram apenas 81, em 1916), um outro grande desafio que a lei de zoneamento enfrenta é a sua falta de transparência. Embora tenha implicações relevantes na vida dos habitantes da cidade, são poucos os que conseguem compreendê-la de fato. É por esse motivo que a Sociedade Municipal de Arte de Nova York (Municipal Art Society) pediu uma revisão da lei para torná-la mais inteligível ao cidadão comum. Tendo isso em mente, por fim, é importante lembrar que as leis literalmente moldam os espaços urbanos; assim, seria bom que se tomasse mais cuidado para que nossos legisladores não suprimam os aspectos que mais adoramos em nossas cidades.
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