Vila Leopoldina: é possível que projetos urbanos agradem a todos?
Imagem: Fernando Stankuns.

Vila Leopoldina: é possível que projetos urbanos agradem a todos?

O PIU Vila Leopoldina vem gerando admiração, conflitos e controvérsias, mas é impressionante seu potencial para conciliar tantas visões e interesses distintos.

10 de janeiro de 2022

Amplamente aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo em sua votação de primeiro turno, o Projeto de Lei que pretende implantar o Projeto de Intervenção Urbana Vila Leopoldina — Villa Lobos (PIU-VLVL) aproxima-se agora de sua votação final. Submetido à apreciação da Câmara Municipal por iniciativa do Executivo há mais de dois anos, o PL428/2019 é o resultado de um longo processo de pactuação entre poder público, setor privado e sociedade civil.

No momento em que nos aproximamos do oitavo ano de implantação do Plano Diretor Estratégico, vale a pena repensarmos — a partir da experiência do PIU Vila Leopoldina — Villa Lobos — a relevância deste instrumento na pactuação do desenvolvimento urbano da cidade.

Os estudos para a realização deste PIU se iniciaram em 2016 por iniciativa de um conjunto de atores privados que pretendiam promover a transformação urbana de uma antiga área industrial desativada na zona oeste da cidade.

Constituindo um perímetro de aproximadamente 400 mil m², o intuito dos proponentes era, por um lado, desencadear uma estratégia de desenvolvimento urbano articulada com o poder público, permitindo assim suplantar as significativas assimetrias sociais e urbanas presentes no perímetro.

De outro, pretendia-se também estimular um processo de transformação em linha com as melhores práticas urbanas internacionais, promovendo uma forma de produção de cidade espacialmente mais equilibrada e socialmente mais justa.

O perímetro do PIU VLVL apresenta condições particularmente vantajosas para a implantação de um bom modelo urbano. O parque industrial construído, outrora um símbolo do fulgor econômico da cidade, se tornou hoje obsoleto, mas deixou um padrão de parcelamento muito auspicioso para uma nova forma de ocupação.

As grandes glebas industriais são um ativo relevante para a geração de uma nova urbanidade, mais moderna, com usos mistos, com maior adensamento e equilíbrio em relação a suas vantagens infraestruturais no sistema metropolitano.

Este potencial já havia sido identificado pelo próprio poder público em 2014, na estruturação do Plano Diretor da cidade, que definiu este território como parte integrante da Macroárea de Estruturação Metropolitana (MEM).

Ao mesmo tempo, no perímetro de intervenção do PIU Vila Leopoldina — Villa Lobos, os contrastes territoriais, sociais e econômicos são muito acentuados. Por um lado, condomínios de alta renda são bordeados de excelente infraestrutura de mobilidade urbana, contando com uma robusta rede de comércio, varejo, gastronomia e indústrias criativas.

Por outro lado, a ausência de soluções habitacionais para a população de baixa renda que vive, trabalha e reside na região deu origem a uma gravíssima e urgente questão humanitária. As famílias das Favelas do Nove e da Linha — assentadas na região faz décadas — não conseguiram entrar no mercado habitacional formal e, à medida que as comunidades foram adensando, as condições se tornaram crescentemente insalubres — sem saneamento, iluminação e ventilação adequados — sendo recorrentemente atingidas por enchentes e incêndios.

Área Institucional do Vila Leopoldina
Área institucional do PIU: 400 unidades de habitação de interesse social. (Imagem: PIU VL)

O PIU Vila Leopoldina une a demanda por habitação social à pluralidade de um bairro mais equilibrado que pode ser adensado a partir da infraestrutura já existente. Como é de interesse público adensar a região, a prefeitura permite aumentar o potencial construtivo a partir de uma compensação específica: a Outorga Onerosa. Sem o PIU-VLVL, a alocação desse recurso seria feita ao longo do tempo, consoante absorção pelo mercado, o que impediria sua alocação em projetos significativos rapidamente.

O PIU Vila Leopoldina inova ao propor que toda a outorga do perímetro seja vendida antecipadamente, de forma a que o recurso possa ser usado imediatamente na construção de moradias sociais, infraestrutura e equipamentos públicos, atendendo a demandas mais urgentes da sociedade.

Essas são questões centrais ao interesse público deste PIU. Seria então possível construir um tecido urbano que reconcilie as contradições observadas na Vila Leopoldina? Seria possível uma forma urbana que priorize o coletivo? A tendência observada em São Paulo desde os anos 1970 indicaria que não.

Vista aérea do projeto
Vista aérea do projeto. (Imagem: PIU VL)

Desde então, cada vez mais pessoas se fecharam em enclaves fortificados — condomínios fechados, shoppings centers, mega postos de comércio, clubes particulares. A velocidade da fragmentação social e territorial superou qualquer expectativa de colaboração, integração e planejamento que integrasse as microescalas da cidade em uma visão coerente de cidade.

Nos últimos anos, porém, os instrumentos introduzidos pelo PDE de 2014 amadureceram uma consciência coletiva de cidade. Das ciclofaixas à apropriação de espaços públicos —  como a abertura da Av. Paulista para pedestres aos domingos, do Parque Augusta ao alargamento de calçadas e conversão de vagas de rua em micro praças (os Parklets) — vários são os indícios de que a cidade como um processo de construção coletiva fazem agora parte do léxico dos cidadãos de São Paulo.

Enquanto instrumento de transformação urbana, os PIUs têm todo o potencial para estimular essa construção coletiva. Articulados de forma clara pelo Poder Público por meio de um conjunto de procedimentos, direitos e obrigações pré-estabelecidos pelo próprio PDE, as regras de mediação entre os diferentes atores envolvidos na produção urbana se tornam mais transparentes.

Desta forma, o poder público, os proponentes privados e a sociedade civil puderam interagir na modelagem dos projetos urbanos, buscando um equilíbrio entre interesses eventualmente conflitantes. Neste sentido, o PIU Vila Leopoldina — Villa Lobos não é meramente um projeto de seus proponentes, mas uma construção coletiva da sociedade, elaborado abertamente através de diagnósticos, estudos, consultas públicas, audiências públicas, reuniões, oficinas e diálogos com diversas entidades e grupos interessados.

Como todo projeto urbano, o PIU Vila Leopoldina vem gerando admiração, conflitos e controvérsias — muitos dos quais ainda estão sendo debatidos nas audiências e consultas públicas. De toda forma, é impressionante o potencial de conciliação de tantas visões e interesses distintos sintetizados, e possivelmente solucionados, em uma única proposta. 

A Prefeitura se beneficiará com valorização que o projeto traz para o entorno, o que deve aumentar a arrecadação com o IPTU e valorizar o estoque de potencial construtivo no perímetro e em seu entorno. A iniciativa privada ganha em potencial construtivo, em segurança jurídica e na garantia de responsabilidades compartilhadas com o poder público. As populações vulneráveis da região serão finalmente amparadas.

A cidade será favorecida com um projeto que tem grande poder de transformação, geração de empregos e atividade econômica, e também ações que fortalecem a conexão entre as pessoas e os lugares que compartilham, possibilitando maximizar o valor dos usos públicos dos espaços.

Em resumo, o mecanismo do PIU abriu oportunidade única para que São Paulo concilie as diversas vozes que constroem a cidade. Enquanto ferramenta urbana, gera visões concretas e compartilhadas de longo prazo, fomentando um equilíbrio mais balanceado entre forças “top-down” — de cima para baixo, emanadas do poder político ou econômico — e “bottom-up” — de baixo para cima —, de corte cívico-participativo. E isto sim, é uma grande vitória para São Paulo.

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