Oxe, mais um Oxxo?!
Imagem: Donnie28/Wikimedia.

Oxe, mais um Oxxo?!

Estará o comércio dos bairros condenado à completa padronização? Enquanto em alguns segmentos como mercadinhos e farmácias, a resposta parece ser sim, em todos os outros setores sempre haverá espaço para tradição, inovação e empreendimentos originais.

15 de maio de 2023

Sou morador da Zona Oeste de São Paulo, mais especificamente da Vila Pompeia, no distrito de Perdizes, uma região que está passando por um intenso processo de verticalização, especialmente nas áreas próximas às futuras estações da Linha 6-Laranja do Metrô.

Para ficarmos apenas na Zona Oeste, fenômeno semelhante também está acontecendo no distrito de Pinheiros, nos arredores de estações da Linha 4-Amarela e da Linha 2-Verde; trata-se, visivelmente, de um reflexo do Plano Diretor de 2014, que tinha como uma das suas estratégias o adensamento populacional nos chamados Eixos de Estruturação da Transformação Urbana. 

Entre amigos que moram na região, enquanto quase todos condenam as frequentes demolições das antigas casinhas, da primeira metade do século passado, para a construção de prédios, prédios e mais prédios sem graça, eu, ainda que more em uma casinha, costumo defender a verticalização nessas áreas, argumentando que o problema não é a verticalização em si, mas a qualidade da verticalização.

Entendo que prédios sem recuo, com fachada ativa e áreas de fruição pública, unidades habitacionais de diversos tamanhos, para diferentes públicos, podem, sim, garantir a qualidade de vida nos bairros e o bem-estar de quem caminha pelas calçadas; com as vantagens adicionais que este tipo de adensamento traz: mais gente, mais segurança, mais diversidade e, consequentemente, mais empreendimentos comerciais.

Para a cidade, além de ajudar a suprir a demanda por moradia, a maior oferta de imóveis e o adensamento em áreas próximas a empregos e com fácil acesso ao transporte público ainda podem significar menos congestionamentos, menos acidentes de trânsito, menos barulho de automóveis e menos poluição atmosférica.

Redes como Oxxo, Raia-Drogasil, Carrefour Express ou mesmo as redes de padarias Benjamin e de sorveterias Bacio di Latte, contudo, têm dificultado um pouco a minha vida nesses debates…

“Você viu? Derrubaram mais um quarteirão inteiro de casas históricas aqui perto. Legal, vai subir mais um prédio marrom, cinza ou bege, com um Oxxo ou uma Drogasil embaixo, provavelmente. Oba…”, esbravejou recentemente uma amiga.

Meme Oxxo
Meme que circulou na internet brincando com a rápida expansão da rede de mercadinhos Oxxo.

“Em todas as principais ruas de lojas e restaurantes de São Paulo, seja em Moema, Pinheiros, Perdizes ou Jardins, a sorveteria é sempre a mesma, a Bacio di Latte”, comentou outro amigo, com certa dose de exagero. “E a padaria, uma Benjamim”, emendou outro, exagerando ainda mais (porque isso, definitivamente, não é verdade).

“Pois não só para ganhar calorias as opções parecem ser, cada vez mais, sempre as mesmas. Para perder também. Perto de casa, veja só, abriu outra Smartfit”, ironizou outra amiga.

“Vão fechar a Mercearia São Pedro para construir um prédio. Agora querem acabar com o Anexo do Espaço Itaú de Cinema para construir outro condomínio. Legal, vai ter fechada ativa, provavelmente um novo Carrefour Express. Trocamos história e cultura por embalagens de plástico e alimentos ultraprocessados. Viva…”, se revoltou outro. 

“A cidade repetida ao infinito, na proliferação do mesmo mercadinho” é o título de um ótimo artigo do escritor Julián Fuks para o UOL sobre a rápida expansão da rede de mercadinhos Oxxo pela cidade de São Paulo e cuja leitura recomendo.

Conforme sugere Fuks, estaríamos, afinal, fadados à padronização da nossa cidade, com prédios sem graça apagando a nossa história e as mesmas redes de varejo ocupando cada vez mais os espaços comerciais?

Mapa
Pesquisa no Google por mercadinhos da rede Oxxo na região Central de São Paulo.

Por mais que também julgue um pouco deprimente me deparar a todo momento com os mesmos comércios nas principais regiões que frequento da capital, ainda acho que a resposta seja não, não estamos fadados à completa padronização da nossa cidade.

Para alguns segmentos de comércio e serviços, é verdade, talvez o domínio de mercado de certas marcas seja mesmo inevitável; e isso se deve, principalmente, a duas questões econômicas básicas: as economias de escala e a diferenciação de produtos e serviços.

O conceito de economias de escala trata da relação inversa entre a quantidade de certo produto e o seu custo por unidade: no caso de redes de varejo, quanto maior a quantidade que adquirem do produtor ou do atacadista, menor o preço que pagam e, consequentemente, menor o preço que podem cobrar do consumidor final. As grandes redes ainda levam importantes vantagens competitivas em logística e publicidade na comparação com os pequenos comércios, também por causa da escala.

Particularmente no caso de alguns segmentos do varejo, como o de mercadinhos e farmácias, praticamente não há diferenciação dos produtos comercializados pelas diferentes lojas; e o atendimento também tende a ser cada vez mais padronizado, caminhando até mesmo para a automação — o que também reduzirá custos.

Nestes casos, preço e praticidade (localização) acabam sendo determinantes para a escolha do consumidor; e as grandes redes, que têm maior escala e, consequentemente, menor preço, tendem mesmo a tomar cada vez mais espaço de comércios menores, aos quais resta tentar diversificar a oferta de produtos e caprichar ainda mais no atendimento — muitas farmácias de bairro, no entanto, só sobrevivem ainda porque vendem certos remédios sem receita médica…

No caso particular das farmácias, a crescente demanda por medicamentos, impulsionada por fatores como o envelhecimento populacional, também ajuda a explicar a proliferação de unidades das grandes redes pela cidade. Em outros casos, como o da rede de padarias Benjamin, a rápida expansão fez parte da estratégia dos fundos de investimento que adquiriram a antiga Benjamin Abrahão.

Os ganhos de escala com fornecedores e de sinergia entre diferentes negócios do mesmo ramo, por sinal, é o que explica a entrada do grande capital financeiro neste tipo de segmento, com redes de bares e restaurantes passando a fazer parte de grupos empresariais (como a Cia. Tradicional de Comércio, por exemplo, dona de estabelecimentos como a pizzaria Bráz e o bar Pirajá), o que também leva a uma tendência de padronização da cidade, com os mesmos estabelecimentos em diferentes polos de comércio e entretenimento.

Por mais que se trate de um negócio e de uma fonte de renda, contudo, um empreendimento comercial, na maioria dos casos, tende a espelhar a vocação e a visão de seu dono, representando, muitas vezes, a realização de um sonho — basta pensar nas livrarias de rua que abriram as portas recentemente, a despeito da derrocada de grandes redes como Cultura e Saraiva e do avanço do comércio eletrônico, conforme analisei em outro artigo. E é aí que reside parte da explicação para o surgimento constante de empreendimentos únicos e originais.

Além disto, em grande parte dos segmentos de comércio e serviços — especialmente no setor de bares e restaurantes, mas também de vestuário, decoração, saúde e beleza —, onde atendimento e ambiente ainda são diferenciais e há grande margem para diferenciação de produtos e serviços, me parece que sempre haverá espaço para empreendimentos singulares ou inovadores.

Perto de casa, por exemplo, abriram recentemente três lojas da Oxxo; e outras três devem abrir em breve nas fachadas ativas de novos prédios, conforme comentei em um post no Linkedin.

Por outro lado, desde a abertura da primeira loja, lá em 2021, em plena pandemia, também já abriram novas hamburguerias, uma padaria, muitos salões de beleza, pelo menos três bares, três livrarias e uma lojinha especializada em milk-shakes — no lugar de uma churreria, que, devido ao sucesso, se mudou para um ponto maior nas redondezas. Isto para ficar apenas nos exemplos que consegui rapidamente lembrar aqui.

Tudo isto para dizer que a rápida expansão da rede Oxxo chama atenção, é claro; mas, no mesmo período, o comércio local continuou a apresentar novidades e diversidade.

Em relação particularmente às hamburguerias, o surgimento (até um pouco exagerado, é verdade) de novas lanchonetes talvez tenha ocorrido não a despeito da presença maciça do McDonald’s e do Burger King pela cidade, mas exatamente por causa da presença maciça destas redes e pela oportunidade de diferenciação e diversificação identificada no setor. Ou seja, a monotonia e a repetição podem acabar criando demanda por diferenciação e novidade. E sempre haverá alguém para tentar suprir essa nova demanda.

Paralelamente à abertura de muitas unidades do Oxxo na região central desde 2021, também abriram as portas empreendimentos incríveis e originais como as livrarias Megafauna e Gato sem rabo, o Cineclube Cortina e o bar Cora, para citar apenas alguns exemplos. Logo, o predomínio de grandes redes em alguns setores não parece afetar a criatividade e a diversidade dos empreendimentos que continuam surgindo em outros segmentos pela capital. 

Se uma nova loja da Oxxo tende a diminuir as vendas de produtos industrializados do antigo mercadinho do bairro, ela também pode representar uma oportunidade para que este mercadinho reforce sua presença como uma fonte mais diversa de produtos frescos e saudáveis, por exemplo.

“Cara, mas e aquela fachada amarela e vermelha horrível do Oxxo em cada esquina? Já abriram um até na charmosíssima Avanhandava, estragando o visual da rua”, me interrompeu outro amigo, argumentando ainda que comércios tradicionais colaboram para construção da identidade de uma rua ou mesmo de um bairro — com o que concordo plenamente.

É, talvez tenhamos que nos conformar com a repetição das fachadas das lojas de algumas redes de varejo, consideremo-las bonitas ou não. Não será a presença de um Oxxo, de um Hirota, de um Minuto Pão de Açúcar ou de um Carrefour Express na Bela Vista, contudo, que colocará em risco negócios como as históricas e maravilhosas padarias italianas do Bixiga, por exemplo. Na vizinha Liberdade, também não serão as grandes redes de mercadinhos que farão frente às incomparáveis mercearias orientais do bairro.

E por falar no patrimônio histórico e cultural imaterial da cidade, em casos específicos como o da Mercearia São Pedro e do Anexo do Espaço Itaú de Cinemas que mencionei, o que faltou, me parece, foi um pouco mais de sensibilidade das incorporadoras — que, em sua maioria, insistem em se comportar como o “vilão” do filme “Aquarius”, do Kléber Mendonça Filho (para quem ainda não viu, é um daqueles novos clássicos para quem gosta de arquitetura e cidades).

Com mais diálogo entre os construtores e os empreendimentos comerciais e algum investimento em escritórios de arquitetura de qualidade, creio que seja possível verticalizar o centro expandido de São Paulo e manter vivos estabelecimentos comerciais que não apenas são rentáveis ou bastante frequentados, como também fazem parte do patrimônio histórico e cultural imaterial da capital paulista.

Para as incorporadoras, isto não deveria ser encarado como um ônus, mas como uma oportunidade única de negócio. O que, afinal, lhe parece mais agradável para um futuro morador da Rua Augusta: contar com um Oxxo no térreo ou viver em cima das charmosas salas de um dos pouquíssimos cinemas de rua restantes na cidade?

Para quem não é de São Paulo ou não conhece algum dos lugares mencionados no artigo:

Mercearia São Pedro: Tradicional reduto de escritores, jornalistas e boêmios da capital paulista, o ponto de encontro, misto de bar, livraria e mercearia, é um dos locais mais icônicos da Vila Madalena. O encerramento das atividades do estabelecimento, cujo terreno foi comprado por uma incorporadora, deve ocorrer ainda em 2023, conforme matéria da Folha.

Anexo do Espaço Itaú de Cinema: Um dos charmosos cinemas de rua sobreviventes de São Paulo, localizado na Rua Augusta. Com duas pequenas salas, costuma exibir filmes que não estão no circuito comercial e ainda conta com uma área aberta no fundo, com um café onde é possível escapar um pouco do corre-corre nas ruas e avenidas do entorno. O terreno onde fica foi vendido para uma incorporadora; o cinema chegou a anunciar o encerramento de suas atividades em fevereiro de 2023, mas o Ministério Público entrou com uma ação para impedir o fechamento, conforme matéria do G1.

Rua Avanhandava: Rua charmosa na Bela Vista, região central da cidade, repleta de famosos restaurantes e que foi reurbanizada no início dos anos 2000 a partir de uma parceria entre a Subprefeitura da Sé e a Associação dos Restaurantes da rua, com apoio de uma empresa de serviços financeiros.

Rua Augusta: É uma das mais famosas de São Paulo. Conecta o centro da cidade ao bairro dos Jardins. O trecho que liga a Avenida Paulista ao centro, repleto de bares, restaurantes e boates, é reconhecido, principalmente, pela intensa vida noturna. É nele que fica o Espaço Itaú de Cinema.

Bixiga: “Apelido” de uma região no distrito da Bela Vista muito conhecida pela influência da imigração italiana, onde ficam diversas cantinas e as padarias que mencionei; antes da chegada dos imigrantes italianos, porém, foi uma área de aquilombamento. A região, também muito marcada pela presença de migrantes nordestinos, é berço da famosa escola de samba Vai-Vai.

Liberdade: Bairro conhecido principalmente como reduto da comunidade japonesa em São Paulo, mas também com forte presença de imigrantes chineses, coreanos, tailandeses e taiwaneses e seus descendentes; assim como a Bela Vista, também abrigou organizações de ex-escravos e seus descendentes.

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  • Mais uma evidência de que a Lei CIdade Limpa, que ainda existe, na prática virou pó. Você citou a fachada da loja sem mencionar que eles desrespeitam brutalmente a Lei Cidade Limpa, ou seja, são fachadas ilegais que estão se proliferando pela cidade e, se de um lado não tem fiscalização ativa da Prefeitura, também provavelmente não há denúncias por parte dos cidadãos. Eu já denunciei uma fachada irregular de uma imobiliária na minha rua e a denúncia foi atendida e tiveram que alterar a fachada, e provavelmente foram multados. Mas parece que ninguém liga mais.