O que o Parque Ibirapuera em São Paulo tem a ver com o Nobel de Economia?
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
Muitos acreditam que o total de impostos pagos para adquirir, manter e abastecer um carro são mais que suficiente para dar conta de toda a infraestrutura pública viária necessária.
23 de setembro de 2021“A gente paga tanto imposto e as ruas estão sempre esburacadas”. “Cadê o dinheiro do IPVA que não melhora as vias?”. “Se já pago impostos, qual o sentido de ter que pagar para estacionar na rua?”. Essas são algumas das frases recorrentes entre motoristas de automóveis de qualquer cidade brasileira. Elas retratam um sentimento muito profundo, honesto, mas extremamente equivocado.
Via de regra, os donos e usuários de automóveis acreditam serem vítimas de uma grande injustiça tributária. O total de impostos que pagam para adquirir, manter e abastecer um carro seria mais que suficiente para dar conta de toda a infraestrutura pública viária e ainda sobraria um “troco” para mais rodovias, pistas e viadutos.
Este raciocínio é permeado por erros, sendo urgente um debate público mais aprofundado sobre o tema. Antes de tudo, é preciso entender que imposto é um tipo específico de tributo e não tem como função oferecer uma contraprestação de serviço a quem contribui.
Quem paga imposto sobre um videogame não deve esperar que o governo depois produza consoles de jogos. Ou o consumidor de bebidas alcoólicas não precisa esperar que o governo construa adegas futuramente.
Todavia, o debate é legítimo, pois o cidadão pode avaliar ser este um parâmetro válido para qualificar políticas tributárias. E, ademais, é funcional, pois avaliar a correspondência entre os valores gastos e arrecadados com o uso do modal automotivo pode ser especialmente útil na comparação de custos e benefícios envolvendo outros meios de transporte e servir para guiar políticas públicas de mobilidade urbana.
Só que na busca por esses valores é importante não cometer dois grandes equívocos.
Em primeiro lugar, na tentativa de se mensurarem os gastos, é usual considerar apenas a infraestrutura urbana, esquecendo-se que os automóveis também causam acidentes, mortes, invalidez, poluição sonora e ambiental, espraiamento urbano, impermeabilização do solo, enchentes, ilhas de calor, barreiras a outros meios de transporte, tempo perdido no trânsito, aumento dos custos com saneamento, com transporte e energia, dentre muitos outros. Na economia, esses eventos são chamados de externalidades negativas, as quais representam gastos ou perdas arcadas/sofridas por terceiros.
No Brasil, a Associação Nacional dos Transportes Público (ANTP) encontrou externalidades negativas mais gastos com infraestrutura produzidos pelo transporte motorizado individual (motos e carros) de até R$ 136 bilhões para o ano de 2018, aferindo apenas as perdas com acidentes, poluição, ruídos e manutenção das vias em cidades com mais de 60 mil habitantes.
Além disso, o patrimônio viário envolvido no transporte individual motorizado nessas cidades custaria nos dias de hoje algo em torno de R$ 1,2 trilhões.
O segundo grande equívoco se dá em considerar o valor integralmente arrecadado por via da tributação. Em 2018, os impostos sobre combustíveis e automóveis totalizaram R$ 175 bilhões, sendo R$ 43 bilhões em IPVA, R$ 86 bilhões em ICMS/Combustível, R$ 37 bilhões em ICMS/Automóvel (valor este de 2015), R$ 5,7 bilhões de IPI-Automóvel e R$ 3,9 bilhões de CIDE-Combustível.
Todavia, há que se lembrar que sobre a maioria dos bens e atividades econômicas incidem impostos, os quais não seguem o princípio do benefício. De forma que alguns autores defendem que o mais correto seja utilizar apenas o que é pago excepcionalmente, como IPVA, as tarifas de Zona Azul e a Cide-Combustível.
Ou então, no caso dos impostos incidentes sobre a maioria dos bens comercializados, como o ICMS e o IPI, avaliar se a tributação incidente sobre os bens automotivos é maior ou menor do que o praticado no restante da economia.
Portanto, para que sejam verdade as reclamações recorrentes dos motoristas a respeito de eventual excesso de tributos pagos por eles, é preciso, antes de tudo, saber se a carga tributária média que pagam está acima ou abaixo do que é pago pela sociedade em outros produtos.
A título de exemplo, hoje a carga tributária para a compra de um carro 1.0 gira em torno de 34%, enquanto a tributação média para compra de uma bicicleta seria de 46%. Nesse caso, a tributação sobre a compra de um carro se mostra mais benéfica relativamente à bicicleta, o que torna esses 12% a menos um benefício, ou, dito de outra forma, um subsídio para quem pretende adquirir automóvel.
Logo, o importante é definir uma base de comparação e verificar se houve “excesso” de tributação ou subsídio aos automóveis e combustíveis.
No caso do ICMS, a alíquota para a maioria dos produtos da economia é de 17% ou 18%, a depender do estado. Assim, verifica-se que as alíquotas para os automóveis (12% para todos os estados até 2018) e o diesel (16% em média), geralmente estão abaixo desses percentuais, enquanto para gasolina (28% em média) e etanol (24% em média) estão acima.
O passo seguinte é estimar a arrecadação, caso todas as alíquotas convergissem para a média. Cálculos preliminares realizados a partir do volume de combustível vendido, do preço médio praticado e das alíquotas de ICMS em cada estado indicam um possível excesso de arrecadação de ICMS/Combustível no montante de R$ 13 bilhões.
Por sua vez, observou-se que o IPI sobre automóveis tende a ser maior que a média, mas não o suficiente para compensar o menor ICMS sobre a venda de automóveis, de forma que se optou por não considerar o montante arrecadado por ambos.
Já a CIDE-Combustível (R$ 3,9 bilhões) e o IPVA (R$43 bilhões), por serem tributos específicos e não incidirem sobre outros bens, também poderiam ser hipoteticamente somados aos 13 bilhões do ICMS/Combustível, o que resultaria num total de R$ 60 bilhões.
Desta forma, finalmente se pode realizar em bases mais corretas a tão almejada comparação retratada no início do texto. Enquanto a contribuição efetiva do setor automotivo/combustível deve girar na faixa dos R$ 60 bilhões, os recursos que os automóveis demandam da sociedade ficam no mínimo em R$ 136 bilhões.
Ou seja, na melhor das hipóteses, os motoristas estariam contribuindo com o equivalente a somente algo em torno de 44% das perdas que o uso do automóvel impõe à sociedade.
Vale ressaltar que no caso dos impactos negativos não estão sendo consideradas dezenas de outras externalidades e o relatório Simob trabalha apenas com cidades com mais de 60 mil habitantes, enquanto o cálculo da tributação abrangeu todo o país.
Para se ter uma ideia, as externalidades negativas calculadas pela ANTP representaram 1,9% do PIB, enquanto cálculos mais abrangentes realizados para os EUA estimam externalidades de até 8% do PIB. De forma que se as externalidades não calculadas para o Brasil forem similares às dos EUA, os motoristas estariam pagando somente 10% dos danos/perdas causados à sociedade.
Por isso, é possível que os subsídios em favor de quem usa o carro devam ser ainda maiores do que os valores aqui apresentados. De onde se conclui que ciclistas, pedestres e usuários do transporte coletivo estão sofrendo perdas e arcando com os recursos destinados aos usuários do modal automotivo.
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