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Leia a apresentação à edição brasileira do livro Ordem sem Design, de Alain Bertaud, escrito pelo nosso editor-chefe Anthony Ling.
20 de março de 2023Um avião, um helicóptero ou um balão a gás são invenções que buscaram entender a força da gravidade para tentar vencê-la. Alguém que não acredita na força da gravidade, no entanto, pode inventar um tapete voador, que tem vantagens frente a essas máquinas aéreas: não polui, é confortável e é barato. Buscar soluções para cidades sem considerar forças de mercado é como tentar voar sem considerar a força da gravidade.
A analogia, dita por Bertaud em entrevista pouco após a publicação original deste livro, resume sua principal mensagem. Com a bagagem de uma longeva carreira prática em cidades do mundo inteiro, de Tremecén à Nova York, Bertaud ilustra com dados e exemplos práticos a ordem espontânea gerada por mercados no desenvolvimento urbano, além dos riscos de desconsiderar mercados no planejamento de cidades.
Para tal, o autor se embasa em conceitos já estabelecidos na literatura da economia urbana mas ainda distantes da prática do urbanismo operacional: no momento que esta obra é publicada, a disciplina ainda é um nicho acadêmico, e mesmo estudos nacionais na área são ignorados na análise e resolução de problemas urbanos brasileiros.
A lição trazida por Bertaud é urgente para as grandes cidades brasileiras que, mesmo com o país já tendo passado pela fase de crescimento urbano mais acelerado e se aproximando a quatro décadas de redemocratização, não têm apresentado melhorias nos seus principais indicadores urbanos.
Embora Bertaud nunca tenha trabalhado no Brasil, fica evidente a identificação de paralelos com as nossas cidades. A discussão de planos diretores, leis de uso e ocupação do solo, planos de mobilidade, programas habitacionais e códigos de edificações, documentos que norteiam o crescimento urbano das nossas cidades, até hoje sugerem os “tapetes voadores” descritos pelo autor para endereçar problemas urbanos.
A regra tem sido usar o que o autor chama de “design” para substituir o funcionamento de mercados, ou seja, a elaboração de uma regra, um plano, uma norma ou um desenho, que anula a ordem espontânea gerada por mercados por uma solução “desenhada”.
O entendimento de como mercados agem sobre o espaço urbano, no entanto, não deve ser interpretado como uma defesa da ausência de planejamento ou mesmo do “design” em qualquer circunstância. O fato de mercados produzirem uma ordem sem a presença de um design deliberado não significa que são capazes de endereçar adequadamente todo e qualquer problema urbano.
Pelo contrário: Bertaud atribui papel essencial ao planejador urbano e ao uso do design quando aplicável, principalmente na ausência de mercados. Além disso, urbanistas precisam acompanhar dados e indicadores medindo a eficácia das políticas urbanas para então revisá-las periodicamente.
A abordagem de planejamento urbano defendida por Bertaud é, no melhor dos casos, secundária no debate urbanístico brasileiro, que foca suas atenções na regulação construtiva dos espaços privados formais, estes já bem servidos pelo mercado em comparação a espaços públicos ou espaços privados que crescem na informalidade.
O uso de dados como ferramenta de gestão no urbanismo também segue a passos lentos. A compreensão da dinâmica de mercado, por exemplo, de quanto imóveis são acessíveis para diferentes segmentos de renda da população, é realizada principalmente por entidades e consultorias privadas, e não pelos planejadores e gestores que implementam a política urbana.
Em tempos de importância da defesa da ciência e da proposição de políticas públicas baseadas da análise da dados e evidências, “Ordem sem design” surge como um farol aos entusiastas que buscam se aprofundar nesta abordagem.
Neste livro, os principais mantras do planejamento urbano atual, como Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável, Zoneamento Inclusivo, Cidades Compactas e Limites de Crescimento Urbano, são desafiados por análises econômicas e exemplos empíricos sobre como as cidades funcionam na vida real, ainda que contrariem as pretensões dos urbanistas que os defendem.
A obra deve ser lida como um importante quebra de paradigma e um empurrão convincente para que urbanistas utilizem das ferramentas da economia urbana no planejamento e gestão das nossas cidades.
Este texto corresponde à apresentação à edição brasileira do livro Ordem sem Design, publicado no Brasil pela editora Bookman em 2023 com apoio do Caos Planejado.
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