Podcast #105 | Arborização urbana
Confira nossa conversa com a engenheira florestal Isabela Guardia sobre arborização urbana.
A arquitetura, o urbanismo e a criminologia se relacionam de diversas formas.
4 de julho de 2024Qual o custo público de baixar os índices de criminalidade? E o custo privado? A indústria da segurança bate recordes de crescimento ano após ano. E a cada ano, com ou sem eleições, políticos e administradores públicos destinam maiores verbas para a “segurança”.
Pense na sua cidade. Você pode andar tranquilo nas ruas? Falar ao celular? Parar o carro em sinal vermelho?
Bem, isso depende do bairro, da rua e especialmente do crime. As cidades estão se desenvolvendo em territórios isolados, especializados, controlados, planejados e uniformes, embora pareça o contrário. A rigidez do planejamento e das leis urbanas deixa pouca margem para que as cidades se desenvolvam de forma mais espontânea e orgânica e possam se transformar. Mas muitas áreas permanecem informais, onde as pessoas se estabelecem por menores custos, longe das leis urbanas, mas sujeitas a outras leis. As cidades se dividem em zonas especializadas e o crime também.
Leia mais: Como melhorar a segurança das cidades através do urbanismo
Na maioria das cidades brasileiras não é difícil notar a proliferação de ruas particulares, muros cada vez mais altos, grades, cercas, câmeras, entre outros artefatos, seja nos grandes conjuntos de prédios isolados que não se relacionam mais com as ruas, seja nas casas, vendas e botecos da periferia. O medo do crime é generalizado e esses são os sintomas.
Podemos afirmar que o desenho das cidades se relaciona com a criminalidade. Nossos planejadores urbanos muitas vezes se comportam como uma espécie de alfaiate que, se a roupa não fica boa, quer fazer ajustes no cliente. É uma ideia modernista. E assim surgem leis e decretos tentando consertar as coisas, a ponto de hoje você somente conseguir construir uma edificação contando com especialistas em legislação. A crítica ao planejamento centralizado modernista não é de hoje, embora com notável atraso no Brasil.
Em 1961, Jane Jacobs escreveu:
“Sob a aparente desordem da cidade tradicional, existe, nos lugares em que ela funciona a contento, uma ordem surpreendente, que garante a manutenção da segurança e da liberdade. É uma ordem complexa.” (Morte e Vida das Grandes Cidades).
Nessa frase, um ínfimo de suas ideias, Jane Jacobs fala da “cidade tradicional”, aquela parte da cidade que foi deixada em pé pelo modernismo urbano, e da “ordem surpreendente”, que são as conexões espontâneas estabelecidas nas ruas e calçadas pelos cidadãos, que garantem a “segurança e a liberdade”. Aqui nasceu a ideia do CPTED (Crime Prevention Through Environmental Design ou “prevenção do crime através do desenho urbano”), embora ainda não formalmente.
A partir das tremendas repercussões do trabalho de Jane Jacobs, as ideias de que a segurança poderia estar relacionada ao desenho do espaço urbano, à relação entre os edifícios e as ruas e ao comportamento das pessoas e suas reações aos espaços construídos, que permitem ou impedem conexões, tornaram-se objeto de investigação de uma série de arquitetos, urbanistas, criminologistas e outros profissionais ligados às ciências sociais e à economia.
Inúmeros autores escreveram sobre o tema, e existe uma sequência lógica das publicações de 1961 a 1996 que mostra o desenvolvimento do CPTED e a formação desse núcleo conceitual, que foi o ponto de partida para muitos desenvolvimentos posteriores. Algumas referências importantes desse período foram, por exemplo: a Teoria da Escolha Racional (1968) do economista Gary Becker; o livro “Crime Prevention Through Environmental Design” (1971), de C.R. Jeffrey; o conceito de “espaços defensáveis“ do arquiteto Oscar Newman (1972); e a publicação “Broken Windows” (ou “janelas quebradas”), de George L. Kelling e James Q. Wilson, em 1982, de onde se originou a conhecida “teoria das janelas quebradas”.
Em 1996, qualquer pessoa interessada poderia relacionar todas essas obras (e outras não citadas) e suas implicações no comportamento (criminal ou não) das pessoas nos espaços construídos. Assim fizeram os policiais Gregory Saville, Barry Davidson e Paul Wong (in memorian), criando, na cidade de Calgary, no Canadá, a ICA – International CPTED Association, uma associação sem fins lucrativos dedicada a reunir e desenvolver esse conhecimento com a metodologia chamada CPTED.
A ICA define o CPTED como:
“Estratégias que visam reduzir a vitimização, dissuadir as decisões dos infratores e agressores que precedem os atos criminosos e construir um sentido de comunidade entre os habitantes, para que possam obter o controle de seus territórios, reduzindo a criminalidade e minimizando o medo do crime”.
Não é possível estabelecer essas estratégias sem considerar: a arquitetura dos edifícios, seus significados e seu relacionamento com as calçadas e com as ruas; o urbanismo e as condições que ele impõe ao desenho e à configuração dos espaços públicos e privados nas cidades; e a criminologia, ou seja, as motivações e comportamentos das pessoas.
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De 1996 até 2004, aproximadamente, a metodologia CPTED desenvolveu-se baseada em quatro princípios, ou seja, características que os espaços deveriam possuir para a redução do crime e do medo do crime. É interessante notar que esses princípios, embora possam parecer orientações apenas para o desenho, fazem referência a aspectos e características fundamentais da natureza humana. São eles:
As consequências da aplicação do CPTED e do seu desenvolvimento prático, vistas nas medições e avaliações dos resultados aplicados ao longo do tempo em diversas localidades e países , levaram a uma aproximação cada vez maior da metodologia com as questões referentes ao comportamento social das pessoas, e novos aspectos físicos, sociais e psicoemocionais precisaram ser abordados, como:
Hoje, a metodologia do CPTED trabalha com uma hierarquia de necessidades onde são reconhecidas novas variáveis e camadas a serem consideradas, como: Participação Coletiva, Líderes Locais, Habitabilidade, Saneamento Básico, Microgestão, Geração de Renda Local, Saúde e Realização Pessoal e Coletiva.
Nessa abordagem, quanto mais o CPTED se aproxima de como as nossas cidades são construídas e como funcionam para as pessoas, mais são questionadas as restrições impostas pelo poder público ao desenvolvimento dos territórios (tema abordado no livro Ordem sem Design), e mais se exige a participação desse poder, que faz questão de manter seu controle sobre o uso do solo, e do controle formal da polícia e do sistema judicial no encaminhamento de soluções. Com suas sempre presentes limitações burocráticas, políticas e econômicas, eles muitas vezes impossibilitam melhores realizações dessas estratégias.
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A segurança urbana é intrínseca ao urbanismo, e o CPTED explica como a relação entre os dois funciona para as pessoas na prática.
Percival Barboza
Arquiteto da Segurança | CEO PB+A Essential Consultancy
Fundador do movimento CPTED SAFE CITIES BRASIL.
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