Por que o uso do transporte público em Curitiba ainda é tão baixo?
Conhecida por seu inovador sistema de transportes, Curitiba apresenta hoje dados que não refletem essa reputação. Neste artigo, procuramos entender o porquê.
Para uma conclusão objetiva e realista sobre o TransMilenio é preciso fazer uma avaliação completa, desde como o sistema é financiado, sua sustentabilidade a longo prazo e os benefícios para a cidade como um todo, não somente para os usuários do sistema.
7 de fevereiro de 2014O ex-prefeito de Bogotá Enrique Peñalosa foi mundialmente reconhecido como um gênio da mobilidade urbana, falando no TED Global sobre cidades, sendo entrevistado pelo New York Times, fazendo parte o conselho consultivo do BMW Guggenheim Lab e com um site pessoal registrando a extensão de seu sucesso, tendo falado em dezenas de cidades em todos os cantos do mundo sobre urbanismo. Sua principal criação, o Transmilenio, o sistema BRT de Bogotá, encontra pouquíssimos críticos e é um modelo que se replica indiscriminadamente. Governos de países subdesenvolvidos são os maiores empreendedores dessa proposta, pois vende a ideia de ser uma alternativa de custo-benefício ao metrô, financeiramente inatingível nesses países. Curitiba, ao cargo de Jaime Lerner, foi uma das primeiras cidades a implementar o sistema. Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Lima, capital do Peru, são cidades que seguiram a tendência.
O conceito — de forma bastante resumida — é relativamente simples: corredores de ônibus são construídos com estações especiais, que permitem o pagamento antecipado e a entrada “em nível” com o piso interno do ônibus. Veículos adaptados com grandes portas permitem a rápida entrada e saída do grande número de pessoas acumulado na estação. O sistema então se assemelha à um metrô de superfície — sobre rodas.
Em maioria das notícias e dos estudos sobre o TransMilenio se reporta o aumento da qualidade e na velocidade do serviço para aqueles que usam o sistema. Ao passar os olhos em tais textos não resta dúvidas de que o sistema é um sucesso: um plano centralizado de transporte conseguiu mitigar as externalidades produzidas por um sistema descentralizado, regulando-o de forma mais rígida e organizada, aumentando eficiências e mantendo um alto e uniforme padrão de qualidade. No entanto, para uma conclusão objetiva e realista é preciso fazer uma avaliação completa, desde como o sistema é financiado, sua sustentabilidade a longo prazo e os benefícios para a cidade como um todo, não somente para os usuários do sistema.
Quando se amplia a oferta, garante subsídios artificiais e melhora a qualidade de um determinado modal de trânsito ele sempre terá melhoria na sua impressão geral e no fluxo de trânsito dos usuários — daquele modal específico. Isso serve para qualquer modal de trânsito, seja calçadas, ciclovias, BRTs ou viadutos — este último quase exclusivo a automóveis individuais. A avaliação de engenheiros de trânsito que sugerem pela construção de novos viadutos e alargamento de ruas normalmente parte do fluxo de tráfego e da impressão dos usuários naquele determinado trecho. A população normalmente apóia a medida já que não tem a visão da cidade como um todo e vê melhorias pontuais a curto prazo. No entanto, ao incentivar um único modal de transporte — neste caso o automóvel individual — todos os outros ficam prejudicados, gerando ainda mais trânsito.Este resultado aparece claramente no estudo econômico de 2004 avaliando o resultado de custo-benefício da implementação dos primeiros anos do sistema, de Juan Carlos Echeverry, Ana María Ibáñez e Luis Carlos Hillón. O benefícios aos usuários do BRT são claros, mas ao avaliar o resultado como um todo — considerando inclusive custos relacionados à saúde da população e mortalidade no trânsito — o TransMilenio trouxe resultados negativos, como conclui o trecho abaixo (tradução livre e grifos meus):
“Surpreendentemente, a análise de custo benefício para a primeira fase é negativo. A nova organização teve um impacto considerável nos usuários do TM (Transmilênio) melhorando significativamente as condições de viagem. Além disso, congestionamentos, poluição e acidentes de trânsito despencaram ao longo dos corredores do TM. Entretanto, o tipo de transição adotado para o restante dos corredores de transporte não cobertos pelo TM causaram consequências não-intencionais negativas, resultado de baixas taxas de descarte [de ônibus do sistema antigo] e na relocação de rotas de ônibus. Consequentemente, apesar da análise de custo-benefício da primeira fase dos corredores cobertos pelo TM ser positiva, quando colocamos estas medidas adicionais em consideração, o resultado líquido é negativo principalmente pelo motivo de aumento de tempos de viagem de passageiros usando o sistema de transporte tradicional. Para minimizar as consequências não-intencionais na implementação total do TM, esperada para durar até 2015, deve ser feita a integração dos sistemas antigos e novos, e deve ser elaborada uma regulação uma regulação rígida para o transporte público tradicional.”
No entanto, a conclusão dos autores não é surpreendente como eles julgam, notando ao final um claro viés pró-BRT. Apesar do resultado negativo sobre o sistema na pesquisa se conclui que seja feito mais dele, recomendação que seria dada da mesma forma se o resultado fosse positivo. Planejadores que sugerem a construção de viadutos apresentam a mesma lógica, abstraindo as consequências negativas não-intencionais para a cidade como um todo. Consequências não-intencionais surgem com qualquer planejamento, sendo natural de qualquer projeto. No entanto, não devem ser ignoradas no cálculo da sua viabilidade.
Projetos rígidos e centralizadores para um sistema complexo e em constante mudança como o trânsito de uma grande metrópole sempre terão grandes consequências negativas não-intencionais, já que por melhor que seja a qualidade dos técnicos envolvidos haverá uma simplificação muito grande da realidade, abrindo grande margem para erro. Além disso, o fator da imprevisibilidade, tanto pela mudança política de um sistema democrático como pelo crescimento urbano e inovação tecnológica, é uma variável impossível de ser avaliada ao planejar tal sistema: a única constante é a da mudança.
Semelhante simplificação da realidade também ocorreu no início do século passado com o início das leis de zoneamento do ambiente construído em atividades residenciais, comerciais e industriais. Observando o organismo vivo e complexo que é uma cidade e interpretando-o como “caos”, planejadores decidiram segregar a cidade “organizadamente” em setores específicos. Isso gerou sérios problemas de mobilidade e dependência do automóvel, já que para quase qualquer atividade fora de casa hoje é necessário sair do bairro. O crescimento dos centros urbanos e o aumento da acessibilidade financeira para comprar um carro não estava no radar destes planejadores, resultando novamente nas consequências negativas não-intencionais.
Para implementar o BRT se identifica um corredor central de trânsito, um caminho atual de grande demanda, sem considerar mudanças nos pontos de atração da cidade. Essa avaliação não leva em conta que aquele corredor, hoje central, já foi irrelevante como caminho de transporte na cidade no passado, e inclusive pode ter sido criado artificialmente através da construção de uma grande rodovia. O planejador usa uma fotografia da cidade em um dado instante para implementar uma infraestrutura de trânsito que tem tempo indeterminado. Assim, mudanças em tecnologias de transporte, de combustível, mudanças culturais ou nas demandas locais por transporte terão altos custos de ajuste ao longo do tempo, já que é construída uma infraestrutura fixa e específica para o modal escolhido. A construção de metrôs também apresenta este problema, mas diferente do BRT ele não tem alternativa, pois a infraestrutura subterrânea deve ser construída. Já a infraestrutura viária de superfície está disponível para a adição de novos veículos, seja ônibus, vans ou futuros carros autônomos.
A tarifa de um serviço de transporte centralizado também é de difícil cálculo pela sua natureza diferente do preço: ela não leva em consideração as milhões de interações descentralizadas entre os agentes de mercado para identificar qual é a relação existente entre oferta e demanda. Tarifas, dessa forma, levam ora à subutilização ora à super utilização de um determinado recurso, pois estará sempre acima ou abaixo do chamado “equilíbrio de mercado”. Tarifas também não sofrem pressão de concorrentes, o que faz com que preços tendam a baixar em mercados competitivos. Assim, uma série de consequências negativas não-intencionais serão identificadas após a determinação da tarifa, e piores ainda quando ocorrerem reajustes.
Hoje, dez anos depois do estudo de Echeverry, Ibáñez e Hillón, as consequências negativas não-intencionais do TransMilenio estão cada vez mais evidentes. Um recente artigo comenta (tradução livre):
“Em horas de pico, as estações estão desconfortavelmente lotadas para os passageiros. Pessoas se entulham ao redor das entradas e das saídas dos ônibus, tornando praticamente impossível para os usuários saírem dos ônibus na hora do rush. Passageiros nas estações se recusam a dar passagem para os que estão saindo dos ônibus, criando gargalos estressantes. É comum perder a parada pela dificuldade de sair do ônibus.”
Em resposta à essa situação, Dario Hidalgo, ex vice-diretor geral do TransMilenio, não vê muita saída para se defender:
“A forma com a qual planejadores, eu inclusive, tentou acertar o custo da tarifa foi ter um sistema com alta ocupação de 160, mas isso não entrega serviço de qualidade, então acabamos dando um tiro no pé porque entregamos um serviço que não é de alta qualidade por motivos financeiros […] se você não dá subsídios, a sustentabilidade do sistema está em cheque no médio e longo prazo.”
No entanto, sabemos que subsídios para operadores privados sempre vão criar péssimos incentivos de gestão, situação que se tornou mais evidente no Brasil com as manifestações em junho do ano passado. O sistema brasileiro é severamente criticado justamente porque não importa a gestão do operador, ele sempre terá lucro com o subsídio governamental, removendo maioria dos incentivos à eficiência que existem numa operação privada. Para colocar as coisas em perspectiva, o subsídio do ônibus em São Paulo atingiu um recorde de R$1,65 bilhões, mesmo cobrando uma das tarifas mais caras do país. Subsídios definitivamente não são uma solução para o problema em questão.
As críticas ao BRT de Bogotá geraram protestos violentos durante semanas em 2012, terminando após forte repressão policial. O ex-prefeito Peñalosa acusou a atual gestão, de Gustavo Petro, pelos protestos e pela má administração do BRT. Gustavo Petro não é um bom prefeito: ele está em vias de ser “deposto” por má gestão, principalmente pela tentativa de estatizar a coleta de lixo que é feito através de empresas privadas, deixando a cidade em meio ao lixo durante dias. No entanto, esta é uma variável que deve ser considerada na implementação de um sistema de transporte, principalmente quando encabeçada pelo setor público e mais ainda em um sistema altamente centralizador como o BRT: se a qualidade do sistema de transportes de uma metrópole de milhões de habitantes depende de uma única pessoa ele apresenta um sério problema.
Outras experiências que seguiram o exemplo de Bogotá também não estão positivas: no Rio de Janeiro os BRTs ficam lotados nas horas de pico e vazios nos demais horários, deixando a infraestrutura ociosa e inacessível para outros usos. Em Lima, a implementação do BRT Metropolitano estava prevista em cerca de U$135 milhões e hoje a cifra chega nos U$300 milhões, endividando a cidade com o Banco Mundial e o Banco Interamericano. Não surpreendentemente, o sistema está com menos da metade do uso considerado eficiente. O governo agora toma medidas para proibir rotas de pequenos empreendedores de transporte coletivo que trabalham próximo ao Metropolitano, obrigando a população a usá-lo para gerar demanda suficiente. A justificativa do gerente de transporte municipal é de que “existe transporte coletivo demais na cidade, e ele deve ser limitado.“. Não surpreendentemente, o mesmo ocorreu no ano passado em Bogotá: transportadores informais que prestam serviço à população há 14 anos, com amplo apoio de cidadãos e dos usuários das rotas, fizeram um protesto no ano passado por sofrerem constantes “batidas” da polícia só porque estão trabalhando ao longo das rotas do TransMilenio. Afinal, o BRT precisa de “ordem” para funcionar.
Avaliando a questão a fundo se percebe que, apesar da sua popularidade, o sucesso do TransMilenio não se passa de um mito. O problema que ele enfrenta, diferente do que é noticiado, não está na gestão, no valor da tarifa, no formato ou em ter ou não subsídios municipais. Seu maior erro é de pressupor que ele tem capacidade de substituir completamente a rede de transporte coletivo, gerando consequências negativas não-intencionais na má identificação da demanda; na ausência de redundância e de alternativas para a rede; na ausência de incentivos para a perpetuidade da boa gestão; e na crença de que empreendedores nunca serão capazes de inovar qualquer tecnologia ou serviço superior de forma descentralizada. Para abordar um sistema complexo e descentralizado como o trânsito temos que pensar em soluções que são, também, descentralizadas e complexas. Assim, não só o BRT, mas qualquer sistema que requer a restrição forçada de seus concorrentes para uma boa operação será, desde a largada, um fracasso.
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É necessário antes de mais nada fazer projetos que atraem investimentos, que incentivem a procura e o interesse das parcerias público-privado. Um projeto mal elaborado que venha apenas atender ao anseio de uma minoria, já nasce fadado a morte. Como estamos acostumados a ver projetos públicos abandonados e sem uso, degradando ainda mais o ambiente. É preciso mudar completamente a forma de se ver obras públicas, transformando problemas em soluções. Imagine-se uma concessão pública dada a uma empresa para explorar o subsolo das calçadas construindo dutos para que sejam enterrados todos os fios de redes aéreas, em troca a empresa teria que construir calçadas em todos as vias urbanas por onde passem os dutos. É claro este é só exemplo de projeto que pode atrair investimentos privados , sem custo algum ao poder público. Agora acabar com aluguéis de postes, isto sim vai ser difícil. Por isso deve-se haver a participação de todos os envolvidos para que uma boa ideia não se transforme em mais um acervo empoeirado.
A outorga onerosa pode levar ao aumento dá especulação imobiliária? Comprar um terreno já pensando em sua valorização através dá outorga onerosa dificulta ainda mais o desenvolvimento urbano. Melhor seria já definir parâmetros de zoneamento que permitam o desenvolvimento urbano, sem criar mecanismos que possam aumentar a especulação imobiliária. Outra questão é ter ou não dinheiro para mobilidade urbana, a maioria dos municípios estão falidos, se quer tem uma equipe técnica para elaborar projetos que atendam as exigências de programa, programas muito burocráticos e pouco eficientes, muitos destes programas são financiamentos com juros e correção monetária o que prejudica ainda mais a implementação dá mobilidade urbana. Quem é que tem um projeto pronto e equipe técnica para cumprir todas as exigências dos programas, apenas as grandes cidades, e olha que mesmo as grandes estão capengas. O Governo no que tange aos programas de mobilidade tem que ser um facilitador, diminuindo as exigências burocráticas, e estimular investimentos em equipe técnica qualificada, com recurso também para se criar uma unidade e gestão de projetos com profissionais que possam elaborar bons projetos e acelerar os investinentos em mobilidade urbana.
Gilson, obrigado pela reflexão. Achei interessante a sua premissa de que a outorga onerosa pode levar ao aumento da especulação imobiliária. Não entendi exatamente como isso funcionaria, você poderia desenvolver esta ideia?
Obrigado sempre pela participação!
Grande abraço,
Anthony
Observe-se os Conselhos das Cidades, formados por loteadores, imobiliárias e empresários, todos participando da revisão do plano diretor. Há é claro uma forte tendência a especulações, não só na vendas diretas mas também nos parâmetros de uso e ocupação do solo. É claro que nem tudo é transparente, porque se assim fosse não “haveria” especulação. Em sua grande maioria os grupos organizados tem maior poder de decisão, transformando os Conselhos em balcões de negócio. A dinâmica das cidades são imprevisíveis, um grande empreendimento pode sim valorizar consideravelmente o valor dos imóveis, e seu espraiamento pode ser grande ou pequeno dependendo das parcerias e do poder de investimentos desses grupos. Por isso ao invés de ortorgas, melhor seria determinar parâmetros que não deixem margens a especulação.
Anthony, permita-me realizar algumas elucubrações acerca do debate travado entre você e o leitor Marcos. Exemplos existem aos montes sobre mobilidade e as falhas estatais, as quais são intrínsecas, porém, o mais importante é compreender que, em hipótese alguma, o gerenciamento estatal pode ser considerado mais eficiente. Não é pendenga liberal, é simples lógica econômica. Por mais que o sistema fosse guiado por seres probos e abnegados, não há razões para crer em um sistema que desrespeita a lógica das infinitas interações entre os mais variados tipos de perfis dentro de uma sociedade, de um mercado. Ou seja, ao elaborar concessões, subsídios e cuspir ditames, o estado solapa – pelo menos em parte- o sistema de preços, a inovação, o empreendedorismo e, sobretudo, o processo concorrencial. É justamente através de uma maior liberalização que os nichos de mercado serão atendidos, visto que, nos bastidores dessas operações, há possibilidade de lucro. Nenhuma instituição na história da humanidade foi mais competente em atender as pequenas e variadas demandas. Portanto, como você muito bem observou, a periferia de Lima está sendo beneficiada, e não há motivos para surpresa. O estado, por intermédio de suas obras faraônicas pode promover aparentes melhorias no curto prazo, mas isso é tão admirável quanto a mentalidade de antigos arquitetos defensores de ruas e avenidas extensas. É o que se vê no curto prazo, e o que não se vê no longo, para parafrasear Bastiat. Apenas um mercado desimpedido pode solucionar questões que soam indissolúveis. Sistemas livres, de concorrência vigente e potencial estimulam o atendimento das mais variadas questões e demandas, pois o lucro sempre foi – e continuará sendo – o motor social. É irrisório pensarmos nas soluções de todas as atuais indagações. Somos seres infinitamente menores que o potencial de todos os indivíduos pensantes em prol da solução das mais diversas causas. “Como seria a distribuição de água?” Não cabe ao companheiro Marcos, necessariamente, encontrar um bom desfecho técnico. Se você não entende como seria, de modo algum representa um argumento plausível contrário ao plano de privatização. Isso remete, inclusive, a uma insolência latente. Contudo, existem saídas imaginadas para isso. Recomendo este artigo: https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=646. Em relação ao sistema de distribuição de energia, basta olhar a história americana. Na verdade, Todas as leis estatais supostamente defensoras dos consumidores surgiram apenas pela total ausência de monopólios e de gamas de consumidores prejudicados. Os americanos usufruíam de concorrência aberta no setor energético até o início do século 20. Os inúmeros modais e as mais diversas possibilidade só encontraram respaldo legítimo em um ambiente aberto que promova concorrência legítima e sistema de preços idem. “Concorrer pelo mercado e não no mercado”? Ou seja, se unir através de conluios nefastos com o intuito de ter enormes privilégios financeiros. Significa justamente tolher todo esse processo descrito. É apenas uma estultice em forma de frase de efeito para enganar incautos. Me perdoe pela falta de parágrafos, foi algum problema.
Prezado… o sistema BRT Transmilenio é uma ”evolução” do sistema de Curitiba, tendo sido desenvolvido e aprimorado a partir da experiencia de Curitiba, onde o sistema de ônibus expresso começou a ser desenvolvido nos anos 70, apropriando-se de elementos dos diversos projetos desenvolvidos para reinserção do sistema de bondes na cidade.
O texto precisa de uma revisão de português. Se quiser, posso fazê-la.
Anthony e demais, saudações! vocês podem me recomendar alguma leitura sobre a urbanização das favelas de Bogotá? Abraço!
“Essa negociação não precisa …”
Sim, Portugal também já tem concorrência na eletricidade, internet, tv a cabo. Porém tanto o serviço de lixo, água e correios seguem ainda a lógica de concessão: competição pelo mercado, não no mercado. E os transportes estão caminhando para este sentido com a privatização das empresas públicas de transporte.
“ Eu estou pessoalmente envolvido em um projeto desta natureza e estou encontrando dificuldades na construção de um modelo regulatório que permita este tipo de serviço. Inclusive, se você tiver interesse em contribuir para o sucesso deste projeto seria ótimo conversarmos mais a respeito.”
Sem dúvida que estou interessado. Pode-me contactar no linkedin: https://www.linkedin.com/pub/marcos-paulo-schlickmann/27/687/b9b
“Quanto a artigos acadêmicos…”
A pergunta que não quer calar: Porque então foi decidido que um certo nível de regulação pública na gestão dos serviços de transporte era boa política? O que mais me intriga mesmo é o caso do Reino Unido, que desregulou tudo porém só fora de Londres. Porque não em Londres também? E mais: Será que a solução para os problemas de mobilidade urbana dos países desenvolvidos é a privatização também da gestão?
Este debate tem muita força nos EUA, e por consequência no resto do mundo, principalmente com 2 acadêmicos(?) Wendell Cox e Randal O’Toole que são ferozmente contra qualquer regulação nos transportes públicos e nos usos do solo. Já li que eles são patrocinados por algumas montadoras de automóvel.
Mas eles têm um pouco de razão pois os EUA deve ser o país desenvolvido onde o ônibus tem maior estigma, logo soluções como BRT quase nunca são consideradas, acabando quase sempre por se escolher LRT, com alto custo capital. E com as baixas densidades das cidades americanas há pouca cobertura de demanda, logo mais subsídios.
Abraço
“Porque não em Londres também?”
Um artigo que acabei de encontrar (http://www.thredbo-conference-series.org/downloads/thredbo7_papers/thredbo7-workshopA-Matthews-Bristow-Nash.pdf) pode ter a resposta, principalmente motivos políticos e desalinhamentos de governo, já que Londres tem mais força que outras cidades:
“Bus route tendering across London was introduced gradually over the subsequent years, the first contracts being let in the summer of 1985. The then Governments intention was that the bus market would, at some later point in time, be deregulated in line with the rest of Great Britain. Indeed, in 1991 the Government published a consultation document entitled a Bus Strategy for London which set out plans for deregulating buses in London. However, in 1993 these plans were postponed and whilst the Conservative Government did make vague promises that they would deregulate buses in London should they be re-elected at the 1997 general election, they were not re-elected and the Labour government has no plans for further bus deregulation.”
“…Wendell Cox e Randal O’Toole que são ferozmente contra qualquer regulação nos transportes públicos e nos usos do solo. Já li que eles são patrocinados por algumas montadoras de automóvel.”
O Wendell Cox e o Randal O’Toole não são muito bem vistos nos círculos de “urbanistas de mercado”, como alguns os referem. Eles tem viéses mais suburbanos e normalmente desconsideram subsídios e incentivos que o governo americano deu para a suburbanização. O site http://www.marketurbanism.com tem várias referências nesse sentido, e urbanistas como Edward Glaeser, Matt Yglesias, Ryan Avent e Sanford Ikeda ao meu ver são referências mais interessantes.
Outra questão que vale esclarecer: transporte público não tem este nome porque é serviço público. Por incrível que pareça o Brasil foi um dos primeiros países a ter operação privada de transporte público. Hoje em dia só a Carris de Porto Alegre permanece como empresa pública que opera o transporte público (se não me engano).
Como escrevi neste texto (http://goo.gl/yurcsO) transporte público ou privado caracterizam o cliente que o vai usar: Se é um serviço aberto a todos (ao público) se chama público, se é restrito (uma van escolar ou o ônibus da TAM que liga Guarulhos a Congonhas por exemplo) a um certo grupo é chamado de privado. E eu sou a favor do transporte coletivo privado, tipo Frescão no RJ, sistemas Dial-a-ride, Demand Responsive Transport, Táxi partilhado, Uber, carona paga, etc. Tudo para reduzir o volume de carros e poluição nas cidades. Só não sou a favor da concorrência perigosa nas ruas. Vale lembrar que os transportes públicos coletivos começaram pelos bondes privados puxados a cavalo. E estes bondes não tinham concorrência pois corriam em via-férrea fixa, logo era impossível ultrapassagem, diferente do rodoviário que permite ultrapassagem e concorrência perigosa.
“Sobre seu último comentário, …”
A minha opinião também se estende aos pesquisadores e acadêmicos que, supostamente, são isentos de pressões da estrutura vigente.
“Por fim, parabéns pelo blog “Na Bicicleta…””
Obrigado mas o blog não é meu, é de um amigo. Só escrevo alguns textos. Também estou gostando dessa nossa conversa e do seu blog e acho q devemos incentivar o debate inteligente. Finalmente encontrei um debate racional e construtivo que envolva visões políticas sem cair no fanatismo de esquerda e direita.
Abraço
Marcos
“Imagina você todo o dia ter que negociar com o caminhão de lixo…”
Essa negociação não precisa ser diária pois existem contratos de longo prazo, assim como fazemos com televisão a cabo, internet e telefone. É exatamente a mesma lógica e que apesar de terem serviços ruins (por causa da “captura do regulador”) eles ainda concorrem entre si e oferecem serviços relativamente melhores que os públicos que você citou. Há um texto muito interessante sobre a livre concorrência das distribuidoras de energia elétrica em São Paulo no início do século passado, onde infelizmente uma decisão judicial decidiu pela monopolização do sistema (http://www.renderingfreedom.com/2013/01/luz-leis-e-livre-concorrencia-conflitos.html). No entanto, a discussão sobre concorrência em infraestrutura ao meu ver não deve ser relacionada diretamente com concorrência em transportes, já que a sua maior dificuldade é justamente a fixação territorial da infraestrutura e a inércia do consumidor para trocar de fornecedor. O mesmo não ocorre com veículos.
“E eu sou a favor do transporte coletivo privado…”
Ao meu ver este também seria um dos grandes benefícios desse sistema menos regulado, mas que deixam de surgir por causa da limitação do sistema. Por ter linhas cinzentas entre o que é transporte público e o que é transporte privado, o que é permitido e o que não é, empreendedores sofrem para lançar esses tipos de serviço e contribuir para o transporte coletivo. Eu estou pessoalmente envolvido em um projeto desta natureza e estou encontrando dificuldades na construção de um modelo regulatório que permita este tipo de serviço. Inclusive, se você tiver interesse em contribuir para o sucesso deste projeto seria ótimo conversarmos mais a respeito.
“A minha opinião também se estende aos pesquisadores e acadêmicos”
Quanto a artigos acadêmicos, tenho um interessante sobre a história da Light e da sua pressão política contra a concorrência de transportes coletivos no Rio de Janeiro, assim como a política ditatorial que se seguiu ampliando a regulação do Estado. Outro artigo interessante é o de Ronaldo Balassiano que analisa a competitividade do transporte coletivo no Rio de Janeiro, incluindo vans formais e informais. Já um artigo de Robert Cervero aponta os custos e benefícios dos sistemas de transporte informal e não chega a uma conclusão objetiva se é preciso regulá-lo, já que são a única solução possível principalmente em países subdesenvolvidos. Neste artigo, inclusive, ele afirma: “Accidents occur not only because of overcompetition but also because of a lack of driver training, the use of vehicles inappropriate for high loadings, and poor vehicle maintenance.”. Enfim, não sou “acadêmico o suficiente” para ter acesso à toda literatura disponível, mas há sim acadêmicos se mostram favoráveis à solução, ou pelo menos não totalmente desfavoráveis.
Muito obrigado pelo retorno, Marcos. Realmente, é raro eu encontrar um interlocutor com conhecimento e racionalidade para conversar, e acredito que está sendo muito construtivo.
“Já está mais que estudado e comprovado que competição nas ruas…”
Ao meu entender não é a competição por passageiros que é perigosa, mas sim dirigir sem carteira, acima do limite de velocidade, desrespeitar pedestres, ciclistas e cometer outras infrações de trânsito que são proibidas. Deve haver a fiscalização que já existe para o transporte individual. Se o argumento da segurança para este tipo de transporte coletivo é válido para proibi-lo um argumento similar poderia ser usado para proibir o transporte individual, que também sofre por “pressa de motoristas” e gera um número enorme de acidentes e mortes no trânsito.
“Mas então você está afirmando que nestas cidades de 3º mundo o transporte público desregulado sempre vai ser ruim?”
Não estou afirmando que o transporte desregulado vai ser sempre ruim, mas que o subdesenvolvimento leva a piores níveis de profissionalização, qualidade de serviço e condições do veículo que em um país desenvolvido, defeitos que muitas vezes são apontados ao fato de ser desregulado e não de ser subdesenvolvido.
Quanto às motos, é justamente um dos modais que seria desincentivado ao criar uma nova opção de transporte que faça o ponto-a-ponto. Não vejo como uma opção a mais possa aumentar o número de pessoas andando de moto.
“Isto os reguladores já aprenderam.”
Quanto ao tamanho dos veículos, apesar do seu exemplo, raramente os reguladores aprenderam isso. Nos EUA eles são quase inexistentes, no Brasil seus últimos resquícios (vans cariocas) estão sendo extintos para a “integração” do sistema. Em cidades europeias quando existem tem uma escala extremamente limitada, normalmente atendendo passageiros idosos ou rotas especiais como o bus de barrio de Barcelona. Nesses casos, apesar de eu já reconhecer que é um grande avanço, o setor público tem dificuldade de desenhar o sistema, já que a grande vantagem do veículo menor é justamente a adaptabilidade e capilaridade das rotas. É um sistema que funciona melhor de forma descentralizada do que a partir de uma rede central de transporte.
Oi Anthony, obrigado pelas respostas. Entre aspas são as suas. Vou tentar respondê-las:
Já está mais que estudado e comprovado que competição nas ruas, e.g. cowboy ride, penny war, guerra por passageiros nos pontos de ônibus, guerra del centavo, you name it é perigoso! E a meu ver a proposta Curb Rights não se mostra interessante, pelo menos enquanto as ruas forem públicas.
Hoje em dia posso dizer com segurança que TODAS as intervenções, projetos, planos, etc na área dos transportes (tanto passageiro quanto carga) têm uma preocupação cada vez maior com a segurança dos mais vulneráveis, nomeadamente pedestres e ciclistas. Como o usuário de transporte público é um pedestre antes de entrar no veículo, autorizar que vans ou micro-ônibus acelerem avenidas abaixo para chegar primeiro no ponto de ônibus não me parece inteligente. No Brasil ainda estamos atrasados, temos avenidas não segregadas com 60, 70 km/h. Na Europa há cidades que já limitam a 30km/h.
“Você está comparando sistemas …”
Ok, é verdade. Mas então você está afirmando que nestas cidades de 3º mundo o transporte público desregulado sempre vai ser ruim? Não se esqueça que a concorrência neste “mercado de deslocações urbanas” chamado mobilidade não se limita ao transporte público. Temos pelos mais 4 meios de transporte: A pé, bicicleta, carro e a perigosíssima moto. A meu ver, posso estar enganado, os passageiros de Lima e Nairobi querem desesperadamente “fugir” do serviço de vans e micro-ônibus. A alternativa mais rápida é a moto, exatamente como aconteceu no Brasil no fim da década de 90, período que os cartéis dos ônibus começaram a ver uma concorrência real, depois de 30 anos de crescimento da demanda (http://goo.gl/X2LmuC). Hoje em dia os acidentes com motos representam mais de 30% das mortes no trânsito.
Nem vou falar aqui do automóvel que sua promoção e incentivo não trazem bem nenhum para a cidade.
“Um sistema centralizado baseado, por exemplo, apenas em concessões de grandes veículos, nunca conseguirá se transformar ao passo da cidade e da inovação em transportes em geral.”
Concordo, mas este é um não problema. Grandes veículos para corredores com grande demanda, pequenos veículos para pequena demanda. Isto os reguladores já aprenderam. Por exemplo: A STCP no Porto, Portugal tem 4 tipos de veículos: Dois andares, articulado, padrão e micro-ônibus.
“Na verdade, os exemplos que você cita (lixo, água, luz, gás, estradas) …”
Novamente afirmo: É preciso concorrência pelo mercado, não no mercado. Quando citei os serviços de água, gás, lixo, etc foi exatamente para justificar essa frase. Imagina você todo o dia ter que negociar com o caminhão de lixo da empresa X ou Y, pesando o lixo e vendo quem oferece o melhor serviço. No sistema de água nem imagino como seria. Cada companhia teria uma “água diferente” correndo pela tubulação? E estes serviços são ruins porque no Brasil os serviços concessionados são quase sempre ruins, e não porque a lógica de organização do serviço é intrinsecamente má. Em Portugal, pais onde atualmente vivo, a prefeitura recomenda que se beba água da torneira, fazendo e expondo testes periódicos de qualidade.
E eu sou totalmente a favor em integrar os serviços desregulados no novo sistema, sem dúvida que eles têm muito conhecimento a oferecer.
A minha opinião se baseia no que foi feito no Reino Unido (uma experiência semi-liberal, devo reconhecer), nos péssimos sistemas livres de vans e micro-ônibus nos países em desenvolvimento: Falem o que quiser, mas quem realmente acha que os sistemas de Lima, Nairóbi, Manila, Beirute e de várias cidades da América Central são melhores que qualquer sistema regulado europeu definitivamente nunca usou os mesmos. Aliado a isso nenhum país por mais liberal que seja (Hong Kong, Singapura, Austrália, Suíça) liberalizou totalmente a provisão de infraestruturas e os serviços de transportes urbano de passageiros.
E, volto a repetir, eu me considero muito liberal e apoio soluções liberais/bottom-up para a mobilidade urbana. E incentivo qualquer solução tecnológica ou não que desafie os sistemas estabelecidos.
Acredito que o motivo que levou a se considerar importante uma presença forte do governo no setor do serviço de transportes de passageiros urbanos é o mesmo que não deixa a liberalização total dos serviços de coleta de lixo, distribuição de água, luz e gás e estradas: Estes serviços devem estar disponíveis de forma transversal para todos os habitantes e não somente onde há demanda e lucro. É preciso uma visão de rede, integrada em vários níveis com cobertura geográfica universal, ou quase.
Mas esta é a minha opinião, quem sabe os liberais encontrem uma outra solução. Posso estar sendo preconceituoso, mas não me parece que quem sugere a privatização total é usuário de transporte público ou faz parte direta do setor, pois ainda não vi uma única proposta de privatização vindo de alguém diretamente ligado ao setor do transporte coletivo urbano de passageiros.
http://www.humantransit.org/privatization/
http://publictransport.about.com/od/Transit_Employment/a/The-Privatization-Of-Public-Transit-Types-Of-And-Advantages-And-Disadvantages.htm
https://www.youtube.com/watch?v=oCIHe0yFKzE
http://nabicicleta.com/2013/12/14/textos-de-marcos-paulo-schlickmann-7-transportes-e-politica/
Cumprimentos.
Marcos Paulo Schlickmann
http://nabicicleta.com/category/parceria-publico-pedalada/
Sobre seu último comentário, me parece claro que quem trabalha no setor de transportes vai defender o modelo vigente, já que é muito mais cômodo se aliar com todo arcabouço e estrutura de transporte do que propôr uma disrupção do sistema. Esse profissional raramente conseguiria aliados com prefeituras e secretarias de trânsito que hoje comandam o sistema de transporte, seja qual for a cidade, já que ele estaria propondo, basicamente, o fim da estrutura vigente. O mesmo ocorre, por exemplo, com profissionais que trabalham na área de energia elétrica. Veja qualquer entrevista com presidentes e diretores de concessionárias: eles defenderão o apoio público, a regulação em negociações junto com as empresas, os empréstimos do BNDES e o planejamento “integrado” para evitar a entrada de novos concorrentes. É um conflito de interesses que, ao meu ver, não produz bons resultados para as cidades.
Por fim, parabéns pelo blog “Na Bicicleta” e pela sua contribuição por aqui. É raro ver comentários embasados como o seu, e acho que falta essa comunicação entre blogs de urbanismo no Brasil. Espero que isso mude com o tempo!
Abraços,
Oi Marcos,
Novamente, obrigado pela contribuição ao blog! Faço aqui minha tentativa de respondê-lo:
Você está comparando sistemas de transporte de cidades grandes que crescem rapidamente em países pobres com cidades que de países ricos que praticamente não crescem e, ainda, com governos muito mais estruturados e menos corruptos. Acho uma comparação um tanto injusta dadas estas condições destas cidades, até mesmo porque nessas cidades, com metade do PIB per capita das cidades européias ou menos, os cidadãos precisam mesmo de alternativas mais baratas que talvez não atingam a mesma qualidade de um país desenvolvido. Além disso, com comentei na postagem sobre Lima, maioria dos problemas não vem do fato de ser um sistema descentralizado e competitivo, mas por outras deficiências no sistema, que inclusive poderiam ser corrigidas sem desfazer as rotas dinâmicas de operadores menores.
Quanto ao exemplo de países “liberais”: das experiências que conheço, Hong Kong teve o surgimento dos miniônibus justamente quando havia mais concorrência e liberdade no sistema, não o contrário. Estes microônibus foram então incorporados ao sistema de transportes formal já que ofereciam uma capilaridade muito maior que os grandes ônibus ou metrôs – o mesmo que as vans do transporte alternativo carioca fazem subindo as ruas estreitas dos morros. Um sistema centralizado baseado, por exemplo, apenas em concessões de grandes veículos, nunca conseguirá se transformar ao passo da cidade e da inovação em transportes em geral.
Em seguida, a lógica da sua premissa de que a necessidade de transversalidade necessita uma gestão pública e centralizada me parece um non sequitur, já que o fato de ter uma gestão pública e centralizada raramente entrega esse resultado. Mesmo as cidades européias que você cita tem as áreas periféricas como as menos atendidas pelas redes públicas, com estações de metrô e ônibus muito longes umas das outras, com uma frequência baixíssima para os usuários. O resultado em maioria dos casos de transporte centralizado – senão todos – é justamente o resultado da crítica ao modelo de transporte descentralizado e competitivo: de que as áreas centrais serão mais atendidas, em detrimento de áreas periféricas. O meu argumento é que este realmente é o resultado que aparece em ambos casos, mas que em um sistema descentralizado isso é muito mais simples de ser resolvido. Caso fosse possível empreender em transporte nessas cidades haveria soluções com veículos menores para atender estes cidadãos de forma mais eficiente, mas hoje isso não é permitido.
Na verdade, os exemplos que você cita (lixo, água, luz, gás, estradas) são justamente as infraestruturas mais deficitárias em maioria dos países, seja qual ele for, ao meu ver justamente por terem uma gestão pública que não visa resultados com eficiência. O Brasil é um exemplo ainda mais ilustrativo, onde menos da metade da população urbana que tem acesso à esgoto, onde a coleta de lixo é ineficiente e dominada por máfias, onde as estradas são perigosíssimas. Ao meu ver sua frase deveria ser invertida: “estes serviços devem estar disponíveis de forma transversal para todos os habitantes, permitindo rotas onde há demanda e possibilitam lucro”. Um último pensamento neste tema: se as áreas não atendidas pelo setor público realmente não dão lucro, porque restringir através de uma lei a operação de veículos menores?
Qual a sua opinião sobre o processo de desestatização dos ônibus britânicos levado a cabo pela Thatcher? Os subsídios e custos governamentais diminuíram, juntamente com o volume de passageiros. O preço das passagens aumentou.
https://www.youtube.com/watch?v=_FQJTcSyZdU
Obrigado.
Cumprimentos.
Marcos,
Na sua opinião, quais os principais problemas com a liberdade em transporte para chegar à conclusão de que ele não funciona?
Att
Obrigado pela resposta.
A meu ver a Thatcher quis provar uma ideologia liberal sem se preocupar com as consequências, aliado ao seu ódio pelos sindicalistas (e vice-versa).
Apesar de respeitá-la pela grande personagem política que foi, acho que no caso dos ônibus ela foi covarde e centralista, preservando Londres dos possíveis males da privatização e desprezando o resto do Reino Unido. Esta atitude passa uma mensagem de centralismo (e.g. Londres é melhor que o resto) e prova que a grande política de privatização afinal tem algumas falhas.
Eu acredito que devemos seguir para o caminho “do mercado mais livre possível”, mas as cidades não foram construídas sobre os preceitos de liberdade econômica e sim de planificação e zoneamento dos desenvolvimentos. E no caso dos transportes acredito que os dois extremos (estatização total e liberalização total) não funcionam. É preciso haver regulação estatal e operação privada com constante ameaça por parte do regulador de abertura de licitação e quebra de subsídios, caso o operador não cumpra os indicadores de performance e desempenho.
Este arranjo é comum na Alemanha, França, Suíça e Dinamarca. Nesses países há ainda a “lotização” ou “packaging” , onde o regulador oferece um pacote que inclui e.g. 3 linhas lucrativas e 2 deficitárias, e o operador estabelece seu próprio processo de subsídios cruzados.
Como diz a professora Rosário Macário do IST: Deve haver competição pelo mercado e não no mercado.
Cumprimentos,
Quanto ao comentário de deixar as piores linhas para o setor público, comentei um pouco acima sobre o incentivo às periferias: se um único determinado cidadão, por opção própria, decide morar longe da cidade e próximo à outras pessoas não vejo porque a sociedade deve aumentar seus custos para atendê-lo. Se este cidadão não tem recursos para morar em um grande centro urbano, como comentei anteriormente, prefiro defender o adensamento e o aumento do estoque de moradia em regiões mais centrais para que uma moradia mais central se torne mais acessível.
Paralelamente, já comentado na resposta que dei ao seu comentário no post sobre Lima, qualquer linha pode ser criada para prover um determinado serviço de transporte em um sistema desregulamentado caso não haja barreiras de entrada para sua competitividade. A questão que tratamos, ao meu ver, é mobilidade, e não a obrigatoriedade de transporte coletivo com grandes ônibus, como o setor público normalmente atende estas pessoas. Ou seja, cidadão que possuem carros podem trabalhar como caroneiros e donos de vans como microempreendedores, atendendo justamente essa demanda que “sobra”, ao mesmo tempo que isso diminui os quantitativos de passageiros de transporte coletivo propriamente dito.
Enfim, há dados difusos e uma série de possibilidades a serem analisadas dentro do sistema, até mesmo porque Londres não foi desregulamentada e estamos tratando de cidades, na maioria, de baixa densidade e muito transporte interurbano, que possui uma lógica diferente de transporte intraurbano. Mesmo assim, espero que estes pensamentos tenham ajudado na sua própria avaliação sobre a desregulamentação britânica.
A fonte para alguns dados que usei nesta resposta estão neste PDF: http://www.transportresearchfoundation.com/PDF/fellowship/Preston%20J%20(2004)%20The%20deregulation%20and%20privatisation%20of%20publi.pdf
Oi Marcos, obrigado novamente pelo comentário e sobre a referência.
Eu li alguma coisa sobre a desregulamentação do transporte pela Thatcher, mas é difícil tomar uma posição e entender exatamente o que aconteceu devido ao grande número de variáveis que devem ser consideradas para chegar no resultado seguinte. Este é justamente o motivo pelo qual eu raramente cito o caso como um exemplo nem cheguei a uma conclusão absoluta sobre o assunto em uma postagem específica. De qualquer forma, trato sobre algumas dessas variáveis na resposta a seguir:
Primeiro, o comentário inicial do Vukan Vuchic já explica alguma coisa sobre a diminuição de passageiros de ônibus: investimento estatal de bilhões de libras em construção de avenidas e estradas, socializando os custos das ruas para os motoristas, que mais a usam, e dificultando o acesso à ônibus no caso de avenidas intramunicipais, seja de operação pública ou privada.
Isso pode ser comprovado por outros motivos, embasando o dado de que o número de passageiros de ônibus já estava em queda antes da desregulamentação de 1985, mesmo com os subsídios que suportavam tarifas mais baixas. Pode se argumentar, principalmente em regiões de baixa densidade como as cidades do interior britânico (Londres foi apenas parcialmente desregulamentada), que o aumento de renda e a diminuição do custo de um carro (basicamente o aumento da acessibilidade do carro) com o tempo leva à diminuição do uso de transporte coletivo.
O Vukan também explica que a desregulamentação não foi total, inclusive regulamentando um ponto crítico para a eficiência do sistema, gerando uma lei que proibia a divulgação de informações sobre outras companhias, impedindo a integração das linhas. Certamente isso dificultou muito a baldeação e o uso do sistema pelas usuários, gerando parte do caos que ele exemplifica.
Acredito que a diminuição de qualidade dos motoristas e o aumento do preço estão relacionadas ao aumento de eficiência do sistema para que saísse do modelo de subsídios. A realidade é que não havia conta que fechasse para sustentar as operações rodando no vermelho, e não é da natureza do setor público rodar operações eficientes. Acontecia então duas coisas: as empresas públicas anteriores e seus sindicatos simplesmente tinha muito poder sobre o poder público, seus salários e o tamanho dos subsídios a receberem, criando um ciclo vicioso que eventualmente levaria à algum tipo de reforma. Além disso, ao trabalhar com subsídios, basicamente os custos estão sendo cobertos por aqueles que não usam o sistema, inclusive incentivando o espraiamento urbano e a moradia em alguns locais afastados que não teriam tanta demanda para um serviço de alta qualidade de transporte. Nestes casos, pra mim é preferível que se defenda o adensamento, trazendo pessoas para regiões mais atendidas, que os subsídios para morar na periferia.
Sobre este tema, imagine se os subsídios fossem tais que criassem passagens de ônibus a custo zero para o passageiro final, com alta qualidade. Apesar do aumento de concorrência normalmente tender ao aumento de eficiência do sistema e ao aumento no número de passageiros, o sistema anterior poderia estar tão subsidiado que o equilíbrio de mercado que se atingiu tenha realmente menos passageiros que no modelo anterior. No entanto, o objetivo final não me parece ser apenas ter o máximo número de passageiros andando de ônibus a qualquer custo (poderíamos proibir carros e trens, por exemplo, para atingir este objetivo), mas sim um modelo sustentável onde há equilíbrio entre os modais.
Neste novo sistema desregulamentado, se vê que apesar da diminuição no número de corridas e no aumento do seu preço, houve um aumento significativo nos quilômetros rodas por veículo, também provavelmente parte do ajuste para o equilíbrio de mercado deste novo sistema, e que mostra que a tendência de rodagem de ônibus também subiu em alguns aspectos.
Temos algo do tipo para Porto Alegre?