O que o Parque Ibirapuera em São Paulo tem a ver com o Nobel de Economia?
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
A classificação entre NIMBYs e YIMBYs tem crescido no atual debate urbano. Entenda a divisão e sua influência no desenvolvimento das cidades.
18 de abril de 2022Em seu livro mais recente, Survival of the City, o economista Edward Glaeser faz um diagnóstico dos conflitos de interesses que permeiam o debate urbano. Segundo ele, há uma oposição essencial entre os insiders — moradores tradicionais, interessados na manutenção do status quo e na valorização de seus imóveis — e os outsiders — novos moradores, interessados em moradia acessível e novas alternativas de trabalho, consumo e espaço urbano.
A perspectiva fornecida por Glaeser reflete o conflito entre os grupos NIMBY (sigla em inglês para Not in My Backyard, ou “Não no meu quintal”) e YIMBY (sigla em inglês para Yes in My Backyard). O primeiro grupo costuma ser representado por associações de moradores e defender a manutenção do “caráter” dos bairros e restrições à atividade do setor imobiliário. O outro, por movimentos que advogam pelo aumento da densidade urbana, flexibilização da legislação edilícia e multiplicidade de usos do tecido urbano.
Para além de interesses particulares, é possível resumir as duas linhas de pensamento da seguinte maneira:
NIMBYs entendem que o desenvolvimento urbano representa um ônus significativo à população residente, que o caráter urbanístico existente é um patrimônio a ser preservado e que, portanto, os moradores têm o direito de pleitear pela sua manutenção.
YIMBYs entendem que o transtorno causado pelo desenvolvimento urbano aos moradores é compensado pelo benefício aos novos residentes, que a renovação da cidade é um processo natural e positivo e que, portanto, o benefício difuso deve prevalecer sobre os interesses particulares.
Os insiders e simpatizantes de suas teses utilizam um rol de argumentos controversos da literatura urbanística. O mais popular deles seja talvez a gentrificação que, por sua vez, refere-se à substituição do perfil da população de uma localidade por outra com renda mais alta, geralmente induzida por fenômenos imobiliários.
A lógica seria a seguinte: um grande empreendimento de luxo é lançado em um bairro e, com isso, as novas unidades atraem compradores de renda mais elevada com demandas por bares, restaurantes e serviços de alto padrão. Os comerciantes então reagem a este público aumentando o valor de seus produtos e serviços; moradores antigos veem seus custos de vida aumentarem, bem como os locatários sentem o custo do aluguel subir.
À primeira vista, faz sentido que associações de moradores e articuladores locais “prejudicados” (a quem se atribuiria o rótulo NIMBY), se oponham ao empreendimento e busquem por restrições legais ao mercado imobiliário.
Porém, um trabalho publicado pela pesquisadora da Universidade da Califórnia, Kate Pennington, mostrou que, dentro do universo estudado, embora novos empreendimentos imobiliários atraiam moradores mais ricos em seu entorno imediato, não há aumento dos preços de aluguel.
Ao contrário, Pennington demonstrou que imóveis próximos a novos empreendimentos imobiliários observam preços de aluguéis menores após a construção do novo edifício. Constatou-se, por fim, que a atração de moradores mais ricos abrange um raio de cem metros, enquanto a redução nos preços do entorno, de um quilômetro.
É claro que se trata de uma realidade bem distinta da brasileira, mas mostra que a dedução lógica defendida pelos NIMBYs está longe de ser um dogma. Ao contrário, uma série de outras análises empíricas também não comprova a ideia, mostrando que a expulsão de moradores de baixa renda é um fenômeno raro dado — muitas vezes, esses enriquecem junto ao desenvolvimento urbano.
No contexto nacional, Anagol, Ferreira e Rexer fizeram um estudo acerca da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo na cidade de São Paulo e concluíram que o aumento do potencial construtivo ensejou melhorias sociais e, além disso, fez com que o valor do metro quadrado nas regiões centrais se elevasse menos do que o esperado, em razão do aumento contínuo da demanda por habitação nessa localidade.
Ainda, estudos de Andrade Lima e Silveira Neto e de Ciro Biderman identificaram que a restrição do desenvolvimento encarece aluguéis e, no contexto brasileiro, incentiva a informalidade.
Outro ponto versa sobre o fato de que a verticalização não resulta necessariamente em adensamento e, por isso, deve-se optar por métodos menos “danosos”. Utiliza-se do exemplo de que o “boom” imobiliário em São Paulo, principalmente com a construção de altos prédios, não resultou no adensamento desejado. Ao passo que seja verdade em alguns casos, essa análise não leva em conta que existem várias formas de se verticalizar um bairro.
A capital paulista apresenta exemplos de verticalização sem densidade, mas é importante observar o momento das construções dos edifícios. As normas que vigoram hoje são substancialmente diferentes de alguns anos atrás.
O Plano Diretor Estratégico, aprovado em 2014 pelo então prefeito Fernando Haddad, estipulou mecanismos que visam garantir a otimização do uso do solo em áreas beneficiadas por investimentos públicos, os chamados Eixos de Estruturação da Transformação Urbana.
Como exemplos de padrões adotados pelo referido Plano, cujo os efeitos poderão ser melhor percebidos com o passar do tempo, tem-se, por um lado, a Cota Parte Máxima, que define o número mínimo de unidades habitacionais que deverão ser construídas em função da área do terreno.
E por outro, a limitação das vagas de estacionamento disponíveis por unidade, que rompe com a lógica de subsídio indireto ao automóvel e privilegia mais espaço para habitação. Ambas medidas com fulcro de atacar a verticalização que não adensa o espaço.
O processo de verticalização que se deu desde então é qualitativamente muito diferente do que o ocorrido após as regulamentações vigentes a partir da década de 1970.
Entretanto, a transformação urbana é lenta e paulatina. Já se observa avanços, de toda forma. Em 2018, quatro em cada dez apartamentos lançados em São Paulo foram unidades sem vaga de garagem, segundo levantamento feito pelo Sindicato de Habitação (SECOVI-SP).
Além disso, os empreendimentos imobiliários pagam as chamadas “outorgas”, que são repassadas ao Fundo de Desenvolvimento Urbano (FUNDURB) e destinadas a projetos de habitação de interesse social, mobilidade urbana e provisão de infraestrutura. No ano de 2021 foram arrecadados mais de R$ 880 milhões através da outorga onerosa, segundo dados obtidos no portal do Fundo.
Podemos extrair, ainda, lições do Programa Reviver Centro, instituído recentemente na cidade do Rio de Janeiro. Através do Programa de Locação Social, foram estabelecidos incentivos de coeficientes edilícios para que empreendimentos imobiliários repassem 20% das unidades construídas à administração municipal.
Esses imóveis serão então destinados ao público-alvo do programa com aluguel subsidiado. Logo, além de uma verticalização que necessariamente deve resultar em adensamento, como se verifica nos projetos já aprovados, é uma forma para que as populações mais necessitadas possam ter acesso à moradia na região central.
O programa ainda deverá se sujeitar ao teste do tempo, mas dá pistas de como aliar o desenvolvimento do mercado imobiliário a programas de habitação.
No caso de São Paulo, os bairros do centro expandido receberam somas vultosas de investimento em infraestrutura e mobilidade urbana, das quais a construção e expansão da Linha 4 Amarela é apenas um exemplo.
Segundo o espírito do Plano Diretor, portanto, esses bairros deveriam estar em franco processo de adensamento. No entanto, segundo dados do Censo, o distrito de Pinheiros observou uma redução de 29 mil habitantes entre 1980 e 2010.
Pondo em perspectiva, a redução foi superior à ocorrida no mesmo período em qualquer dos distritos da Subprefeitura da Sé, região conhecida pelo processo de declínio populacional.
Pode-se pensar que isso corrobora com a tese NIMBY de que desenvolvimento urbano não leva a densidade, pois muitos prédios foram construídos e mesmo assim houve um esvaziamento.
Porém, uma análise minuciosa dá fortes evidências de que isso é resultado principalmente da redução de cortiços e diminuição do número de integrantes das famílias.
Inclusive, a partir de 2000, quando o “boom” imobiliário se acentuou, o número voltou a crescer, até 2010. Espera-se que o mesmo ocorra após a melhoria dos padrões pelo novo plano.
Alega-se também que o aumento da densidade habitacional pressiona os serviços de drenagem, saneamento, circulação de veículos e pessoas, aumentando custos e piorando a qualidade de vida.
A boa notícia, em primeiro lugar, é que, ao contrário do que se poderia intuir, o custo de prover serviços públicos em uma região densamente habitada é proporcionalmente menor.
Esse foi um interessante resultado obtido pelo estudo de meta análise conduzido por pesquisadores da London School of Economics. O trabalho mostra ainda que o aumento da densidade populacional está associado a efeitos positivos sobre a produtividade, renda, redução de distâncias viajadas diariamente e uso de automóveis.
Basta observar regiões metropolitanas como Hong Kong e Manhattan, muito mais densas do que a capital paulista, que não sofrem cronicamente com alagamentos e desastres iniciados pela natureza em razão de sua magnífica infraestrutura.
Além disso, essas cidades necessitam de uma área muito menor para acomodar a demanda habitacional dos cidadãos, o que resulta em redução drástica no desmatamento, mitigando alterações no microclima da região.
Já em São Paulo, se observa o oposto, os loteamentos irregulares se expandem cada vez mais, principalmente em manguezais e matas ciliares.
Superados argumentos técnicos, outras grandes divergências nesse debate, principalmente em audiências e mídias sociais, surgem de pautas subjetivas.
Alega-se a perda de áreas com valor afetivo, desrespeito ao patrimônio cultural, desconfiguração dos bairros e do modo de vida dos habitantes tradicionais.
Argumentos que, se não forem defendidos com o conhecimento das enormes externalidades negativas geradas, são terríveis para construção de uma cidade para todos.
Apesar das discordâncias apresentadas, é importante ressaltar que diferentes grupos, mais ou menos favoráveis à verticalização, querem uma cidade mais verde, acessível e democrática.
A maior integração e expansão dos modais de transporte público, menor dependência de automóveis e programas mais robustos de habitação são agendas que atravessam os campos de pensamento urbanístico.
Cientes de que existe um incontável contingente de cidadãos que seriam beneficiados e que desejam morar próximos ao centro urbano, YIMBYs entendem que os habitantes de espaços urbanos sempre tiveram de fazer concessões em prol do funcionamento da cidade e dos benefícios comuns.
A partir dessa interação, criou-se um arcabouço de normas de conduta, organização dos espaços e limites aos direitos de propriedade. À medida que novas problemáticas emergem, surge também a necessidade de novos arranjos para enfrentá-las; o presente debate não é diferente.
Os processos na cidade são sempre um trade-off mas, para nossa sorte, novos mecanismos sempre surgem para amenizar as externalidades negativas.
É necessário notar que, apesar de legítimos, os interesses particulares de associações de bairros e as teses defendidas pelos indivíduos contrários à verticalização implicam custos à sociedade como um todo.
Subsidiar o modo de vida tradicional dos bairros centrais, onde reside boa parte da elite econômica, implica em abrir mão de benefícios difusos à população.
Além disso, as alternativas apresentadas não contém estudos empíricos convincentes de sua viabilidade. Por mais nobre que possa parecer a ideia, a garantia do direito à cidade para todos exige uma robusta análise de evidências e que grupos privilegiados façam concessões em favor de benefícios difusos.
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