O microtransporte pode servir como transporte público?
Imagem: VIa Transportation.

O microtransporte pode servir como transporte público?

O conceito de “microtransporte” surgiu há poucos anos com muito entusiasmo. Hoje, ele é alvo de críticas e se encontra na defensiva.

19 de agosto de 2021

O conceito de “microtransporte” surgiu há poucos anos com muito entusiasmo. Hoje, ele se encontra na defensiva. Embora permaneça amplamente popular, figuras influentes no reino do planejamento de trânsito recuaram, reavaliando os resultados dos experimentos de microtransporte.

Como as operações de microtransporte podem transportar inerentemente menos passageiros por veículo do que a maioria dos ônibus, eles acabam sendo menos eficientes e aumentam, em vez de diminuir, a quilometragem do veículo.

A crítica é liderada por Jarrett Walker, o influente consultor de trânsito cujo trabalho em Houston ajudou a cidade a reverter a perda de passageiros. Em seu blog Human Transtit, Walker explorou os benefícios e custos do microtransporte. Suas conclusões, em resumo, foram que:

1) O microtransporte é menos eficiente porque, em média, os programas-pilotos até agora transportaram menos passageiros por veículo do que as rotas de ônibus de pior desempenho;

2) É basicamente uma repetição dos serviços por chamada — como teletáxi coletivo — que já existiam;

3) Como os usuários de microtransporte tendem a ter renda mais alta, qualquer tentativa de subsidiá-los corre o risco de destinar recursos escassos às elites.

Walker é um analista inteligente, e essa crítica merece atenção. Devemos concluir que o microtransporte está fadado à ineficiência ou que qualquer tentativa de transferir subsídios de rotas de ônibus de baixo desempenho para serviços flexíveis é um desperdício de dinheiro?

A resposta pode não ser tão simples como “sim” ou “não” e, na verdade, depende de quais são os objetivos desses serviços. Para encontrar a resposta, vamos explorar seus três pontos.

O microtransporte movimenta menos pessoas do que os serviços de rota fixa?

Em resumo, a resposta a esta pergunta é sim. Walker demonstra isso comparando os meios de transporte por viagens feitas a cada hora de serviço. Na extremidade superior do espectro, uma linha de metrô frequente transporta mais de 200 pessoas neste período, enquanto os serviços subsidiados de “paratransit” focados na acessibilidade são os que menos transportam (0–2 horas). O microtransporte saiu na frente… da última opção, carregando 0–3 por hora de serviço.

Olhando para a questão da “cobertura” — onde a prioridade não é manter níveis elevados de passageiros, mas sim fornecer serviço a uma área que não é propícia para caminhadas — Walker apresenta resultados igualmente desanimadores. Em média, os ônibus de baixo número de passageiros transportam mais de 10 passageiros por hora. Ele conclui que se um serviço de microtransporte realmente realiza essa taxa de transferência é, na verdade, uma ”rota fixa”.

Um problema com essa conclusão é que a maioria das empresas de microtransporte são relativamente novas. É verdade que alguns falharam, sendo o mais proeminente o Bridj. Era um dos serviços de microtransporte originais, se apresentando como o “Uber para ônibus” e, eventualmente, operando em quatro cidades dos EUA, incluindo Kansas City, onde recebeu um subsídio da autoridade de trânsito regional. A Bridj fechou as portas em 2017, embora tenha sido comprada por um consórcio australiano que desde então reviveu o serviço por lá.

Bridj, exemplo de microtransporte
Nascida em Boston, EUA, atualmente a Bridj opera apenas na Austrália. (Imagem: Bridj)

Muitos defensores do transporte coletivo apontaram essa falha como evidência de que o microtransporte privado é inviável. No entanto, onde Bridj falhou, outras empresas estão crescendo. A Via, um serviço inspirado nos táxis compartilhados israelenses, opera em diversos países. O Uber e o Lyft continuam experimentando movimentar mais passageiros por veículo. Simplificando, é muito cedo para declarar uma falha de microtransporte.

Mas vamos considerar se o número de passageiros menor em rotas médias e “flexíveis” torna o microtransporte ineficiente, em relação aos serviços de “cobertura” com ônibus. Considerando que um ônibus convencional de baixo número de passageiros movimenta mais pessoas por hora atualmente, a próxima questão é se as 15–20 pessoas neste veículo hipotético estão sendo bem servidas.

O uso do serviço em si não prova isso, já que o número de passageiros da rota de cobertura tende a se concentrar em pessoas que não podem dirigir, seja por deficiência física ou pobreza. Para aqueles que podem obter carros, é provável que mudem para carros, especialmente com acesso a empréstimos para automóveis. Essa mudança foi citada como uma causa provável da diminuição do uso de transporte público em Los Angeles.

Sistemas mais flexíveis, por outro lado, ainda podem oferecer melhor valor para o passageiro do que uma rota de ônibus com cobertura de baixa frequência. Os passageiros tendem a agregar destinos, como um complexo de escritórios ou um shopping, que é difícil para uma rota de ônibus que circula por via arterial alcançar sem distorcer sua rota.

Além disso, o microtransporte pode até melhorar esses serviços de ônibus, fornecendo conexões de primeira/última milha. Nesse caso, as horas de serviço podem não ser a melhor métrica, mas sim o total de pessoas movimentadas durante um dia. O uso contínuo de microtransporte para fins de cobertura pode muito bem resultar em maior número total de passageiros, embora que esse aumento possa ser mitigado pelos usuários que optassem por adquirir um carro particular.

O que é único no microtransporte?

A crítica de que o microtransporte é apenas outra forma de serviços por chamada tradicionais pode se aplicar a agências menores. Esses programas existem desde meados da década de 1980 e dependiam do contato dos passageiros com a agência, que então ia até seu encontro.

Microtransporte, como empresas de rede de transporte, funciona em um modelo de chamada baseado em aplicativo. Angie Schmitt do Streetsblog criticou o microtransporte com base nisso — que os “melhores serviços” são mais parecidos com os programas já existentes.

No entanto, esta não é uma crítica. Com os smartphones se tornando dominantes, naturalmente as agências de trânsito devem tentar utilizá-los. Se os smartphones tornam o processo mais fácil do que ligar para uma central — evitando também a espera em caso de excesso de chamadas —, o microtransporte melhorou o conceito de serviço por chamada.

Além disso, há uma distinção entre programas-pilotos e serviços estabelecidos organicamente, como era o caso com as operações de microtransporte originais (e seus predecessores).

Programas-pilotos, como o que está sendo testado em Arlington com a Via, tendem a cobrir áreas geograficamente limitadas e dependem de um único provedor. Os serviços orgânicos, por outro lado, muitas vezes enfrentam concorrência e refletem a demanda do mercado.

Essa competição desempenha o papel crucial de identificar rotas com demanda concentrada. Mais uma vez, Walker está correto ao afirmar que, em ambientes urbanos densos, quanto mais passageiros transportados por hora de serviço, mais eficiência.

Operadores de microtransporte — que se concentram em áreas densas — seriam os mesmos que alcançariam essa eficiência. Em um ambiente menos regulamentado, essas operadoras escalariam seus serviços para se tornarem verdadeiras rotas fixas ao longo do tempo, pois os impactos da aglomeração ditam os padrões de viagem. Mesmo que não o façam, os dados ainda podem ser usados ​​por órgãos públicos.

Mas o problema é que, em vez disso, as cidades regulam em excesso o microtransporte, de modo que não podemos realmente saber se a indústria se sairia bem. Um exemplo é quando a cidade de Nova York impediu uma operadora privada de fornecer serviço em rotas de ônibus canceladas no Queens.

Os subsídios apenas subsidiam os passageiros de alta renda?

Essa também é uma preocupação válida — e se o dinheiro estiver sendo usado para serviços de microtransporte que beneficiam desproporcionalmente os ricos e prejudicam os serviços de cobertura?

Esse problema poderia ser resolvido fornecendo subsídios do lado da demanda e permitindo que os fornecedores entrassem e saíssem do mercado conforme a demanda justificasse. Dito isso, pode ser mais desafiador para mercados de baixa densidade, já que as empresas teriam menos incentivos para entrar neles. Esse experimento de “voucher”, no entanto, ainda vale a pena.

Concluindo, a popularidade do microtransporte mostra a ineficiência do transporte coletivo. Pessoas de classes mais altas estão dispostas a pagar tarifas mais caras para evitar um sistema público que não os atende.

Se o microtransporte pode ser eficiente como um provedor público amplo é mais complicado, mas a resposta, agora, ainda não é um sim ou não. O caminho para as agências de trânsito não é descartar seus programas-pilotos de microtransporte, mas usá-los para explorar benefícios e desvantagens, buscando fornecer a melhor mobilidade possível.

Artigo publicado originalmente em Market Urbanism Report em 3 de dezembro de 2018. Traduzido por Gabriel Lohmann.

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