Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Considera-se que aquilo que já é pago por impostos, como implementação do espaço viário, deveria ser grátis. Mas tal gratuidade gera distorções.
20 de dezembro de 2017Como qualquer oferta de serviços, o espaço viário está sujeito a variações na demanda em determinados locais ou horários. A alta demanda pelo espaço viário tem consequências visíveis e palpáveis nas nossas cidades: os congestionamentos. É regra, na maior parte das cidades brasileiras, que automóveis se acumulem em vias específicas, bloqueando passagens e atrapalhando compromissos, inclusive de pessoas que não estão diretamente envolvidas nos congestionamentos: o prejuízo anual para a cidade de São Paulo chega a 50 bilhões de reais.
Há uma tendência no Brasil de considerar que aquilo que já é pago por impostos, como a implementação do espaço viário, teria de ser oferecido gratuitamente. No entanto, tal gratuidade gera distorções, de modo que os próprios motoristas não assumem o ônus da sobrecarga do sistema viário, gerando externalidades negativas para outros usuários.
Para amenizar essa distorção, sugere-se a implantação de uma taxa de congestionamento, popularmente chamada de “pedágio urbano”, que seria uma taxa de utilização para a via, além das cobradas por sua implementação. Essa taxa já é cobrada em diversos centros de grandes cidades do mundo, como Londres, Singapura e Estocolmo. Nessas cidades, o acesso à região central por automóveis particulares é condicionado ao pagamento de uma taxa de congestionamento para responder à demanda por trafegar por aqueles espaços.
Em Londres e Estocolmo, um perímetro foi definido em torno do centro e câmeras controlam a entrada dos veículos. Um software faz o reconhecimento das placas e confere num sistema online se o usuário fez o pagamento prévio da taxa. Em Singapura, o preço da taxa é dinâmico, sendo mais alto em locais e horários com maior demanda de utilização e, consequentemente, onde ocorreria a maior parte dos congestionamentos. Com cerca de 5,5 milhões de habitantes e o mais avançado sistema de taxa de congestionamento, Singapura raramente apresenta congestionamentos em qualquer lugar da cidade. É importante notar que, com fluidez constante de tráfego, as faixas dedicadas ao transporte coletivo tornam-se menos necessárias.
Implementada nas metrópoles brasileiras, a taxa de congestionamento teria como objetivo central a cobrança por um espaço viário limitado que atualmente é apropriado por automóveis particulares. Recursos provenientes dessa taxa poderiam ser revertidos em investimentos para o transporte coletivo e a manutenção das calçadas, melhorando ainda mais a vida daqueles que não têm a opção do automóvel particular ou que decidem deixá-lo em casa.
É importante que se defina claramente que área estará sujeita à taxa. Deve-se dar preferência a polígonos bem definidos que abranjam regiões centrais ou vias frequentemente afetadas pelos congestionamentos. Tal perímetro deve ser destacado por sinalizações nas vias, deixando claro o momento em que se entra ou sai de uma zona pedagiada. Deve-se definir também o horário em que a cobrança estaria vigente. A cidade de Londres, por exemplo, mantém a cobrança entre 7 e 19 horas, cobrando cerca de 11,50 libras (aproximadamente 45 reais) por dia.
Vale lembrar que a taxa de congestionamento torna mais caro o uso do automóvel individual, que hoje é quase indispensável em cidades brasileiras; logo, é essencial dar alternativas, aumentando a capacidade e qualidade dos transportes públicos, a pé e bicicleta, e permitindo transportes alternativos para receber a demanda de passageiros que desistem do transporte individual devido à taxa. Tendo em conta essa afirmação, a maioria das metrópoles brasileiras ainda não está preparada para o pedágio urbano; não se trata, portanto, de uma política de curto prazo e sua implantação deve ser comunicada previamente e de forma transparente à população. Também entendemos o termo “taxa de congestionamento” é superior a “pedágio urbano”, por focar no custo que o automóvel está gerando à cidade em vez de sugerir uma punição ao motorista. De qualquer maneira, é necessário ter em mente que o trânsito das metrópoles brasileiras evolui de tal forma que parece ser indispensável a adoção da taxa a longo prazo.
Para facilitar o acesso ao conteúdo do Guia de Gestão Urbana, publicamos todas as propostas apresentadas no livro na sua ordem original. Você as encontra em https://caosplanejado.com/guia, junto do link para download gratuito do livro.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarAs mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Com o objetivo de impulsionar a revitalização do centro, o governo de São Paulo anunciou a transferência da sua sede do Morumbi para Campos Elíseos. Apesar de ter pontos positivos, a ideia apresenta equívocos.
Confira nossa conversa com Diogo Lemos sobre segurança viária e motocicletas.
Ricky Ribeiro, fundador do Mobilize Brasil, descreve sua aventura para percorrer 1 km e chegar até a seção eleitoral: postes, falta de rampas, calçadas estreitas, entulhos...
Conhecida por seu inovador sistema de transportes, Curitiba apresenta hoje dados que não refletem essa reputação. Neste artigo, procuramos entender o porquê.
No programa Street for Kids, várias cidades ao redor do mundo implementaram projetos de intervenção para tornar ruas mais seguras e convidativas para as crianças.
Algumas medidas que têm como objetivo a “proteção” do pedestre na verdade desincentivam esse modal e o torna mais hostil na cidade.
A Roma Antiga já possuía maneiras de combater o efeito de ilha de calor urbana. Com a mudança climática elevando as temperaturas globais, será que urbanistas podem aplicar alguma dessas lições às cidades hoje?
Joinville tem se destacado, há décadas, por um alto uso das bicicletas nos deslocamentos da população.
COMENTÁRIOS