Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Nada mudou, a não ser o nome. O orçamento não mudou e o modo de trabalhar tampouco. Por isso, vale a pena saudar o bom senso de voltar o nome antigo.
29 de agosto de 2018No final da semana passada, o prefeito Bruno Covas anunciou que vai voltar a chamar as Prefeituras Regionais de Subprefeituras, desfazendo o que havia sido feito pelo prefeito João Dória.
Os órgãos regionais já foram chamados de Administrações Regionais. Na gestão da prefeita Luiza Erundina, foi tentada uma reforma administrativa bastante grande na direção de descentralização, em que seriam criadas Subprefeituras com orçamento próprio e muito mais autonomia. A reforma não foi para a frente, detonada até pela estrutura interna das secretarias, temerosas de perderem espaço.
Anos depois, na gestão Marta Suplicy, as administrações regionais ganharam o nome de Subprefeituras. Na gestão Dória, foram novamente rebatizadas, de Prefeituras Regionais. A intenção declarada era aumentar a importância da regionalização, teoricamente dotando as mesmas estruturas regionais de mais poder para incidir no território:
“Não é só o nome, mas o nome também porque você cria a importância que hoje não tem. Quando você fala subprefeito, subprefeitura, você também traduz isso em sub povo, sub bairros e sub orçamentos. Nós não queremos isso. Nós queremos que a população tenha acesso capilarizado, ou seja, bons gestores, eficiência e orçamento. Isso vai melhorar e muito a urbanidade, serviços urbanos, zeladoria urbana e assistência social”, declarou o prefeito João Dória em entrevista meses antes da posse.
Na prática, nada mudou, a não ser o nome. O orçamento não mudou e o modo de trabalhar tampouco. Por isso, vale a pena saudar o bom senso de voltar o nome antigo, ao mesmo tempo em que se lamenta que mais uma possibilidade de aumentar a descentralização administrativa seja desperdiçada.
São Paulo tem 96 distritos, agrupados em 32 subprefeituras. Cada uma delas tem população maior que a maioria dos municípios brasileiros, com centenas de milhares de habitantes. Elas são responsáveis por integrar as políticas municipais ou metropolitanas à escala do bairro.
Um exemplo: políticas de transporte são pensadas numa escala metropolitana. Porém, é na escala local que vão se dar as consequências de qualquer decisão. Uma nova estação de metrô que surja como consequência dos grandes planos, vai ter inevitavelmente um impacto local: mudança no fluxo de pessoas, paradas de ônibus, estacionamento, aumento do preço dos imóveis, novos comércios, etc.
Nove entre dez administradores falam em descentralização. As subprefeituras são uma das maneiras de garantir que demandas regionais possam ser ouvidas e geridas. A cidade é grande demais para que um prefeito consiga pensar na escala local.
Mas a decisão de mexer no funcionamento não é trivial.
Envolve redesenho das funções, muito mais coordenação por parte do prefeito e acompanhamento de perto dos resultados. Envolve, também, redistribuição de poder: algumas secretarias teriam que negociar mais antes de mexer em novas políticas públicas e, na base de tudo, está a possibilidade de moradores das regiões participarem muito mais das decisões, através dos conselhos. E, claro, envolve verbas, sem o que nada muda.
Ora, o percentual da verba das prefeituras regionais no orçamento municipal não mudou. Os processos não mudaram. As secretarias municipais continuam olhando para a cidade como um todo. Os conselhos participativos continuaram a ser pouco ouvidos. Resultado: a cidade continuou a ser gerida com o mesmo balanço de centralização de antes.
Outra dimensão da mudança, segundo a entrevista que o prefeito anterior deu, tinha a intenção de aumentar o peso do cargo. Isso às vezes acontece, mas, na maior parte das vezes, envolve apenas uma fixação mais com o nome de um cargo do que com a função. É humano. Há uma reação natural a um cargo com nome bonito. Tratarei com mais respeito o prefeito regional do que o subprefeito, mesmo que seja a mesma pessoa. Por sua vez, quem ocupa o cargo com o nome de prefeito regional, corre o risco de ignorar o “regional” e começar a exigir tratamento diferenciado, num círculo vicioso que aumenta o risco de funcionários públicos esquecerem que, no fundo, no fundo, estão ali para servir aos bairros que representam e às pessoas que ali moram. A pomposidade de alguns cargos às vezes não combina com a proximidade desejada das gestões.
Administradores públicos sabem ou deveriam saber que nada acontece sem mudança de processos, sem paciência, sem cobrança diária de resultados e, claro, sem continuidade na gestão. A descentralização pode vir a ser de fato uma bandeira, mas hoje, é apenas uma ideia.
Hoje, as subprefeituras são órgãos de zeladoria. Cuidam das áreas públicas, das áreas verdes, fiscalizam o cumprimento da legislação, aprovam projetos de arquitetura. Há alguns subprefeitos muito bons e comprometidos com os problemas da região e desses, ainda se cobra que consigam dar conta de coordenar planos regionais e arbitrar conflitos. Não é pouco o que se espera deles, mas é pouco o que se oferece de apoio.
É uma função importante que poderia ser mais bem feita se houvesse suporte e integração com a estrutura das secretarias, num desenho parecido com o de algumas empresas – a estrutura matricial.
A ideia levantada há alguns anos de fazer eleições para subprefeitos parece, diante da falta de clareza do escopo, um balão de ensaio para emular supostos valores de democratização, sem que ninguém discuta, na prática, medidas muito mais prementes, como a distribuição de funções, o voto distrital, a falta de critérios para emendas parlamentares e de verbas do orçamento anual, tanto do executivo como do legislativo.
Uma função importante como essa não precisa apenas de mudança de nome. Precisa de uma direção clara de descentralização, de acompanhamento de perto da população e de uma revisão no modo da prefeitura operar. Aí, sim, quando o objeto for diferente, talvez faça sentido pensar em renomeá-lo.
Texto publicado originalmente no Caminhadas Urbanas em 27 de agosto de 2018.
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