Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Inovação, empreendedorismo, uso de dados, rotas personalizadas e o futuro de transporte. Confira a entrevista exclusiva de David Block-Schachter.
13 de dezembro de 2015Tive a oportunidade de entrevistar David Block-Schachter, cientista-chefe da Bridj, em seu escritório em Boston algumas semanas atrás. Vejam só:
Caos Planejado: Inspiração: você poderia falar um pouco sobre si mesmo e sua inspiração para trabalhar nesse ramo?
David Block-Schachter: Aproximadamente 8 anos depois de terminar minha graduação, voltei para a escola para fazer um PhD em transportes pelo MIT. Depois do PhD trabalhei para o MBTA como Diretor de Pesquisa e Análise para entender como eles podem usar seus dados para melhorar as operações. Depois disso, me juntei ao Bridj. Queríamos melhorar o transporte no geral, e focamos nos problemas aqui em Boston, primeiramente. Obviamente meu histórico também ajudou. Nós também observamos os sistemas de transporte informal em todo o mundo. Quando fui ao Rio, notei como os ônibus estão em desvantagem, já que o trânsito em si é tão incerto que se você tem um carro você prefere ficar preso nele dentro do carro do que dentro do ônibus. Então nos perguntamos: como podemos usar a tecnologia para combinar o serviço direto associado aos veículos pequenos com um bom nível de atendimento que vemos nos sistemas de transporte de massa na América e na Europa sem herdar os defeitos e desvantagens de cada sistema? A principal vantagem de ter viagens diretas ao invés de baldeações pode ser resolvida com tecnologia.
CP: Como vemos no mapa que mostra as áreas onde a Bridj opera, a empresa possui ônibus em 3 áreas principais com duas linhas principais: Allston/Coolidge Corner para Kendall/MIT e Brighton/Washington Square (incluindo Allston/Coolidge Corner) para Boston CBD. Como você chegou a essas ideias de rotas e áreas atendidas?
DBS: Para criar linhas usamos um misto de arte e ciência, ou seja, alguma intuição combinada com dados (de demanda, da rede MBTA) e algoritmos de otimização. Em nosso modelo, todas as viagens devem ser pré-agendadas através do aplicativo Bridj, então temos dados o suficiente e podemos ter controle de nossos indicadores de qualidade. Passageiros colocam sua origem e destino e o nosso software então calcula o tempo de caminhada de e para a parada mais próxima. Um de nossos principais indicadores de qualidade é o tempo de caminhada. Já que o “commuting” (N.T.: viagem diária entre casa-trabalho-casa) tem a ver com rotina, a redução dos tempos de caminhada é restrita pela preferência pela consistência, para que não tenhamos que mudar as paradas e rotas todos os dias. As paradas são definidas previamente mas podem ser modificadas de acordo com os dados.
CP: Como você vê sua concorrência? O automóvel privado é o principal concorrente de vocês?
DBS: Nós vemos o Bridj como um serviço complementar aos “sistemas de transporte tecnológicos” – serviços de mobilidade como o Hubway e o Uber — que podem aprimorar a mobilidade urbana e também o meio ambiente. Alguns clientes usam o Bridj todos os dias, alguns quando está chovendo, e alguns veem o Bridj como um “tratamento especial” quando não querem ir para o metrô ou ônibus e não querem pagar tanto quanto uma corrida de táxi. Bridj é mais barato que o Uber e que táxi, mais rápido e mais confortável do que os atuais ônibus públicos e passa uma sensação de confiança ao passageiro. Mas sim, todos nós competimos contra os automóveis.
CP: Como você deve saber, na América do Sul e África a principal característica que políticos e o público em geral desprezam no transporte privado é a chamada “Penny War” ou “Guerra del Centavo”, que significa um punhado de micro-ônibus correndo ao longo de uma avenida competindo por passageiros. Mas esse não é o caso do Bridj, primeiro porque vocês ainda não tem concorrência (i.e. outra empresa como a Bridj) e depois pelo fato de vocês só trabalharem com viagens pré-agendadas. Como você vê esse amplo assunto de concorrência no mercado ao invés de pelo mercado?
DBS: Entendo que há um ciclo entre regulação e intervenção governamental: o governo vê a cidade com os micro-ônibus e toda a concorrência na rua; começa a “rotear” e regular o mercado; interesses ocultos aparecem; o serviço se degrada; o governo começa a permitir alguma privatização aqui e ali; e, finalmente, desregulam novamente, e por aí vai. Mas acho que há espaço para encontrar um meio-termo. Não totalmente desregulado, mas também não totalmente público. Através da tecnologia, você se livra de muita concorrência ruim no mercado. Basicamente se o governo proíbe a concorrência na rua, significando que todas as viagens devem ser pré-agendadas, você se livra do incentivo para competir na rua. Desse modo, você abre mão dos efeitos negativos, principalmente em relação à segurança, de tais comportamentos irresponsáveis. Tecnologia pode ajudar a resolver vários problemas de segurança: maus motoristas, veículos sujos, assédios às mulheres, etc. Por exemplo, trajeto dos veículos e embarques de passageiros podem ser acompanhados através de uma tecnologia. Isso, para o regulador, significa saber onde os veículos estão, quem está dentro deles e quem está dirigindo. Então, numa visão mais ampla, o Bridj pode ser a plataforma que muitos operadores podem usar para vender suas viagens, e também para o governo manter os registros sobre o mercado. Assim, se mantém a vantagem de ter empreendedores com veículos pequenos e serviços diretos disponíveis para toda a comunidade.
CP: Vocês são proprietários dos veículos? E quanto aos motoristas?
DBS: Nós não possuímos veículos, temos contratos com vendedores e motoristas parceiros. Aproximadamente 30% da nossa frota não tem a nossa marca, mas estamos constantemente tentando chegar aos 100%. O melhor marketing são os veículos com a marca. Nosso veículo ideal tem entre 12 e 15 assentos. De acordo com nossos dados e experiências, esse é o tamanho perfeito para garantir o balanço certo entre paradas e velocidade até o destino. Então os veículos se enchem num ritmo bom e não precisam parar tão frequentemente.
CP: E sobre a regulação? Vocês encaram forte oposição institucional como o Uber e outras empresas de microtransporte e nos EUA e ao redor do mundo?
DBS: Nós começamos um ano atrás e pensei que os problemas regulatórios seriam os mais significativos. Estava com um pouco de medo no começo, mas o que encontramos foi: se você vai aos reguladores com boas intenções, eles respondem bem. Tivemos poucos soluços na nossa trajetória. É importante ter boas relações com os governos municipais, estaduais, com os gabinetes governamentais e com as agências públicas no geral e autoridades. Para o tamanho de nossa operação, falamos com um número significativo de agências governamentais. É importante destacar que eles querem que nós operemos, e não ao contrário. Diferente de empresas como o Uber, nós não temos o “sistema” contra a gente; não estamos lutando contra os interesses intrínsecos dos táxis. No nosso caso, mesmo as agências de transporte público gostam da gente, pois há tanta demanda para o transporte de massa! Isso acontece especialmente em Boston, onde provemos um alívio para áreas superlotadas ou subservidas pelo transporte público. Estamos aumentando nossa capacidade de transporte nestes lugares sem custo para o setor público, dando mais opções para a população e aumentando a acessibilidade, com relações muito boas onde operamos o serviço. Temos sido proativos, procuramos os reguladores e dizemos: “vamos conversar sobre maneiras de trabalharmos juntos”. Mas devo admitir que aprendemos muito com os moradores e vizinhos da Brookline. Começamos com veículos maiores, já que eles são mais fáceis de se obter dos vendedores do que os menores. Esses veículos eram barulhentos, ocupavam muito espaço e os moradores reclamavam. Os veículos agora são diferentes: pequenos, limpos e silenciosos. Não incomodam os bairros. Os moradores realmente ajudaram a melhorar nossos serviços.
CP: Como posso me tornar um cliente Bridj? Como o sistema funciona para o usuário e quando?
DBS: Por enquanto, estamos operando em Boston e Washington DC. Operamos somente nos serviços de pico; mas vai mudar com o tempo pois já sabemos os padrões de demanda. Primeiro, o usuário baixa o aplicativo Bridj. Então, deve colocar sua origem e destino no aplicativo, e são ofertados serviços com diferentes horários e preços. Usamos um mecanismo de preços (como preços mais altos em demandas mais altas) para ter certeza de que, na maioria das vezes, sempre temos assentos disponíveis para atender um novo passageiro. Durante o pico dos picos os preços são altos, mas não abusivos. Queremos apenas evitar que viagens estejam esgotadas. Quando nossas viagens se esgotam e os veículos são igualmente distribuídos no tempo, o passageiro tem que esperar mais para a próxima viagem, gerando a impressão de que o sistema oferece baixa frequência. Nosso alvo é sempre ter um assento livre, o que quer dizer que aquela viagem pode ser contratada. Nossa grande vantagem é que temos novos dados de demanda todos os dias: podemos ver onde adaptar, onde e quando temos oferta super ou subdimensionada.
CP: E o futuro?
DBS: Eu vejo que o futuro do transporte de massa é mais tecnologia ao invés de mais infraestrutura ou mais ônibus e trens. Eu acredito que veículos autônomos vão revolucionar o transporte de massa. Vai acontecer. Há uma grande questão de quando e como, mas vai ocorrer. A pergunta é: esses veículos serão de ocupação individual ou coletiva? Agências de transporte de massa têm rodados veículos autônomos por 50 anos mas estão ficando para trás. Como poder público, elas têm a preferência e rotas e paradas já estabelecidas, veículos autônomos funcionariam muito bem para eles. A Bridj também espera, no futuro, incorporar veículos autônomos em suas operações. Para Boston, posso imaginar um serviço de ônibus que usa apenas a tecnologia Bridj.
Traduzido por Lucas Magalhães e revisado por Anthony Ling.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarAs mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Com o objetivo de impulsionar a revitalização do centro, o governo de São Paulo anunciou a transferência da sua sede do Morumbi para Campos Elíseos. Apesar de ter pontos positivos, a ideia apresenta equívocos.
Confira nossa conversa com Diogo Lemos sobre segurança viária e motocicletas.
Ricky Ribeiro, fundador do Mobilize Brasil, descreve sua aventura para percorrer 1 km e chegar até a seção eleitoral: postes, falta de rampas, calçadas estreitas, entulhos...
Conhecida por seu inovador sistema de transportes, Curitiba apresenta hoje dados que não refletem essa reputação. Neste artigo, procuramos entender o porquê.
No programa Street for Kids, várias cidades ao redor do mundo implementaram projetos de intervenção para tornar ruas mais seguras e convidativas para as crianças.
Algumas medidas que têm como objetivo a “proteção” do pedestre na verdade desincentivam esse modal e o torna mais hostil na cidade.
A Roma Antiga já possuía maneiras de combater o efeito de ilha de calor urbana. Com a mudança climática elevando as temperaturas globais, será que urbanistas podem aplicar alguma dessas lições às cidades hoje?
Joinville tem se destacado, há décadas, por um alto uso das bicicletas nos deslocamentos da população.
COMENTÁRIOS