O adensamento urbano em Porto Alegre e a polêmica de um novo empreendimento
Apesar da repercussão negativa, é preciso entender como o empreendimento recém aprovado em Porto Alegre pode beneficiar a cidade.
Confira como foi a entrevista exclusiva com Carlo Ratti, o arquiteto, urbanista e engenheiro italiano. Carlos é especialista em novas tecnologias urbanas.
18 de janeiro de 2018Uma série de inovações tecnológicas — entre elas as famosas smart cities e os promissores veículos autônomos — têm sido debatidas nos últimos anos como solução para o futuro das cidades. No entanto, como já demonstramos em artigos aqui na página, soluções mágicas para problemas urbanos têm sido experimentadas há décadas, com resultados, muitas vezes, catastróficos.
Como forma de esclarecer algumas dúvidas e aprender mais sobre o que futuro das cidades reserva, fomos atrás de uma das pessoas que mais entendem do assunto mundo. Arquiteto, engenheiro, ativista e professor do MIT, o italiano Carlo Ratti foi muito receptivo às nossas perguntas, e o resultado é a entrevista abaixo, traduzida para o português.
Boa leitura!
Caos Planejado: O futuro das smart cities podem ser tanto “de cima para baixo”, com infraestruturas centralizadas por grandes provedores de tecnologia, como “de baixo para cima”, com muitas startups providenciando diferentes serviços. Quais você acha que são os prós e contras dessas duas abordagens? Você acha que devemos nos preparar para a tecnologia, construindo e redesenhando cidades ao redor dela?
Carlo Ratti: Essa questão está diretamente ligada ao papel do governo na promoção de uma smart city. Eu acho que governos devem encorajar principalmente os cidadãos a agir. Se formos capazes de desenvolver as plataformas certas, as pessoas poderão ser as responsáveis por transformar a cidade — de uma maneira “de baixo pra cima”.
Isso não significa que governos deveram se afastar totalmente do desenvolvimento urbano. Governos certamente cumprem função importante ao dar suporte a pesquisas acadêmicas e promover aplicações em áreas que podem ser menos atraentes para o capital privado — áreas sem glamour, mas cruciais, como a coleta de lixo e o sistema hidro-sanitário. O setor público também pode promover o uso de plataformas abertas nesses projetos, o que aceleraria sua adoção em cidades pelo mundo.
No entanto, e isso é o mais importante, governos devem usar seus fundos para desenvolver um ecossistema inovador e “de baixo para cima”, orientado para as smart cities. Assim como o sistema que está crescendo em popularidade entre políticos dos Estados Unidos, diplomacias devem ir além do suporte a incubadoras tradicionais, produzindo e alimentando estruturas regulatórias que permitem que a inovação prospere. Contudo, governos também devem se afastar da tentação de exercer um papel mais determinista e “de cima para baixo”. Não é a prerrogativa do governo decidir qual será a próxima solução para as smart cities — ou, pior ainda, usar o dinheiro dos seus cidadãos para reforçar a posição de multinacionais de tecnologia que estão, hoje, propagando seus serviços nesse campo.
CP: Se você fosse tivesse em mãos um orçamento de 100 milhões de dólares do governo para implementar alguma tecnologia em uma grande cidade, o que você faria?
CR: Se a infraestrutura já está lá — fibra-ótica, comunicações sem-fio — eu focaria principalmente na criação de um ecossistema saudável à inovação e deixaria as pessoas desenvolverem suas startups.
CP: E se tivesse $10 milhões em um país em desenvolvimento? Como as administrações das cidades desses países poderiam aproveitar a tecnologia de maneira mais eficiente?
CR: Nesse caso, queremos primeiro garantir que a infraestrutura esteja lá. Pense no sucesso de Bangalore, que começou com uma simples conexão de internet.
CP: Você costuma ver carros autônomos com otimismo, mas cidades têm, historicamente, assistido a espraiamentos significativos com a adoção de cada grande inovação de transporte. Você acha que esse também será o caso dos veículos autônomos? Qual a maior desvantagem potencial dos veículos autônomos?
CR: No caso dos carros autônomos existem oportunidades e riscos. Eu discuti o assunto recentemente em um artigo para a Scientific American.
A primeira preocupação é a segurança. Todos nós sabemos o que acontece quando um vírus trava o computador. E se um vírus travar um carro? É difícil combater o trabalho de hackers com as ferramentas tradicionais de governo e da indústria, e é especialmente perigoso no caso de sistemas como o dos carros auto-dirigíveis, que combinam o digital e o físico.
Outro problema que pode ocorrer é a chamada “vantagem competitiva injusta” do veículo autônomo. O custo de locomover por quilômetro pode cair tão drasticamente que as pessoas abandonariam o transporte público em favor dos carros autônomos. Isso, por outro lado, pode levar a um acréscimo no número de veículos na cidade — e esse acréscimo levaria a trânsitos caóticos. Além disso, manter carros em movimento o tempo todo ao invés de estacionados 95% do tempo poderia aumentar a poluição.
Carros autônomos podem gerar outra consequência indesejada, como você comentou: agravar o espraiamento urbano. Não seria a primeira vez que uma inovação tecnológica na área da mobilidade teria esse efeito. E se, no futuro, as pessoas, que passariam a poder ir ao trabalho dormindo ou trabalhando, decidissem se mudar para fora da cidade, expandindo comunidades espraiadas e insustentáveis?
Existem outras ameaças que merecem ser mencionadas. Multas relacionadas a carros representam uma receita substancial em todo o tipo de jurisdição local ou nacional. A difusão de veículo autônomos pode eliminar esse fluxo crucial de dinheiro.
Como Robin Chase escreveu em seu artigo sobre carros autônomos, “Simplesmente eliminar os motoristas dos carros, e manter todo o resto do sistema como está, será um desastre.” Assim como no século 20, muito do que acontecer vai depender de um ciclo saudável de tentativa e erro. Mesmo assim, se pudermos conduzir essa transição de maneira racional, os carros autônomos podem nos ajudar a alcançar uma experiência urbana mais agradável e segura.
CP: Algumas das suas pesquisas sugerem veículos autônomos “V para X”, como [comunicação de] veículo para veículo e veículo para infraestrutura. No entanto, no estado de desenvolvimento atual, veículos autônomos só analisam seu entorno. Como você vê o futuro e o potencial do “V para X”?
CR: Na fase de transição nós não podemos presumir “V para X”. No entanto, as coisas vão mudar em um futuro totalmente autônomo. Nesse caso, por exemplo, podemos não precisar mais de semáforos em nossas cidades, já que eles serão substituídos por intersecções “slot-based”, como exploramos em nosso projeto “Light Traffic” — um sistema que reserva espaços do cruzamento para garantir distâncias seguras entre carros — reduzindo significativamente congestionamentos e atrasos. Essa ideia é baseada em um cenário em que veículos com sensores passam por intersecções ao se comunicar com elas, se mantêm a uma distância segura, ao invés de parar em semáforos. Ao remover as esperas causadas pelos semáforos, essas Intersecções Slot-Based aceleram o fluxo do trânsito, permitindo que os carros autônomos ajustem suas velocidades para atravessar cruzamentos.
CP: Muitos NIMBYs rejeitam novos empreendimentos por suas potenciais desvantagens ao conforto à habitabilidade. Qual são, em sua opinião, as principais métricas para a habitabilidade para que possamos potencialmente iniciar uma discussão mais quantificada e menos subjetiva do assunto?
CR: Eu acho que métricas não são universais — elas vão mudar em diferentes países e culturas. No entanto, a boa notícia é que Big data vai nos permitir medir um número crescente de variáveis urbanas…
CP: Até que ponto podemos fazer cidades mais ‘smart’ e mais digitais enquanto, ao mesmo tempo, nos mantemos cientes das questões de privacidade e compartilhamento de dados? A privacidade é superestimada nesse caso?
CR: Privacidade é uma questão crucial nos dias de hoje — mas eu diria que essa é uma questão mais ampla do que o que está acontecendo nas cidades. Todos os dias — através dos nossos smartphones, cartões de crédito, etc — nós deixamos uma série de ‘pegadas digitais’, que são registradas milhares de vezes a cada dia e armazenadas em nuvem. O que mais preocupa nisso é que vivemos em um mundo assimétrico, onde apenas algumas empresas e instituições públicas sabem muito sobre nós, enquanto nós sabemos muito pouco sobre elas. Eu preferiria, até, uma sociedade em que não houvesse privacidade e todo mundo soubesse tudo sobre todos — como costumava acontecer, pelo que ouvi falar, em sociedades caçadoras-coletoras — do que o que temos hoje em dia.
CP: Sobre os efeitos dos carros autônomos no trânsito: enquanto alguns acreditam que eles ajudariam a eliminar o congestionamento ao reduzir o erro humano, outros dizem que eles podem piorar o trânsito ao aumentar consideravelmente o número de veículos nas ruas. Qual sua opinião sobre o assunto?
CR: Já respondida acima… No entanto, eu mentiria ao afirmar que veículos autônomos teriam um impacto positivo na infraestrutura. Algo que vai provavelmente mudar é o estacionamento. Hoje em dia, nossos carros passam incríveis 95% do tempo estacionados. O resultado disso é que a infraestrutura para estacionamentos está tão fortemente infiltrada que, para cada carro nos Estados Unidos, existem aproximadamente três vagas não-residenciais de estacionamento — totalizando mais de 8 mil quilômetros quadrados, uma área maior que Porto Rico. Carros autônomos não precisam parar, e, por consequência, precisam de muito menos espaço para estacionamento.
Qual seria a consequência? Com o tempo, vastos terrenos urbanos atualmente ocupados por estacionamentos poderiam ser recuperados para um espectro totalmente novo de funções sociais. Usuários criativos já estão promovendo através do mundo, todo ano durante o Parking Day, um evento em que artistas, designers e cidadãos transformam vagas de estacionamento públicos em espaços públicos temporários. A mesma reutilização poderia acontecer no futuro em uma escala muito maior e com soluções permanentes, levando a um reaproveitamento de uma porcentagem enorme do tecido urbano. As oportunidades são quase ilimitadas, e seu custo poderia ser assumido pela comunidade ou por investidores privados — eventualmente compensando a renda que a cidade perde pelos parquímetros tradicionais.
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