Design Ativo: como as cidades podem promover saúde e inclusão
Conheça a estratégia que visa incentivar o movimento e a atividade física no cotidiano das pessoas por meio do planejamento do espaço urbano.
Por que uma pessoa escolhe morar em uma cidade? A defesa das cidades geralmente é focada em como melhorá-las localmente, não existindo uma reflexão clara do porquê elas são necessárias no tamanho e na densidade que possuem hoje.
13 de janeiro de 2025De 2000 a 2022, a influência do agro e das indústrias extrativistas pularam de 15% da produção brasileira para 50% na nossa tabela de exportações. O fim do período industrial não significou, para o Brasil, uma transição para tecnologias verdes e indústrias de alta tecnologia, hoje as maiores geradoras de crescimento econômico no mundo. Não as produzimos nem para o mercado externo nem para o mercado interno, sobrando diplomados em engenharia trabalhando em outros setores. A chamada indústria da tecnologia se utiliza de brasileiros na sua cadeia produtiva, mas se recusa a pôr centrais no país, por falta de incentivos para a localização das empresas e incentivos para segurar a fuga de cérebros. Não exportamos nem hardware, nem software, nem os produzimos para consumo interno em escala considerável.
Essa mudança da cadeia produtiva brasileira tem tudo a ver com a situação das nossas cidades. Produtores rurais ou mineradoras não são (nem podem ser) motores de desenvolvimento, porque concentram capital e empregam uma parcela muito pequena da população. Simplesmente não seria possível alocarmos mais gente das cidades para atender esses setores. Existem reclamações de falta de pessoal, mas essas se baseiam na recusa de salários melhores, pois os trabalhadores têm baixa escolaridade e são, muitas vezes, explorados. O crescimento de cidades médias reflete a falta de oportunidade gerada pelos maiores centros urbanos do país. Incapazes de entregar serviços públicos, movimentam pessoas para um melhor ambiente de negócios em cidades menores e mais organizadas.
Leia mais: Como o planejamento urbano afeta a economia das cidades
O motivo econômico pelo qual tantas pessoas migraram do campo para as cidades no meio do século 20 é porque, além das promessas de melhores empregos e oportunidades de qualificação, essas promessas eram baseadas numa facilidade muito concreta de enriquecer nas cidades. Seja pelas indústrias, seja trabalhando em serviços gerais, que podem lucrar e empregar tanto quanto os trabalhadores das indústrias principais das cidades possam demandar. Na interpretação de David Harvey, as grandes cidades existem porque são o melhor modelo de geração de capital, ou seja, de produção, na sociedade capitalista. É a aglomeração de pessoas, em posse de diferentes técnicas produtivas, que torna a cidade interessante do ponto de vista produtivo.
Quando defendemos melhorias no transporte público, é porque menos tempo se locomovendo se traduz numa produção melhor e em mais consumo de produtos da cidade. Quando defendemos mais educação e pesquisas, é com o objetivo de subir o teto tecnológico da indústria urbana, que significa melhores salários para todos da cidade, incluindo setores de serviços, mesmo que não afetados diretamente por novidades tecnológicas. Quando defendemos mais saúde e saneamento e menos violência, é porque perdemos, além de importantes vidas, peças de uma grande cadeia produtiva. Não devemos defender as cidades simplesmente por morarmos nelas, embora esse pudesse ser um motivo suficiente; mas porque melhorias nas cidades significam uma otimização do processo de produção urbano, o que beneficia a todos.
As políticas no Brasil muitas vezes dão preferência para a interiorização que, embora mereça atenção, tira o foco do nosso mais custoso esforço de desenvolvimento: a alocação de milhões de pessoas nas nossas metrópoles principais, que por falta de incentivos, não são mais o motor da economia brasileira. Esses centros aglomerativos custam a decair, mesmo com a ineficiência do poder público em melhorar sua condição de vida. Sem uma política clara voltada para as cidades, sua qualidade de vida e suas condições de produção, estamos depredando todo um século de esforços voltados para a cidade. No entanto, não existe uma frente unida pelas cidades como existe uma frente unida, politicamente, por subsídios ao setor agropecuário ou extrativo. As indústrias urbanas e prestadoras de serviços urbanos priorizam lucros de forma simplória, privatizam espaços e não coordenam entre si, gerando para as mesmas um revés de longo prazo conforme as cidades não conseguem enfrentar novos desafios.
Se desenha uma defesa do modelo econômico que prioriza o agronegócio com mantras políticos: que a falta de ocupação dessas terras nos deixaria vulneráveis a invasões estrangeiras ou insurreições indígenas. O primeiro argumento é ultrapassado em essência, mas voltou a estar em voga com militares em cargos de alto escalão. Suas raízes são da época da ditadura e são fruto de uma desconfiança em relação aos indígenas e às organizações interessadas em desenvolver suas comunidades, acreditando que essas comunidades poderiam declarar independência e quebrar o território nacional. Outro argumento é que o agro tem possibilidade de ser um motor para o desenvolvimento nacional. As terras ocupadas beneficiam não o Estado brasileiro, mas grandes produtores e extrativistas, que não se integram com a produção industrial, raramente possuem sua cadeia produtiva internalizada e não empregam como outras atividades econômicas.
A insatisfação com a geração de riqueza no meio urbano não deve relativizar a perda social pelo desmatamento – secas e chuvas cada vez mais frequentes nas cidades são resultado não só do aquecimento global, mas do desmatamento local que ocorre em solo nacional. Reproduzo um argumento de Edward Glaeser, figura de ponta na economia urbana: desmatar uma pequena área concentrada nas cidades é uma forma de salvar o meio ambiente de maiores desmatamentos provocados pelas pequenas propriedades de um espraiamento urbano. Se nos preocupamos com o desmatamento, a melhor forma de impedi-lo é incentivar o desenvolvimento de nossas cidades, principalmente o reerguimento das que já existem, salvando nossos biomas das atividades econômicas exploratórias.
Leia mais: Podcast #98 | Urbanismo vs. Economia Urbana
A defesa das cidades precisa ainda atingir um nível nacional, abrangente e explícito do ponto de vista político. O debate geralmente ocorre entre visões de desenvolvimento de suas próprias cidades, sem existir uma defesa à nível nacional do direcionamento que as cidades brasileiras devem observar para melhorar a qualidade do seu produto. Precisamos de um debate nacional envolvendo as cidades. Precisamos de fundos e planos de contingências climáticas nacionais, acompanhados de medidas e obrigações a serem cumpridas, que mostrem a resiliência das cidades brasileiras. Precisamos de incentivos ao transporte, incluindo a melhoria nos sistemas ferroviários, tirar do papel planos de trens de alta velocidade, reformas burocráticas para o sistema de aviação nacional que incentivem mais viagens. Que os envolvidos no debate urbano foquem em suas questões regionais, mas não deixem passar batido que as cidades brasileiras, como um todo, não têm força política em defesa própria, deixando a desejar para seus habitantes, e a quem poderia consumir seus produtos.
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