Em defesa da gentrificação

Em defesa da gentrificação

A narrativa predominante ignora evidências de que poucos bairros de classe baixa são gentrificados e, quando são, há menos deslocamentos do que o estimado.

30 de novembro de 2015

Quando pessoas de renda mais alta começam a se mudar para bairros de renda mais baixa, como isso afeta moradores de longa data? Três estudos apontaram para uma resposta que é diferente da mais usual.

Primeiramente, um estudo do Furman Center, da NYU, sugere que moradores de habitação social em bairros ricos e com processos de gentrificação têm rendas maiores, convivem com menos violência e têm melhor oportunidades educacionais para suas crianças, apesar de encararem alguns desafios. Além disso, um estudo do Philadelphia Federal Reserve Bank aponta que há menos deslocamento de residentes locais em bairros gentrificantes do que geralmente é temido — e aqueles que saem não necessariamente tendem a se mudar para bairros de menor renda. E, finalmente, um estudo da Columbia University sobre gentrificação em Londres também falhou em encontrar evidências de mudanças em massa de bairros cuja renda vem aumentando.

Juntos, estes estudos sugerem que apesar da gentrificação poder causar discórdia social e deixar os moradores ansiosos sobre seus futuros, ela não produz uma saída significativa de moradores dos bairros nem faz com que eles fiquem economicamente menos favorecidos. Quando muito, moradores de bairros em processo de melhoria veem maiores riquezas (se medida por seus perfis de crédito) e maiores rendas (de 3.000 a 4.500 dólares a mais para habitantes de moradia social em Nova York).

Então por que motivo a narrativa predominante ignora a abundância de evidências de que relativamente poucos bairros de classe baixa são gentrificados e, quando são, há muito menos deslocamentos do que comumente estimado?

Com o crescimento de estudos demonstrando os benefícios de se morar em bairros mais integrados economicamente para famílias de classes baixas, é surpreendente que essa narrativa não tenha um papel importante em como as pessoas pensam acerca da gentrificação. Quando as pesquisas do economista Raj Chetty e seus colegas sobre as conexões entre integração econômica e mobilidade social foram divulgadas, foram usadas de argumento para permitir famílias mais pobres em bairros mais ricos, e não o contrário.

A narrativa que resulta de ignorar esses dados positivos é popular devido à sua “verdadez” — parece certo de acordo com intuição, independente do que a evidência factual sugere. A verdade assumida aqui é a de que a gentrificação é presumidamente um processo intrinsecamente maligno, portanto, qualquer evidência do oposto é largamente descontada ou ignorada, mesmo que seja volumosa. Os estudos mencionados, entre outros, simplesmente não são encaixados no entendimento mais comum acerca do assunto.

Os estudos de Nova York e Philadelphia confirmam pesquisas anteriores de que gentrificação raramente está relacionada a deslocamento de pessoas, e que frequentemente está relacionada a maiores rendas e melhores resultados econômicos para os moradores antigos em bairros gentrificantes. Mas poucos americanos antenados teriam essa impressão.


Apesar da gentrificação poder causar discórdia social, ela não resulta na saída significativa de moradores dos bairros.


Considere três exemplos. Numa reportagem recente intitulada “Em Chelsea, um grande divisor de riquezas”, o New York Times descreve o drama de um aposentado residente em habitações sociais que teve que viajar para New Jersey para encontrar oportunidades de compra por barganha. Mas só depois do 14º parágrafo o artigo reconheceu os resultados positivos de um estudo da New York University que moradores de habitação social em bairros de classe alta ou em gentrificação possuíam rendas maiores, menores taxas de criminalidade, melhores escolas e notas mais altas nos exames. E somente no último parágrafo o artigo reproduz a opinião firme do aposentado que, apesar da desorientação da mudança e do desafio das compras, considera seu bairro um melhor lugar para viver depois de ter sido “gentrificado”.

Há também uma série de artigos sobre gentrificação que a Governing veiculou mais cedo este ano. Enquanto a revista reconheceu que a gentrificação (definida como aumento de aluguéis e de níveis educacionais) e o deslocamento de pessoas pobres não são a mesma coisa, procedeu como se a ligação entre os dois fosse forte. Mas, na verdade, havia mais pessoas de baixa renda em bairros que a Governing identificou como “gentrificantes” em 2013 do que em 2000.

Há um caso semelhante num artigo mais recente da Next City sobre um estudo do Philadelphia Federal Reserve sobre gentrificação. Apesar de o artigo citar como revelador que “gentrificação não força a mudança de tantos moradores quanto se pensa”, e que aqueles que realmente se mudam de bairros gentrificantes não tendem necessariamente a se mudar para comunidades menos avantajadas, ele rapidamente muda de posição ao anunciar que “as revelações não dão muitos motivos para celebrar”.

Enquanto o estudo em questão estava longe de uniformemente ensolarado, é curioso que uma reportagem que conclua que um dos aspectos mais temidos da gentrificação é relativamente raro e seja tão rapidamente desconsiderado. É verdade que, no geral, as notícias sobre acessibilidade a moradia e segregação econômica são ruins. Mas estudos como esse pelo menos abrem portas para a possibilidade de que, quando bairros de baixa renda começam a ter a atenção de pessoas de classe média ou superior, os efeitos não precisam ser tão exclusivistas quanto se teme — e podem até mesmo, com gestão inteligente, liderar o caminho para o tipo de integração e reinvestimento que tem sido o objetivo maior de políticas habitacionais há décadas.

Há uma mentalidade “homem-morde-o-cão” que guia a narrativa sobre pobreza. Enquanto a narrativa sobre gentrificação (ter vizinhos ricos traz dificuldades pros mais pobres) é comum, reportagens raramente promovem a narrativa da pobreza concentrada (ter mais vizinhos pobres traz dificuldades para os mais pobres), o que é mais predominante e demonstravelmente mais nocivo. Exemplos mais imediatos e surpreendentes de relocação — como o plano para o subúrbio de Marietta, Georgia, de demolir 10% de toda sua habitação multifamiliar, o que claramente deslocará famílias mais pobres para outras cidades — passam despercebidos.

Implícito a todas essas narrativas está um impulso quasi-segregacionista forte: pessoas ricas devem morar com pessoas ricas, e pessoas pobres devem morar com pessoas pobres. Qualquer coisa que mude esse status quo é suspeito: se pessoas ricas se mudam para bairros pobres, é chamado de gentrificação. Se pessoas pobres se mudam para bairros ricos, é chamado de engenharia social. É difícil ver como esse quadro vá levar a um mundo no qual haja menos segregação econômica.


Este artigo foi originalmente publicado na The Atlantic em 31 de outubro de 2015. Foi traduzido por Lucas Magalhães, revisado por Anthony Ling e publicado neste site com autorização do autor.

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