O que o Parque Ibirapuera em São Paulo tem a ver com o Nobel de Economia?
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
Muros altos, grades, câmeras, alarmes e concertinas já fazem parte de um design ambiental de insegurança e da não apropriação do espaço público.
19 de setembro de 2022Em um contexto em que a falta de segurança pública assola cotidianamente as grandes cidades brasileiras, impactando a maneira como nos comportamos no ambiente urbano, é importante observar não apenas como agimos nesse ambiente mas também como o construímos e com quais intenções o modificamos.
Muros altos, grades, câmeras, alarmes e concertinas já fazem parte de uma paisagem que se demonstra amedrontada e parece buscar constantemente uma “proteção” do patrimônio privado, muitas vezes em detrimento da apropriação do espaço público.
Esse tipo de abordagem no ambiente pode ser apontado, ao mesmo tempo, como causa e consequência da ausência da tão mencionada “sensação de segurança”. Isto é, ao passo em que a paisagem urbana está sendo paulatinamente modificada com o objetivo de proporcionar segurança no espaço privado, a própria paisagem é responsável pela manutenção de um sentimento de insegurança do ponto de vista de quem está no espaço público.
A análise dessa lógica passa pela compreensão da segurança sob a perspectiva do design urbano, seu surgimento como conceito e evolução, além de como pode afetar diretamente os nossos olhares e comportamento nas cidades.
Surgida na década de 60, a ideia de prevenção através de design urbano foi inspirada na definição de “olhos da rua” descrita por Jane Jacobs, que sugere que a eficácia da segurança nos espaços públicos estaria relacionada à vigilância natural realizada pelos seus usuários.
“Devem existir olhos para a rua, os olhos daqueles que podemos chamar de proprietários naturais da rua. Os edifícios de uma rua preparada para receber estranhos e garantir a segurança tanto deles quanto dos moradores devem estar voltados para a rua. Eles não podem estar com os fundos ou um lado morto para a rua e deixá-la cega.” (JACOBS, 1961)
Em 1971, o criminologista americano C. Ray Jeffery definiu o conceito de CPTED – Crime Prevention Through Environmental Design (Prevenção de crimes através do design ambiental) baseado na noção de Jacobs e pautado na criação de comunidades mais seguras por meio de um planejamento baseado em intervenções de design urbano, como, por exemplo, o oferecimento de melhor iluminação, limpeza urbana, desobstrução de vias, incentivo ao senso de pertencimento e vigilância dos espaços públicos pelos próprios moradores.
Posteriormente, ainda na década de 70, o arquiteto Oscar Newman desenvolveu o conceito de “espaço defensável”, cujo ambiente funcionaria de modo a “permitir que os habitantes se tornem protagonistas na garantia de sua segurança”. Segundo o arquiteto, quatro elementos seriam fundamentais para a criação de um ambiente urbano mais seguro. São eles:
• Territorialidade: definição clara das fronteiras entre espaço público e privado (já mencionado por Jacobs em 1961) visando engajar o cuidado com o espaço coletivo através de barreiras físicas simbólicas.
• Monitoramento: aumento da vigilância do espaço público pelos moradores através de medidas arquitetônicas como posicionamento de janelas e acessos.
• Imagem e meio: percepção do espaço e a promoção de ambientes limpos e organizados através do desenho arquitetônico.
• Combinação geográfica: influência de espaços adjacentes na segurança de lotes vizinhos.
Nas décadas de 80 e 90 foram incorporadas ao modelo aspectos do conceito de “janela quebrada”, criado pelos americanos James Q. Wilson — cientista político — e George L. Kelling — criminologista, em que se estabelecia uma relação entre áreas degradadas e criminalidade.
“Se uma janela de um edifício for quebrada e não receber logo reparo, a tendência é que passem a jogar pedras nas outras janelas.” (Broken Windows, 1982)
Segundo a teoria, a constante conservação e a qualificação do espaço público poderiam estar diretamente relacionados à construção de ambientes urbanos mais seguros. Este conceito, que se fundamenta na ideia de que a “desordem é responsável pela elevação dos índices da criminalidade”, é bastante debatido na literatura especializada, sobretudo, por resumir o amplo debate da segurança pública às políticas de tolerância zero e servir como base teórica para ações higienistas.
Trazendo para uma perspectiva brasileira, é possível observar alguns movimentos isolados na direção do conceito de design urbano enquanto ferramenta para a provisão de segurança pública. Nos últimos anos, alguns aspectos do CPTED passaram a ser utilizados por entidades de policiamento de maneira que, segundo parte da literatura especializada, seria controversa às ideias propostas inicialmente, como no caso do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora na cidade do Rio de Janeiro.
Isto porque, ao invés de promover-se a segurança através da ativação de espaços públicos e a integração em comunidades, passou a ser adotado um enfoque em vigilância e proteção, negligenciando o espaço comum e reduzindo as possibilidades de interação. Contudo, é possível observar também ações espontâneas que, mesmo sendo pontuais, conseguem demonstrar que a apropriação do espaço público pode gerar resultados sociais positivos.
No Rio de Janeiro isso pode ser visto em algumas comunidades que ainda se mantêm resilientes à alta criminalidade. Na comunidade da Asa Branca, no bairro de Curicica, ações conjuntas, urbanísticas e sociais, como a otimização do sistema viário e o incentivo a ações de atividade social como eventos esportivos, festas e reuniões frequentes entre moradores, resultaram em avanços significativos no campo da redução da criminalidade.
Já na comunidade da Babilônia, localizada na zona sul da cidade, a associação de moradores planeja ações de intervenção em praças públicas de maneira colaborativa com os moradores como resposta ao crescimento da violência na comunidade. No Morro Azul, no bairro do Flamengo, também na zona sul, o poder de organização comunitária ajudou a combater as tentativas de instalação do crime organizado.
Em ação conjunta motivada pela associação de moradores da comunidade em parceria com os entes públicos de segurança, foi possível agir no combate ao crime através da instalação de um posto policial apoiado pelos habitantes. Além disso, a comunidade possui um histórico de grandes intervenções proativas visando melhorar a qualidade de vida no local, como a construção de um Centro cultural ou até o alargamento de vias.
Mesmo demonstrando que as ações mobilizadas pela própria organização comunitária geram resultados positivos, é importante destacar que não apresentam resoluções definitivas para a questão da segurança pública. Isto se deve a não capacidade de atuação em maior escala, como no caso das infraestruturas urbanas, que carecem de grandes investimentos, possíveis por meio de recursos públicos.
Há exemplos que mostram importantes avanços sociais possibilitados por programas públicos planejados e executados de modo integrado e inclusivo, como no caso das intervenções urbanas que ocorreram na cidade de Medellín, na Colômbia, nas últimas décadas.
Operações como alargamento de calçadas, melhoria nos acessos e a construção de escolas, bibliotecas e centros sociais, alinhadas a outras ações de governo, contribuíram para uma considerável redução dos índices de criminalidade, sendo responsáveis pela mudança de status da cidade, que já foi considerada a mais perigosa da América do Sul.
Recentemente urbanistas têm buscado uma recuperação e maior difusão das premissas originais do conceito de CPTED, enfatizando soluções não apenas nos aspectos físicos como também nos de conexões e programação social como formas de incentivo à apropriação do espaço urbano e à interação entre moradores. Além de ampliar a relação entre Estado e população, o mecanismo de prevenção CPTED contribui com um planejamento mais inclusivo e participativo, permitindo ações urbanas mais horizontais e descentralizadas.
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