Como trabalhar com Mobilidade Urbana
Imagem: EmbarqBrasil/Flickr.

Como trabalhar com Mobilidade Urbana

Uma nova abordagem, mais abrangente, humana e menos técnica, fez com que os transportes deixassem de ser um campo quase exclusivo aos engenheiros civis e passassem a incorporar novos profissionais com bagagens de conhecimento e abordagens diferentes.

8 de março de 2015

Antes de mais nada, vale destacar que aqui vou me referir apenas à “Mobilidade Urbana”, uma das várias áreas que derivam do grande campo chamado Transportes — campo este que agrega tudo desde o projeto até a operação de aeroportos, portos, hidrovias, ferrovias, rodovias, estacionamento, ciclovias, calçadas, gestão e análise de tráfego, passageiros, carga etc. Como também vou falar sobre a minha experiência profissional, este texto apresenta somente a minha visão sobre a área.

“Mobilidade Urbana” foi um nome gourmet dado, no fim do século passado, à área científica que se preocupa com o movimento das pessoas e de cargas nas cidades. Esse termo subentende uma visão mais “holística” do transporte urbano, acrescentando ao debate questões ambientais, de uso do solo e questões tanto econômicas como sociais.

A área da Mobilidade Urbana é muito particular: ela tem problemas intrínsecos de capacidade (as cidades estão sempre no limite, diferente das zonas rurais) e ela cria muitas externalidades que, por consequência, gera desigualdades na distribuição dos custos e dos benefícios entre os vários stakeholders. Provavelmente essa nova abordagem, mais abrangente, humana e menos técnica, fez com que os transportes deixassem de ser um campo quase exclusivo aos engenheiros civis (profissão que dominou — e ainda domina — o tema até os anos 70/80) e passassem a incorporar novos profissionais com bagagens de conhecimento e abordagens diferentes. Hoje em dia há dezenas de profissionais diferentes que atuam na Mobilidade Urbana, e cito abaixo alguns que já conheci:

Engenheiro Civil

É ainda a profissão dominante, e é também a minha profissão. É uma profissão focada na infraestrutura de transporte e na sua gestão, mas não no projeto dos veículos. Um engenheiro civil que trabalha na área de transporte pode fazer estudos de tráfego, de estacionamento e de desenho de redes de transporte público, assim como planos de mobilidade e projetos de infraestruturas como rodovias, ferrovias, aeroportos, ciclovias, etc. Os engenheiros de tráfego/transporte são geralmente engenheiros civis que se especializaram em tráfego e/ou transportes (o meu caso).

A UFPR, a COPPE-UFRJ, a UFRGS e a USP têm excelentes cursos de Engenharia Civil com boa ênfase em transportes, e a UFSC criou um curso chamado “Engenharia de Mobilidade”. Como em qualquer engenharia há muita matemática e números, é preciso paciência e dedicação. Mas também há coisas legais como estudos de tráfego com microssimulação, semelhantes a estes da consultora ENGIMIND:

Demais Engenharias, Arquitetura e Urbanismo, Economia, Geografia, Sociologia, Psicologia

É interessante notar como a Mobilidade Urbana é naturalmente multidisciplinar, principalmente nas áreas de pesquisa e de investigação: há, por exemplo, um journal chamado “Traffic Psychology and Behaviour” que publica, dentre outros, estudos relativos ao comportamento dos motoristas atrás do volante e como esse comportamento afeta o desempenho e a segurança no trânsito como um todo.

Já arquitetos trabalham muito com as interfaces transporte-cidade e com a integração dos sistemas de transporte no meio urbano. Uma firma de arquitetura de renome na área é a Gehl Architects.

Os geógrafos, por sua vez, podem estudar os impactos ambientais e de ruido causados por uma autoestrada através de Sistemas de Informação Geográfica, com softwares tipo ArcGIS ou GeoMedia.

Assim como qualquer outra área tecnológica, os transportes também estão mudando. O foco excessivo do “ter carro” vai diminuir e caminhar para o “usar carro”, assim como outros serviços de transporte. No fundo, não precisamos ser donos de um veículo, mas sim nos transportarmos através dele. Certamente as cidades que abraçarem as inovações bottom-up de mercado (Uber, car sharing, bike sharing, etc.) vão se destacar das demais que ficarem presas nos velhos modelos alheios à tecnologia.

Três áreas vão ser (e já são) alvo de pesquisa e de inovação: integração, sustentabilidade e tecnologia.

Integração: Apesar de ser comum na Europa há muito tempo, integração ainda está longe de atingir a maturidade no Brasil. A integração pode ser dividida em três áreas:

1. Integração entre meios e modos de transporte: Integração espacial, de bilhética e de operação com o objetivo de tornar a viagem e suas trocas entre veículos o mais confortável possível;

2. Integração com o uso do solo: Uma tendência que tenta capitalizar os contributos dos transportes no uso do solo e vice-versa. O termo da moda é TOD: Transit Oriented Development;

3. Desincentivos ao automóvel: Também conhecida como TDM: Transport Demand Management são medidas diversas, tais como diminuição e regulação do estacionamento, rodízio por placa/matrícula do automóvel, acalmia de tráfego e portagem/pedágio urbano, que visam diminuir o uso do automóvel.

Sustentabilidade/Otimização do automóvel

Depois da “borga rodoviarista” que foi a segunda metade do século XX, atualmente começa a se discutir o impacto das más decisões do passado e sua (in)sustentabilidade. Hoje em dia os transportes são responsáveis por aproximadamente um quinto da emissão dos gases de efeito estufa, gerando grande preocupação nesse sentido.

O termo ‘sustentabilidade” ganhou diversos significados e hoje em dia já se tornou quase vulgar. No entanto, acredito que a melhor definição é a mais tradicional, do tripé da sustentabilidade: pessoas, planeta e lucro. Dentro desta área a otimização do automóvel, seu uso e a sua tecnologia de construção, fazem parte de uma viva discussão. Carros híbridos, elétricos, sistemas de car sharing (aluguel à hora) e car pooling (carona) são as áreas que recebem atualmente grande atenção pelos pesquisadores.

Tecnologia

Com a disseminação de smartphones, GPS, Bluetooth e a internet muito se tem pesquisado em como estas tecnologias podem ajudar o bom funcionamento dos sistemas de transporte. Há atualmente aplicações que por exemplo, testam o uso dos celular/telemóvel para pagar passagem/bilhete ou o Bluetooth para contagens de tráfego.

O trabalho remoto (trabalhar de casa) e os horários alternativos são também áreas que começam a receber alguma atenção, principalmente com o objetivo de quantificar qual o impacto de tais decisões (trabalhar de casa ou ir para o trabalho/voltar para casa mais cedo/tarde) na redução do tráfego automóvel. Há ainda muitas pesquisas sendo feitas na área dos veículos sem motorista: com maior avanço nos sistemas ferroviários pois o percurso é fixo e mais facilmente controlado, tal solução está agora sendo estudada nos automóveis.

Minha experiência profissional

Entrei para o curso de Engenharia Civil sem sequer saber da área dos transportes: queria construções. Depois, tomei conhecimento e gosto pela área, fiz mestrado e agora faço doutorado. Meu doutorado estuda as relações entre os sistemas BRT, LRT, o uso do solo e a incorporação dessas relações nos processos de tomada de decisão.

Na minha experiência, a faculdade vai te ensinar mais coisas inúteis do que úteis, pois 70% do que aprendi, não uso. Foi por iniciativa própria (através de, por exemplo, cursos na internet) que aprendi matérias que hoje são muito importantes na minha profissão. Eu ainda me assusto como as faculdades de engenharia civil enchem os alunos com desenho técnico à mão mas não ensinam nenhuma linguagem de programação, nem como trabalhar no Excel ou como lidar com um cliente e com fornecedores.

Me convenço cada vez mais de que as universidades não são necessariamente a casa da inovação e do progresso. Não é porque uma pessoa tem doutorado que ela está mais a par dos desafios e inovações de uma certa área de negócio do que alguém que vive o dia a dia de uma empresa.

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  • Bom dia. Li seu artigo e mesmo não sendo especialista, esclareceu como o trânsito e a mobilidade urbana demandam uma abordagem multidisciplinar que provavelmente os Orgãos Públicos responsáveis não acompanham ou por acomodação ou por abandono do investimento público. Faço parte da AMAGÁVEA (Associação de Moradores da Gávea – Rio de Janeiro), desde de 2020 estamos tentando impedir o licenciamento de uma Escola (franquia) em uma rua do nosso Bairro, Major Rubens Vaz, principalmente e inicialmente pelo caos que é o trânsito nos arredores da rua citada. O laudo emitido pela CET-RIO (orgão responsável) foi questionado por nós moradores principalmente porque foi mudado após avaliação inicial. O conteúdo desse laudo me parece beirar o absurdo técnico e usa de um falso cientificismo para justificar a premissa de não impacto no trânsito. Durante todo o ano de 2020 pedimos uma reunião para esclarecimento e não fomos atendidos. Com a mudança de Prefeito, conseguimos agora ao final do ano uma reunião que foi patética devido ao silêncio e à lavagem de mãos da equipe técnica da CET-RIO. Tenho muito interesse que algum profissional da área de trânsito e mobilidade urbana possa analisar esse laudo que tenho uma cópia. Esperando que possa ter retorno, agradeço. Bom 2022 para todos.

  • Ola pessoal.Como vcs cheguei nesta página através de uma palavra na pesquisa do google. Provavelmente a palavra mobilidade. No meu caso, sou engenheiro mecânico automobilístico trabalhando a 20 anos na indústria automobilística. Como vocês, também estou interessado na palavra pela complexidade do tema. Podemos debater sobre como deveria ser (calçadas, onibus, ciclovias) ou podemos pensar em como será. Mais que isso, podemos pensar em como melhorar a vida de pessoas com algum tipo de incapacidade física baseados no que a tecnologia poderá fazer para transformar a s nossas vidas no futuro. Pensem que carros não serão mais dirigidos e portanto devem crescer em quantidade, mas diminuir em tamanho. Ao invés de transportes coletivos, acho que teremos mais carros coletivos, porém que transportam uma ou duas pessoas por vez de um ponto x para um ponto y não determinados. Mas qual será a nova integração destes veículos com a cidade? Manteremos ruas e calçadas como são hoje ou também haverá evolução? E as cadeiras de rodas. Qual vcs acham que será a evolução das mesmas? Exoesqueletos? Estou apenas propondo um debate sobre os próximos 15 anos para nos anteciparmos ao invés de copiarmos ou ficarmos reclamando que no brasil nada funciona e blábláblá. Alguém interessado?

  • Nascemos com pernas, não com rodas. Transporte coletivo, não o motorizado individual. Corredores de transporte e vias cicláveis, não faixas para carro. Pavimentação de calçadas, não recape asfáltico. Menos estacionamentos, mais abrigos de passageiros. Mais ferrovias, menos rodovias. Pronto está preparado para começar a trabalhar com mobilidade. Parabéns pelo texto, muito interessante.

  • Muito bom o texto!! Estou me formando no curso de Engenharia de Transportes e Logística, ministrado pela UFSC… um dos ramos da “Engenharia da Mobilidade”, gosto muito da área e achei relevante todos os temas citados neste artigo!! Parabéns

  • Muito bom esclarecedor,texto explicação excelente para quem quer ser um engenheiro civil da mobilidade..prá mim um dos cursos mais completo na área de exatas. muito bom..excelente.

  • Ótimo texto, muito bem explicado!
    Tenho me interessado muito por mobilidade urbana ultimamente, faço Eng de Alimentos e eu estava procurando uma área para trabalhar com mobilidade urbana, sustentabilidade, planejamento urbano… E o texto foi muito auxiliador, mostrando essa interdisciplinaridade do assunto.