Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Amsterdã se tornou uma das cidades mais atrativas do mundo para os moradores, turistas e empreendedores pela qualidade de vida da população.
3 de janeiro de 2022Uma cidade ativa (a exemplo de Amsterdã) é aquela que estimula seus habitantes a serem fisicamente ativos em seu cotidiano. Isso não quer dizer que ela almeja transformar os cidadãos em atletas olímpicos, mas que dispõe de espaços para ciclistas e pedestres se locomoverem com segurança e de infraestrutura adequada para que pessoas de todas as idades possam praticar esportes, se divertir e relaxar ao ar livre. Dessa forma, as atividades físicas, em maior ou menor intensidade, se tornam parte natural do dia-a-dia da população.
O resultado positivo desse design ativo no espaço urbano é observado não apenas na melhoria da saúde física e mental dos cidadãos, mas também no aumento da atratividade da cidade e de sua vitalidade econômica. Atividades físicas são importantes para todos, de crianças a idosos.
Sua prática contribui para o combate à depressão, propicia maior interação social e ocupação dos espaços públicos. Por outro lado, a ausência de atividades físicas contribui para o excesso de peso e a obesidade, o surgimento de doenças cardiovasculares e a diminuição da expectativa de vida nas cidades.
Ainda que a importância das atividades físicas seja uma questão pacífica na área da saúde urbana, nem todas as pessoas as praticam ou são tão ativas quanto o recomendável para uma boa saúde. A infraestrutura urbana pode ser decisiva nesse âmbito. Quando as pessoas não podem chegar ao seu destino por meio da mobilidade ativa, caminhando ou pedalando, estimula-se o uso de carros, motos ou transporte público, por exemplo.
O plano de Amsterdã, uma das cidades mais ativas do mundo, foi baseado no incentivo aos cidadãos para que realizassem mais atividades físicas enquanto buscava proporcionar mais espaços para ciclistas e pedestres, assim como para que as pessoas pudessem praticar esportes, relaxar e se divertir.
Em seu relatório de trabalho, os autores do plano explicitam que Amsterdã se tornou uma das cidades mais atrativas do mundo para os moradores, turistas e empreendedores, justamente pela qualidade de vida da população e o uso da bicicleta como o modo ideal de locomoção por toda a cidade.
A bicicleta não é apenas um meio de transporte barato, seguro, eficiente, limpo e silencioso, mas também uma opção para relaxar, se exercitar e se divertir. Usando a bicicleta ou indo a pé ao trabalho, à escola ou visitar a família, as pessoas interagem e vivem mais os espaços da cidade, seja conhecendo melhor o seu bairro, observando a paisagem ou descobrindo novos trajetos. Enquanto isso, a diminuição da circulação de carros deixa o ar mais puro, diminui a poluição sonora e a insegurança no trânsito.
O projeto da capital holandesa para se tornar uma cidade ativa foi direcionado a três frentes principais: bicicleta e caminhada; esportes; diversão e lazer. As ações empreendidas consideraram o design de todo o território, dos bairros e das ruas.
A lição aprendida por Amsterdã é que para melhorar a caminhabilidade e a possibilidade de pedalar, é necessário conectar os núcleos urbanos, tornar o tráfego mais baixo, deixar os bairros mais compactos (diminuindo distâncias e a necessidade de deslocamentos), converter as ruas em ruas compartilhadas por diferentes modais e tornar os espaços públicos mais seguros para todos.
Na esfera dos esportes, especialmente nos bairros menos privilegiados, as lições da cidade foram investir em opções mais acessíveis e ao ar livre, criar espaços específicos para os esportes, adaptar outros para uso misto e se inspirar nas características naturais locais para promover as atividades físicas — Amsterdã investiu em natação e esportes aquáticos para usar os canais da cidade, por exemplo.
Para tornar a cidade mais ativa, outro ponto essencial é a possibilidade de o cidadão relaxar e se divertir nos espaços públicos. Pensando nas crianças, um público geralmente esquecido pelo planejamento urbano, isso pode ajudar no desenvolvimento motor e no desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas.
Amsterdã aprendeu a usar espaços livres dos bairros, mesmo que temporariamente, para criar espaços abertos para jogos e diversão. Como no âmbito dos esportes, os espaços de uso misto e o tráfego baixo também são importantes para que as pessoas possam relaxar e aproveitar cada local. Por último, o verde em rotas, parques e praças, torna o ambiente mais atrativo e propício para o lazer e o descanso.
A transformação de Amsterdã demandou décadas de trabalho e, além da atuação da gestão pública, o esforço da sociedade civil com conscientização e adaptação às mudanças. Apesar das particularidades deste caso, ligadas às características específicas da capital holandesa, as ações e lições aprendidas por ela podem ser inspiração para a mudança de cidades no mundo todo, inclusive em Santa Catarina. Adaptações nos espaços públicos, investimentos em mobilidade ativa e segurança são bons pontos de partida.
Artigo publicado originalmente em Urban Studies em novembro de 2021.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarAs mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Com o objetivo de impulsionar a revitalização do centro, o governo de São Paulo anunciou a transferência da sua sede do Morumbi para Campos Elíseos. Apesar de ter pontos positivos, a ideia apresenta equívocos.
Confira nossa conversa com Diogo Lemos sobre segurança viária e motocicletas.
Ricky Ribeiro, fundador do Mobilize Brasil, descreve sua aventura para percorrer 1 km e chegar até a seção eleitoral: postes, falta de rampas, calçadas estreitas, entulhos...
Conhecida por seu inovador sistema de transportes, Curitiba apresenta hoje dados que não refletem essa reputação. Neste artigo, procuramos entender o porquê.
No programa Street for Kids, várias cidades ao redor do mundo implementaram projetos de intervenção para tornar ruas mais seguras e convidativas para as crianças.
Algumas medidas que têm como objetivo a “proteção” do pedestre na verdade desincentivam esse modal e o torna mais hostil na cidade.
A Roma Antiga já possuía maneiras de combater o efeito de ilha de calor urbana. Com a mudança climática elevando as temperaturas globais, será que urbanistas podem aplicar alguma dessas lições às cidades hoje?
Joinville tem se destacado, há décadas, por um alto uso das bicicletas nos deslocamentos da população.
COMENTÁRIOS