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Se, por um lado, a legislação de rampas durante os anos 60 nos EUA representou uma vitória em termos de acessibilidade, o efeito colateral de suas restrições tem transformado a categoria em uma espécie de Babel arquitetônica.
Tim Nugent é o herói desconhecido da rampa de acessibilidade. Em sua serie de livros “Elements of Architecture” — que propõe uma narrativa da arquitetura a partir dos elementos usados por todo arquiteto, em qualquer lugar ou época — Koolhaas e seu think tank da Harvard School of Design preferem não gastar tanto tempo em ícones da inclinação como Wright e Niemeyer.
Optando por uma perspectiva cujo principal interesse é o conjunto construído — não seus arquitetos — a história deste elemento dedica quase um quarto de suas páginas à biografia de uma pessoa relativamente distante da disciplina, um ativista cujo legado alterou completamente a natureza da rampa, suas possibilidades e seu alcance.
A atenção dada a Tim não é aleatória, a legislação criada por ele nos anos 60 (ANSI 117.1) foi guia para os códigos de acessibilidade na Alemanha, Russia e Índia, além de uma serie de outros lugares onde sua referência não é explicitamente citada. A globalização da rampa, através de uma linguagem extremamente universal, é parte de seu legado e resultado direto de sua pesquisa.
Nugent também ilustra o papel emblemático desempenhado pela guerra nos caminhos da arquitetura — a aceitação internacional de sua lei está diretamente ligada ao número de veteranos deficientes no período. Graças a ele, construções atualmente podem ter sua idade medida em inclinação.
Não há dúvida sobre a legislação de acessibilidade ser uma conquista para deficientes físicos. Baixa demanda ligada a difíceis pré-requisitos de espaço tornam a conquista de Nugent — ao menos nessa escala — improvável em um ambiente livre de determinações governamentais.
Do ponto de vista do espaço construído, entretanto, a legislação — ao menos em sua totalidade restritiva crescente, pois nos 50 anos de sua existência a máxima inclinação permitida diminuiu pela metade — tem dado resultado a várias realidades kafkianas. Elas emergem na relação entre a simplicidade legal e a complexidade característica da diversidade de espaços existentes.
Ao não permitir margem para decisões de bom senso, a lei de rampas — assim como qualquer outra — leva inevitavelmente a decisões de pragmatismo estúpido. A rampa de £40.000 — em uma residência de £95.000 — tem 10 patamares e 60 metros de comprimento. Feita para a casa de Claire Lally ela é apenas o ápice destes excessos.
Lelé — arquiteto brasileiro conhecido pela funcionalidade de seus edifícios — escreveu nada mais que o óbvio sobre o fato de suas passarelas não serem acessíveis (legalmente): se pessoas tivessem de caminhar 100 metros para chegar ao outro lado da rua elas simplesmente não usariam o equipamento, pondo em risco a si mesmas.
“Nós não estávamos lutando por este monstro de metal.” A rampa construída ocupa totalmente o gramado da casa, com 60m de trajeto.
Somado a isso, a restrição legal imposta sobre qualquer superfície inclinada simplesmente excluiu a categoria do campo do design. Com exceção dos museus de arte contemporânea, as rampas como projeto se tornaram um pensamento pós-arquitetônico, um anexo, “você pode comprar uma pré-fabricada por 60 euros”. Em sua atual condição de plugin, a rampa permite acesso mas carece de identidade.
Nugent permitiu o acesso a construções, mas sua legislação é um passo atrás no acesso à Arquitetura. Para um portador de necessidade especial, a experiência de qualidade arquitetônica e urbana ainda é limitada, em grande parte, a superfícies em nível. Escapar desta Babel construtiva é de extrema importância — universalidade de acesso não precisa significar universalidade de código.
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