5 legislações que influenciaram a arquitetura
Imagem: Wee Sen Goh/Flickr.

5 legislações que influenciaram a arquitetura

Confira cinco exemplos de legislações que influenciaram a arquitetura pela história. Você vai se surpreender com as soluções encontradas em alguns países.

2 de abril de 2018

A capacidade das legislações urbanas em alcançar resultados completamente diferentes daqueles previstos é assunto recorrente aqui no site. Como é de costume, as diversas experiências frustradas registradas em cidades pelo mundo não são suficientes para impedir que novas leis e regulações sejam postas em prática. Se às vezes esses resultados são extremamente nocivos à cidade, na maioria das vezes a população local encontra uma maneira de lidar com as novas leis. Essa capacidade de adaptação, aliada à incapacidade dos legisladores em prever o resultado das suas leis, foi responsável pela criação e manutenção de características marcantes na arquitetura de algumas cidades.

Reunimos neste artigo alguns exemplos:

Amsterdã e suas casas estreitas

Arquitetura de Amsterdam
As casas estreitas do centro urbano de Amsterdã costuma impressionar os turistas. (Imagem: Werner Kunz)

A capital dos Países Baixos é uma cidade peculiar não só pelos seus canais ou pela sua abordagem flexível em relação ao comércio de alguns produtos, mas também pelas características únicas da sua arquitetura. O exemplo clássico é o das casas excepcionalmente estreitas que podem ser vistas por toda a extensão dos seus canais. Essas casas, que costumam ser muito altas para compensar a extensão de sua fachada, têm na origem do seu estilo um mistério.

A explicação mais provável é que os terrenos foram delimitados e distribuídos dessa forma pelo governo da cidade, no século XVII. Outra explicação popular, mas não confirmada, é que os prédios são assim graças à instituição de um imposto pela largura do prédio, e não pela área construída.

A cidade passava por um boom econômico e havia desenvolvido seu sistema de canais, e diversos comerciantes se mudaram para a base destes para facilitar o transporte de seus produtos. O pagamento de taxas mais altas trairia a lógica que os levaram a construir as casas nesse espaço em primeiro lugar — e o resultado, apesar de diferente do imaginado, é um dos cartões postais da cidade.

Cairo e suas construções inacabadas

Cairo
Cairo é repleta de prédios inacabados. O problema se repete em regiões da Grécia pelos mesmos motivos. (Imagem: TADAMUM)

Nos anos 50, o governo da cidade do Cairo buscava uma forma de incentivar seus cidadãos a terminar a construção de suas casas. A solução, além de simples, ajudaria a população mais pobre: o imposto sobre os imóveis da cidade só seria cobrado quando eles estivessem completos. Com o dinheiro economizado, os cidadãos poderiam terminar as obras com mais facilidade, o que elevaria o número de prédios finalizados na capital egípcia.

O resultado não poderia ser mais distante do imaginado. A cidade é até hoje repleta de prédios cinzas, incompletos e com pequenos cômodos inacabados, maneira que a população encontrou de evitar o imposto indefinidamente.

A medida foi revista nos últimos anos, o que deve incentivar os donos dos imóveis a completar e disponibilizar no mercado os andares superiores (normalmente os que estavam “em reformas”) — mas é improvável que a já estabelecida estética da cidade mude tão cedo.

Montreal e suas escadas externas

Arquitetura em Montreal
Exemplos de escadas em Montreal. (Imagem: Nicolas Nova)

A principal cidade francofônica das Américas também tem uma característica peculiar em sua arquitetura: as escadas externas “vazadas” que são encontradas em boa parte dos imóveis do seu centro urbano. Quem caminha pelo Plateau Mont-Royal, bairro onde morava o cantor e escritor Leonard Cohen, pode observar uma série dessas em sequência.

Assim como as casas estreitas de Amsterdã, a origem das escadas de Montreal não é tão clara, mas é muito provável que esteja, também, em uma das legislações instauradas no início do século XX, época do crescimento econômico da então maior e mais pujante cidade canadense. À época, a administração estipulou uma distância mínima entre a fundação dos novos prédios e a calçada, limitando o espaço para construção. Como forma de aproveitar melhor seus terrenos, os moradores passaram a construir seus imóveis com as escadas do lado de fora.

Outras duas leis podem ter influenciado a popularização dessas escadas: em 1845 o voto era reservado para homens que tinham terra e para os locatários que tivessem uma entrada própria, incentivando as construções de outras entradas e de escadas que dessem acesso a estas.

Outra legislação, de 1869, ajuda a explicar o fato das escadas serem abertas: a lei obrigava as pessoas a plantarem árvores do lado de fora das suas casas, e as escadas com vãos abriam espaço para as plantas.

Reino Unido e suas janelas cobertas

Arundel
Casa em Arundel, cidade Inglesa, mantém a janela bloqueada como na época do ‘Window Tax’. (Imagem: Natasha Oakley)

No Reino Unido do século XVIII, a ideia do governo ter acesso a informações pessoas como a renda de uma família era vista como uma afronta às liberdades civis. Isso dificultava em muito a cobrança dos impostos, em especial das famílias mais ricas.

A solução, como sempre, foi tão lógica que parecia à prova de falhas: foi criada uma taxa por número de janelas. Dessa maneira, o taxman não precisaria invadir a privacidade de ninguém — era preciso apenas contar o número de janelas de uma residência para definir o valor a ser cobrado.

A essa altura já é possível imaginar o resultado. Para evitar a cobrança excedente de impostos, diversas famílias taparam as janelas de suas casas como puderam. O imposto, que ficou conhecido como “imposto sobre saúde” e “imposto sobre luz e ar”, viria a ser derrubado no meio do século seguinte, em meio a críticas intensas da população.

Porto Alegre e suas sacadas padronizadas

Arquitetura Porto Alegre
Novo empreendimento residencial do bairro Moinhos de Vento segue o padrão das sacadas de Porto Alegre. (Imagem: Veronez)

Porto Alegre tem uma característica já apontada aqui no site: os novos empreendimentos são, todos, extremamente parecidos. Isso é causado pelas limitações do Plano Diretor da cidade, que além de moldar a cara dos prédios, também influencia fortemente a maneira como as pessoas vivem seus bairros.

Um dos exemplos mais claros é o das sacadas da capital gaúcha. Praticamente todas têm a mesma profundidade: 2,5m, o limite antes de serem consideradas área adensável. Isso também explica por que é raro encontrar sacadas junto aos dormitórios — pois nesse caso elas seriam computadas na área construída do edifício.

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  • Parabéns aos autores do Site! As qualidades de vida que resultam da adaptação das plantas e pés direitos às definições urbanísticas raramente são mostradas na tentativa de ligar causas ( legislações urbanas) com efeito arquitetônico final. No Brasil, a nível de poder municipal (1) ainda somos incipientes na criação de prévias de cenários eletrônicos a serem usados para apresentar alternativas para que assembleias de associações de moradores entendam e decidam aceitar ou não novas propostas urbanísticas. A nível dos empreendedores imobiliários (2), muito mais importante que as opiniões de quem mora, o que se coloca são os estudos de viabilidade econômica que proporcionem maior lucratividade. Mas, este trabalho apresentado aqui no CAOSPLAN mostra – entre sucessos e fracassos – que as relações entre posturas urbanas e resultados edilícios podem ser pré conhecidas e se tornar um item de felicidade de quem vive em um bairro.

  • Nunca pesquisei se é uma legislação ou o que, mas em várias cidades minimamente planejadas do Brasil — me recordo de início de Taubaté/SP e Maringá/PR — há o lote padrão com 12m a 15 m de frente que frequentemente é dividido em dois por uma casa geminada com planta espelhada.

    Eu brincava dizendo que é a planta padrão de Taubaté, que devia ser vendida em bancas de jornal. Tem um pequeno pátio/garagem na frente, porta principal pela lateral ou à frente dos carros. Sala de estar/jantar, escada, lavabo embaixo da escada, copa, cozinha e lavanderia todas contíguas com um corredor lateral ligando tudo. No andar superior, ao lado da escada tem dois quartos — um para a lateral da casa, outro para os fundos — e no outro lado há dois banheiros espelhados, sendo um da suíte que fica à frente.

    Eu gosto muito desse projeto porque acho muito funcional — tem espaço até para duas ou três sacadas em um terreno estreito.

  • Outro exemplo é o de Belo Horizonte e os embasamentos dos edifícios. Dependendo da região, a lei de uso e ocupação só permite que se construa nas divisas dos lotes até certa altura e acima disto o edifício afina para atender ao afastamento mínimo imposto, o que leva a uma forma bem comum de se ver pela cidade. É um horror!

  • Esse artigo me lembrou de vários filmes passados em Nova York, daqueles prédios mais antigos que tinham aquelas escadas metálicas no lado externo, muitas vezes nos becos laterais, mas também na própria fachada dos edifícios. Imagino que deva ser efeito de alguma lei de combate a incêndios, oferecendo uma rota de fuga em caso de incêndio.

  • Muito interessante. Eu acrescentaria Portland à lista. Eles mudaram a legislação urbana em 1970 pra aumentar densidade e combater sprawl. Levou meio século pra atingir resultados, mas hoje é uma das melhores cidades pra se viver nos EUA. E aqui na Australia e NZ ainda se planeja como nos EUA da década de 60, enquanto acredita-se que não há antidoto para urban sprawl. A história de Portland traz esperança!!