As cidades estão cada vez mais quentes, mas infraestruturas melhores podem amenizar o calor
Foto: Pixnio

As cidades estão cada vez mais quentes, mas infraestruturas melhores podem amenizar o calor

Diante de eventos climáticos extremos, as cidades precisam adotar estratégias para garantir o bem-estar de seus moradores mesmo em altas temperaturas.

8 de dezembro de 2025

Em uma cidade, um parque gramado pode ser um lugar para se esticar com um livro, uma estrada asfaltada pode ser o caminho até o trabalho, e a parede de um prédio pode servir de tela para um mural. Mas, além de suas funções tradicionais, cada uma dessas superfícies exerce um papel fundamental e muitas vezes invisível em relação ao calor.

Muitas cidades estão aquecendo a uma taxa duas vezes maior que a média global – um problema que só piora com a rápida urbanização. E, embora o aumento das temperaturas seja um problema em todos os lugares, algumas cidades e bairros (normalmente os mais pobres e vulneráveis) sofrem mais do que outros.

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A razão disso está no ambiente urbano. Infraestruturas construídas, como ruas, edifícios e calçadas, assim como infraestruturas naturais, como árvores e corpos d’água, determinam como o calor se movimenta por uma cidade. Na maioria das cidades, há uma abundância de superfícies escuras e impermeáveis, como o asfalto e o concreto, que retêm calor e elevam as temperaturas, contribuindo para o fenômeno conhecido como ilha de calor urbana.

No entanto, a infraestrutura urbana também pode ser uma das ferramentas mais eficazes para manter o ambiente mais fresco, sem depender do ar-condicionado, que consome muita energia.

A chave está em focar na “infraestrutura de superfície” – os locais onde a cidade física e a atmosfera interagem. Diversas cidades ao redor do mundo têm demonstrado que mudanças simples nas superfícies, como pintar telhados de branco ou plantar árvores, podem ter um impacto significativo nas temperaturas. A questão é saber como e onde usar essas soluções.

Telhados brancos, como este na Ilha de Milos, na Grécia, podem manter os ambientes internos mais frescos e ainda reduzir as temperaturas ao redor. Foto: Wikimedia Commons

O que torna uma cidade mais quente ou mais fresca

A infraestrutura urbana interage com a energia do sol de maneiras que moldam a experiência do calor urbano – refletindo-a, absorvendo-a, transformando-a e armazenando-a. Entender e aproveitar esses mecanismos é fundamental para tornar as cidades mais frescas.

Quando a luz do sol atinge uma superfície, duas coisas podem acontecer: a energia é absorvida ou refletida. Enquanto a energia refletida de volta para a atmosfera não causa aquecimento, a energia absorvida pelas superfícies é reemitida como calor. Superfícies escuras tendem a absorver energia e elevar as temperaturas; superfícies brancas ou reflexivas tendem a ter o efeito oposto.

Imagem: Sara Staedicke/WRI

Estratégias para aumentar a refletividade (também conhecida como “albedo”) – por exemplo, pintando telhados e calçadas com cores claras – podem diminuir significativamente as temperaturas locais. Phoenix, nos Estados Unidos, por exemplo, reduziu as temperaturas de superfície em algumas áreas em mais de 7°C com tratamentos refletivos aplicados nas calçadas. Na região de Almería, no sul da Espanha, depois que os agricultores pintaram de branco os telhados das estufas, a temperatura do ar local caiu em torno de 1,6°C em comparação com áreas do entorno.

Telhados frios têm o benefício adicional de reduzir as temperaturas internas e diminuir a necessidade de ar-condicionado. Na Malásia, telhas brancas reduziram o consumo doméstico anual de energia em 13%, diminuindo a demanda por eletricidade e os custos com energia.

Medir a temperatura da superfície terrestre pode mostrar como essas intervenções têm um impacto direto sobre a temperatura de superfícies, como telhados ou ruas. Medir a temperatura do ar local também fornece informações importantes sobre como superfícies refletivas afetam as temperaturas e as pessoas de maneira mais ampla.

Imagem: Sara Staedicke/WRI

Da mesma forma que toldos, pontos de ônibus e passagens cobertas, as árvores interceptam a luz solar e impedem que ela seja absorvida pelo solo e pelas pessoas – e amenizam a sensação térmica de forma significativa, aliviando o calor mesmo em dias muito quentes.

Diante disso, aumentar as áreas de sombra parece uma medida óbvia, mas os benefícios podem ser ainda mais impressionantes. Um estudo descobriu que a sombra de árvores pode reduzir a temperatura da superfície em até 25°C em comparação com áreas asfaltadas expostas ao sol. Algumas cidades já se deram conta disso: um projeto comunitário em Freetown, Serra Leoa, plantou mais de um milhão de árvores nos últimos cinco anos para combater o aumento das temperaturas.

Já o índice de conforto térmico pode ser usado para medir como a presença (ou ausência) de sombra afeta as pessoas, fornecendo orientações sobre onde plantar árvores e construir abrigos.

Um parque gramado em geral é consideravelmente mais fresco do que uma calçada sob o sol. Isso se deve em parte à “evapotranspiração”, o processo pelo qual a água passa da terra para a atmosfera, tanto pelas folhas das plantas quanto pela evaporação direta da água. Assim como o suor resfria o corpo humano, a evapotranspiração retira calor do ambiente e o utiliza para transformar a água líquida em vapor, reduzindo a temperatura do ar local nesse processo.

Imagem: Sara Staedicke/WRI

Essa característica, combinada com a sombra que proporcionam, torna as árvores urbanas uma ferramenta poderosa no combate ao calor. Superfícies úmidas, como o solo e corpos d’água abertos, têm um efeito semelhante, conhecido como resfriamento evaporativo.

As cidades podem aproveitar esses benefícios por meio de estratégias como telhados verdes, áreas verdes e pavimentos permeáveis (que possuem aberturas que permitem a evaporação da água). Medellín, na Colômbia, conseguiu reduzir a temperatura do ar local em 2ºC ao criar uma rede de “corredores verdes” – ou seja, árvores e vegetação plantadas ao longo de ruas, caminhos e ciclovias, conectando espaços verdes por toda a cidade.

Por outro lado, a evaporação também aumenta a umidade, o que pode agravar os riscos à saúde durante ondas de calor extremo. Ao avaliar essas soluções, é importante considerar seu impacto sobre o índice de calor (métrica que combina temperatura do ar e umidade) para avaliar com mais precisão como as pessoas se sentem ao ar livre.

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Materiais diferentes absorvem e emitem calor em ritmos diferentes, o que molda os ciclos de temperatura urbana. Por exemplo, o asfalto aquece de forma intensa durante o dia e libera esse calor até muito tarde durante a noite, o que mantém as cidades quentes mesmo depois que o sol se põe.

Imagem: Sara Staedicke/WRI

Corpos d’água, por outro lado, conseguem absorver e armazenar grandes quantidades de calor sem que sua temperatura varie muito. É por isso que a água permanece mais fria que o ar em dias quentes – e por que nadar é tão refrescante no verão. Durante o dia, o ar próximo à superfície de um corpo d’água é resfriado pela água e pode ser espalhado pelo vento, reduzindo as temperaturas no entorno também. À noite, a água libera apenas uma pequena parte do calor armazenado, e faz isso lentamente, evitando as altas temperaturas noturnas comuns em áreas muito urbanizadas.

Em 2005, Seul, na Coreia do Sul, demoliu cerca de seis quilômetros de uma via elevada urbana para revelar e restaurar o riacho Cheonggyecheon. Após a conclusão do projeto, pesquisadores compararam as temperaturas do ar próximas ao riacho com as de uma área urbanizada a quatro quarteirões de distância e descobriram que a região próxima ao riacho estava quase 6ºC mais fresca. Além disso, a revitalização impulsionou o turismo, criou espaços verdes para os moradores e promoveu um aumento significativo na biodiversidade.

Embora o atraso térmico afete as temperaturas no dia a dia, ele também modera as temperaturas ao longo de períodos mais longos – reduzindo a ocorrência tanto de calor quanto de frio extremos, devido à liberação lenta e constante do calor armazenado. Essa é uma das principais razões pelas quais as regiões costeiras têm climas mais amenos do que as regiões do interior. Os efeitos de resfriamento e moderação proporcionados pelo atraso térmico podem ser medidos por meio da temperatura do ar.

O riacho Cheonggyecheon, revitalizado em Seul, na Coreia do Sul, reduziu as temperaturas nas áreas próximas e criou um novo espaço verde para os moradores. Foto: Wikimedia Commons

Soluções para cumprir as metas de resfriamento das cidades

Cada uma dessas soluções tem seu valor. Mas, para alcançar metas mais abrangentes ou mais complexas – como reduzir a demanda de energia ou proteger pedestres e usuários do transporte público durante ondas de calor –, as cidades precisam adotar uma abordagem integrada. Ao compreender as relações entre seus objetivos, as métricas de calor e os mecanismos de resfriamento e soluções de infraestrutura existentes, é possível promover avanços mais significativos no enfrentamento do calor extremo.

Por exemplo, uma cidade pode querer reduzir as temperaturas de forma geral e, ao mesmo tempo, manter as pessoas mais frescas em áreas com grande circulação. Para isso, é possível combinar, ao mesmo tempo, estratégias de macro e microescala: instalar telhados e pavimentos frios na cidade como um todo aumentaria a refletividade de grandes superfícies, ajudando a reduzir a absorção de calor e a diminuir a temperatura do ar em toda a área urbana. Já em locais com alta circulação de pedestres – como corredores comerciais ou pontos de integração do transporte –, incorporar mais árvores ou estruturas de sombra poderia reduzir a exposição das pessoas ao calor e os riscos à saúde.

Esse tipo de estratégia em camadas permite que as cidades combinem a redução geral dos riscos com alívio imediato nos locais onde as pessoas mais precisam.

Diferentes soluções de infraestrutura — como telhados e pavimentos frios, estruturas de sombra, árvores e áreas verdes, pavimentos permeáveis, telhados verdes e corpos d’água — atendem a diversas metas de resiliência e saúde. Os objetivos de resfriamento são:

  • Refrescar as pessoas em áreas externas: diminuir o estresse térmico em pontos ou corredores específicos, conforme medido por índices de conforto térmico, como o índice universal de conforto térmico.
    Reduzir as temperaturas em regiões amplas: diminuir a temperatura do ar em uma área extensa ao longo do dia.
    Reduzir os picos de temperatura: reduzir as temperaturas do ar nos horários mais quentes do dia em um bairro ou cidade.
    Reduzir as temperaturas noturnas: diminuir as temperaturas mínimas durante a noite em um bairro ou cidade. Essa medida é especialmente importante para aliviar o estresse térmico durante ondas de calor de vários dias.
    Reduzir temperaturas de superfície: reduzir a absorção de calor por superfícies no ambiente urbano, conforme medido pela temperatura da superfície terrestre.
    Resfriar sem aumentar a umidade: diminuir a temperatura do ar sem adicionar umidade ao ambiente urbano, controlando a carga térmica de uma área segundo o índice de calor. Isso é especialmente relevante em regiões com alta umidade de base nas estações mais quentes.
    Resfriar sem usar água: reduzir a temperatura de uma área sem exigir recursos hídricos adicionais. Isso é particularmente relevante em regiões áridas ou com escassez de água.
    Reduzir o calor interno: reduzir o calor absorvido pelas construções, a fim de diminuir a temperatura interna e reduzir o estresse térmico.
    Reduzir o consumo de energia: diminuir a absorção de calor pelos edifícios para reduzir a demanda por energia no resfriamento dos ambientes internos.

Um conjunto de soluções para proteger as cidades do calor extremo

O calor é um desafio comum a muitas cidades, mas enfrentá-lo oferece a oportunidade de usar criatividade e conhecimentos locais específicos. Cada ambiente construído é único, e cada elemento da infraestrutura pode tanto agravar quanto ajudar a diminuir o calor.

As soluções apresentadas aqui formam um conjunto de ferramentas flexível. Ao compreender como a luz solar interage com a paisagem urbana – e usar a infraestrutura de forma intencional para influenciar essas interações –, as cidades podem estabelecer e cumprir metas claras e mensuráveis de resiliência ao calor e proteger suas populações em um mundo cada vez mais quente.

Artigo publicado originalmente em WRI, em setembro de 2025.

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