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As discussões sobre os planos diretores do Centro Histórico — aprovado na Câmara em novembro — e do 4.º Distrito — ainda em curso — mostram que a revisão das leis que orientam o planejamento urbano é prioritária para o Executivo e para o Legislativo de Porto Alegre.
Embora positivas, essas ações ocorrem com grande atraso, o que expôs por período demasiadamente longo essas regiões aos efeitos de normas que vão de encontro a conceitos básicos de urbanismo e ao que cidades buscam para si.
Já o restante da capital continuará se desenvolvendo a partir de um ordenamento equivocado, ao menos até 2023, quando o Plano Diretor geral deverá ter sua revisão integral concluída. Ao contrário do que regulamentações de outras metrópoles promovem, a de Porto Alegre impede o adensamento de regiões com melhor infraestrutura, encarece a habitação e reduz a eficiência de serviços e infraestrutura.
Dentre diversos fatores negativos, um dos mais críticos trazidos pelo Plano Diretor e pelo Código de Obras é o padrão dos percentuais usados para impor limitações volumétricas, o que não se relaciona ao adensamento. Na enorme maioria dos terrenos da capital — aproximadamente 79% dos 250 mil lotes da cidade — não é possível atingir índice 3, o maior permitido pela legislação, por conta dos recuos exigidos, mais restritivos que o próprio índice.
Desta forma, o plano prejudica e até inviabiliza investimentos em terrenos com largura inferior a 20 metros, a grande maioria na capital. Promove, assim, a redução da oferta e, consequentemente, o encarecimento da habitação, justamente nas regiões que dispõem de melhor infraestrutura.
Na comparação com a legislação de outras cidades, a regulação das volumetrias em Porto Alegre é sensivelmente mais restritiva. Em São Paulo, por exemplo, onde o potencial construtivo é determinado pela Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (que integra o Plano Diretor porto-alegrense), um prédio com altura de 12 pavimentos (aproximadamente 36 metros), deve ter recuos mínimos de 3 metros. Neste caso, em um terreno de 15 metros de testada, seria factível imaginar um prédio de 12 pavimentos com 9 metros de largura. Já na capital gaúcha, o recuo exigido é de 7,2 metros de cada lado, inviabilizando tal edificação.
O mesmo se aplica a projetos de prédios com alturas sensivelmente inferiores ao padrão geral dos novos empreendimentos. Em um terreno de 15 metros de testada, um edifício de 9 andares terá recuos laterais mínimos de quase 5 metros. A obra, com largura semelhante, terá de comportar ambientes, escadas e outros elementos em dimensões absurdamente estreitas.
Em função dos recuos exigidos, aproximadamente 96,5% dos terrenos das regiões nobres não comportariam individualmente empreendimentos de 17 andares, a altura máxima permitida pela legislação. Isso porque, para tais projetos, os recuos mínimos seriam de 13 metros em cada um dos lados.
Assim, edificações deste porte demandam áreas que tenham a partir de 35 metros de frente, algo acessível apenas às maiores empresas do mercado imobiliário. Isso e outros fatores elencados acima prejudicam proprietários de pequenos terrenos que não possuem lotes vizinhos à venda, o que gera dificuldades nas negociações mesmo de áreas em regiões muito demandadas.
Ainda assim, é rotina na indústria da incorporação a compra, geralmente, de várias casas — muito mais que prédios — para a criação de lotes maiores para, neles, erguerem edifícios. Em Porto Alegre, porém, o trabalho é dificultado sobremaneira também pela complexidade do Plano Diretor, que estabelece critérios urbanísticos distintos para terrenos localizados em uma mesma rua, na mesma quadra e, não raramente, vizinhos.
Um exemplo é o caso abaixo. Embora situados na mesma quadra, de frente para a mesma rua e distantes poucos metros entre si, um comporta edificações com até 14 pavimentos, enquanto que o outro, apenas 9, devido ao seu formato e aos recuos laterais.
Essa evidente falta de critério com que foram definidos vários limitadores de adensamento faz com que partes de um mesmo lote formado para um empreendimento pertençam a zonas diferentes, com potenciais construtivos distintos.
Isso resulta em falta de eficiência nas negociações o que, invariavelmente, é repassado ao consumidor. Limites de zoneamento foram gerados sem levar em consideração as quadras e lotes existentes, o que, em algumas situações, faz com que existam até quatro zoneamentosem uma mesma quadra, como exemplificado abaixo.
Lotes do mesmo quarteirão com frente para ruas João Alfredo, Luiz Afonso e Joaquim Nabuco (Vermelho: altura máxima de 42m; Amarelo: altura máxima de 12,5m; Laranja: altura máxima 9m). (Dados: Plataforma Ospa Place)Lotes do mesmo quarteirão com frente para ruas João Alfredo, Luiz Afonso e Joaquim Nabuco (Vermelho: altura máxima de 42m; Amarelo: altura máxima de 12,5m; Laranja: altura máxima 9m). (Dados: Plataforma Ospa Place)
Outro impacto grave desse caráter excessivamente restritivo do Plano Diretor de Porto Alegre é estético. Essas limitações volumétricas impedem que arquitetos deem vazão à sua criatividade. Projetos que dariam identidade a bairros a partir de elementos como pavimentos escalonados, torres de variados portes, sacadas e pé direitos de diferentes tamanhos e alturas, dentre outros, dão lugar a edificações que seguem um único padrão estético: “caixotes” cujas dimensões variam de acordo com seus terrenos. Isso resulta em uma identidade visual pobre de edifícios com morfologias muito parecidas.
Leis urbanísticas servem para orientar o desenvolvimento urbano. No caso do Plano Diretor de Porto Alegre, elas impedem que a cidade se torne eficiente, bela e democrática. Como está, a norma incentiva o espraiamento, compromete o funcionamento de serviços e infraestrutura e reduz a qualidade de vida de seus habitantes.
Boa parte da demora na revisão do Plano é creditada à pandemia. Esta também modificou a forma como as pessoas vivem, particularmente como se relacionam com seus espaços de trabalho e moradia. Nesse novo cenário — que se estabelecerá por anos — é urgente rever mecanismos que induzem a capital a dispor do formato que se deseja.
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