A urgência em se revisar o Plano Diretor de Porto Alegre
Imagem: Joel Vargas/PMPA.

A urgência em se revisar o Plano Diretor de Porto Alegre

Leis urbanísticas servem para orientar o desenvolvimento. Em Porto Alegre, elas impedem que a cidade se torne eficiente, bela e democrática.

17 de janeiro de 2022

As discussões sobre os planos diretores do Centro Histórico — aprovado na Câmara em novembro — e do 4.º Distrito — ainda em curso — mostram que a revisão das leis que orientam o planejamento urbano é prioritária para o Executivo e para o Legislativo de Porto Alegre.

Embora positivas, essas ações ocorrem com grande atraso, o que expôs por período demasiadamente longo essas regiões aos efeitos de normas que vão de encontro a conceitos básicos de urbanismo e ao que cidades buscam para si.

Já o restante da capital continuará se desenvolvendo a partir de um ordenamento equivocado, ao menos até 2023, quando o Plano Diretor geral deverá ter sua revisão integral concluída. Ao contrário do que regulamentações de outras metrópoles promovem, a de Porto Alegre impede o adensamento de regiões com melhor infraestrutura, encarece a habitação e reduz a eficiência de serviços e infraestrutura. 

Dentre diversos fatores negativos, um dos mais críticos trazidos pelo Plano Diretor e pelo Código de Obras é o padrão dos percentuais usados para impor limitações volumétricas, o que não se relaciona ao adensamento. Na enorme maioria dos terrenos da capital — aproximadamente 79% dos 250 mil lotes da cidade — não é possível atingir índice 3, o maior permitido pela legislação, por conta dos recuos exigidos, mais restritivos que o próprio índice. 

Desta forma, o plano prejudica e até inviabiliza investimentos em terrenos com largura inferior a 20 metros, a grande maioria na capital. Promove, assim, a redução da oferta e, consequentemente, o encarecimento da habitação, justamente nas regiões que dispõem de melhor infraestrutura. 

Na comparação com a legislação de outras cidades, a regulação das volumetrias em Porto Alegre é sensivelmente mais restritiva. Em São Paulo, por exemplo, onde o potencial construtivo é determinado pela Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (que integra o Plano Diretor porto-alegrense), um prédio com altura de 12 pavimentos (aproximadamente 36 metros), deve ter recuos mínimos de 3 metros. Neste caso, em um terreno de 15 metros de testada, seria factível imaginar um prédio de 12 pavimentos com 9 metros de largura. Já na capital gaúcha, o recuo exigido é de 7,2 metros de cada lado, inviabilizando tal edificação.

O mesmo se aplica a projetos de prédios com alturas sensivelmente inferiores ao padrão geral dos novos empreendimentos. Em um terreno de 15 metros de testada, um edifício de 9 andares terá recuos laterais mínimos de quase 5 metros. A obra, com largura semelhante, terá de comportar ambientes, escadas e outros elementos em dimensões absurdamente estreitas.

Em função dos recuos exigidos, aproximadamente 96,5% dos terrenos das regiões nobres não comportariam individualmente empreendimentos de 17 andares, a altura máxima permitida pela legislação. Isso porque, para tais projetos, os recuos mínimos seriam de 13 metros em cada um dos lados.

Assim, edificações deste porte demandam áreas que tenham a partir de 35 metros de frente, algo acessível apenas às maiores empresas do mercado imobiliário. Isso e outros fatores elencados acima prejudicam proprietários de pequenos terrenos que não possuem lotes vizinhos à venda, o que gera dificuldades nas negociações mesmo de áreas em regiões muito demandadas. 

Ainda assim, é rotina na indústria da incorporação a compra, geralmente, de várias casas — muito mais que prédios — para a criação de lotes maiores para, neles, erguerem edifícios. Em Porto Alegre, porém, o trabalho é dificultado sobremaneira também pela complexidade do Plano Diretor, que estabelece critérios urbanísticos distintos para terrenos localizados em uma mesma rua, na mesma quadra e, não raramente, vizinhos. 

Um exemplo é o caso abaixo. Embora situados na mesma quadra, de frente para a mesma rua e distantes poucos metros entre si, um comporta edificações com até 14 pavimentos, enquanto que o outro, apenas 9, devido ao seu formato e aos recuos laterais.

Lotes na rua Geraldo Souza Moreira
Lotes na rua Geraldo Souza Moreira, no bairro Boa Vista. (Dados: Plataforma Ospa Place)

Essa evidente falta de critério com que foram definidos vários limitadores de adensamento faz com que partes de um mesmo lote formado para um empreendimento pertençam a zonas diferentes, com potenciais construtivos distintos.

Isso resulta em falta de eficiência nas negociações o que, invariavelmente, é repassado ao consumidor. Limites de zoneamento foram gerados sem levar em consideração as quadras e lotes existentes, o que, em algumas situações, faz com que existam até quatro zoneamentos em uma mesma quadra, como exemplificado abaixo.

Comparação de lotes em Porto Alegre
Lotes do mesmo quarteirão com frente para ruas João Alfredo, Luiz Afonso e Joaquim Nabuco (Vermelho: altura máxima de 42m; Amarelo: altura máxima de 12,5m; Laranja: altura máxima 9m). (Dados: Plataforma Ospa Place)
Comparação de lotes em Porto Alegre
Lotes do mesmo quarteirão com frente para ruas João Alfredo, Luiz Afonso e Joaquim Nabuco (Vermelho: altura máxima de 42m; Amarelo: altura máxima de 12,5m; Laranja: altura máxima 9m). (Dados: Plataforma Ospa Place)

Outro impacto grave desse caráter excessivamente restritivo do Plano Diretor de Porto Alegre é estético. Essas limitações volumétricas impedem que arquitetos deem vazão à sua criatividade. Projetos que dariam identidade a bairros a partir de elementos como pavimentos escalonados, torres de variados portes, sacadas e pé direitos de diferentes tamanhos e alturas, dentre outros, dão lugar a edificações que seguem um único padrão estético: “caixotes” cujas dimensões variam de acordo com seus terrenos. Isso resulta em uma identidade visual pobre de edifícios com morfologias muito parecidas.

Leis urbanísticas servem para orientar o desenvolvimento urbano. No caso do Plano Diretor de Porto Alegre, elas impedem que a cidade se torne eficiente, bela e democrática. Como está, a norma incentiva o espraiamento, compromete o funcionamento de serviços e infraestrutura e reduz a qualidade de vida de seus habitantes.

Boa parte da demora na revisão do Plano é creditada à pandemia. Esta também modificou a forma como as pessoas vivem, particularmente como se relacionam com seus espaços de trabalho e moradia. Nesse novo cenário — que se estabelecerá por anos — é urgente rever mecanismos que induzem a capital a dispor do formato que se deseja.

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